Esta história, eu li faz algum tempo. Mas, como uma pessoa que vive de escrever histórias, gosto de colecioná-las e, de quando em quando, vou lá mexer nos meus arquivos da vida. Esta história, se não tivesse sucedido, quisera eu tê-la escrito.
Trata-se de um casamento, e os casamentos sempre soam no imaginário das gentes. Príncipe casa com plebeia. Fantasma da ópera casa com faxineira do teatro. E por aí afora. Porém esta história – da menina que casou com um cachorro – foi das mais deliciosas que li. A boda sucedeu há alguns anos, no povoado de Khanyan, na Índia. Eu me senti dentro de um livro do Garcia Marquez ou de V.S. Naipaul. Mas, como a vida sempre dá de lambuja na ficção, isso não saiu de nenhum livro, mas sim das páginas de um grande jornal. Aliás, a matéria tinha até fotografia: Kamamoni Handsa, de nove anos, acabara de casar com um digníssimo cachorro, e sorria para a câmera, assim um tanto confusa, com seu risinho subtraído de um fatídico dente, usando roupa de festa (pois houvera, sim, senhor, uma bela festa para mais de cem convidados), enquanto dava de comer ao marido.
É certo que a pequena Kamamoni Handsa não foi parar no altar por qualquer coisica. Sucedera-lhe o gravíssimo fato de haver perdido, antes do tempo previsto, um dente da sua arcada superior, coisa que para a gente da sua tribo é sinal de mau agouro. E mau agouro que cai em cima de mulher, para eles só se resolve com casamento. Aconteceu então que o pai da menina, o senhor Baburam Hands, um camponês pobre de marré deci, não tinha dinheiro para o dote que atrairia um rapaz às núpcias com a sua azarada Kamamoni. Assim foi que Baburam resolveu casar a filha com o tal cachorro. O jornal não esclarecia em que circunstâncias fora escolhido o noivo. Se era um cachorro da casa, se era do bairro, ou se o cão estava passando naquela hora fatal da inspiração de Baburam. Não importa… Devia ser um cão bastante equilibrado, pela expressão que exibia na foto do jornal: um ar de leve espanto diante daqueles repentinos cuidados e atenções.
A nota terminava com algumas explicações práticas a respeito do matrimônio. Parece que o ritual não há de interferir na vida futura de Kamamoni, e que a garota é livre para se casar mais tarde, quando cansar de jogar a bolinha para o atual esposo ir buscar no terreiro dos fundos de casa. A menina não vai precisar nem ao menos se divorciar do cachorro (honorários advocatícios custam caro, e o senhor Baburam Hands, que não me pareceu nada bobo, deve saber muito bem disso). Vai ver, como a história já é antiga, a jovem Kamamoni até já casou de novo, e deve estar andando lépida e faceira por aí – mas o novo esposo não deve aceitar uma coleira tão facilmente…
Na foto, a cara de espanto de V.S. Naipaul: nem ele consegue acreditar numa história dessas!