Confira o relato da capista Ing Lee sobre como é feita a capa de um livro

Você sabe como é feita a capa de um livro?
*Por Ing Lee
Enquanto capista, é uma tremenda responsabilidade definir a primeira impressão do leitor com o livro. Afinal, querendo ou não, todo mundo acaba sim julgando o livro pela capa. Mas como representar uma obra sem entregar spoilers? Como convencer os potenciais leitores, pela capa, de que aquela é uma leitura que vale a pena?
Em meu trabalho de ilustração, levo em consideração todas essas questões e leio os livros cujas capas são confiadas a mim. Uma troca rica só é possível se o ilustrador puder buscar sua própria interpretação do que a obra evoca.
Processo criativo
Dito isso, meu processo criativo costuma variar de título para título. Cada livro demanda uma pesquisa distinta, afinal, cada livro é um universo diferente. O processo de leitura é como uma pescaria: você passa as páginas esperando que um peixe morda sua isca. Às vezes, surgem peixes grandes logo de cara, que me dão uma ideia bem concreta de como prosseguir; outras, pequenos peixinhos, que nos dão pistas de caminhos a serem trilhados. No caso de Os maridos, posso dizer que me diverti muito durante a leitura.
A casa

Como uma pessoa que foi criada com chick flicks e romcoms dos anos 1990 e 2000, eu facilmente visualizo Renée Zellweger interpretando a protagonista do livro em uma adaptação. Essa nostalgia também me proporcionou um insight maravilhoso: e se eu retratasse a capa como uma casa de bonecas?
Afinal, um dos cenários mais frequentes durante a trama é justamente o sótão e como os vários maridos de Lauren alteram toda a configuração do seu lar, refletindo suas diferentes personalidades e estilos de vida. A cada marido que desce do sótão da protagonista, paredes trocam de cor, móveis mudam de lugar ou ganham formas totalmente inéditas, e algumas vezes até pets estão inclusos no pacote.

Uma coisa que me entretém muito durante a criação de uma capa é buscar referências visuais do mundo que rodeia os personagens – e também para evitar cometer gafes culturais. Ao ligar os pontinhos da narrativa ambientada em Londres, me dei conta de que a protagonista morava numa townhouse, que é um pouco diferente da estrutura de prédios e apartamentos da qual estamos habituados aqui no Brasil.
Então comecei a pesquisar plantas arquitetônicas desse tipo de construção da era georgiana e eduardiana para estruturar como seria feita a distribuição dos cômodos e as partes externas da casa.
O interior

Já para o interior, deixei aflorar o meu lado designer de interiores, mesclando diversos estilos de decoração, a fim de evocar todo o caos ao longo das mudanças de maridos.
Ao mesmo tempo, deixei algumas pistas de móveis que são mencionados ao longo do livro – como o sofá verde, quadro de casquinha de sorvete, jarra de cerâmica de abacaxi, vaso de cacto, várias malas no sótão… E distribuí os maridos pelos cômodos, mas infelizmente não coube todos os mais de 200 maridos citados no livro, então tomei a liberdade de trazer os que foram mais característicos na trama, como um dos maridos que apanha galinhas, o cara nu e o galês de pantufas.
Por fim, amarro tudo isso com uma paleta de cores vibrante e divertida, que se conecta bem com o tom do livro.
Os maridos, além de ser uma leitura incrível e que me prendeu do início ao fim, foi um trabalho do qual gostei muito de executar e de seu resultado. Eu espero que os leitores se divirtam tentando encontrar pistas na minha ilustração, num exercício a la Onde Está Wally”, assim como eu fiz durante a leitura do livro para criá-la.
O livro

Ao voltar tarde da despedida de solteira da melhor amiga, Lauren é recebida por seu marido, Michael. Só tem um problema: ela não é casada e não sabe quem é esse homem. Mas, de acordo com seus documentos, fotos no celular, família e amigos, eles estão juntos há anos. Será que Lauren enlouqueceu e não se lembra do próprio cônjuge?
Enquanto ela tenta entender o que está acontecendo, Michael vai até o sótão trocar uma lâmpada e desaparece. Em seu lugar, surge um novo homem, que ela também não conhece e que também afirma ser seu marido. Além disso, aspectos importantes de sua vida também mudaram: ela tem um novo emprego, seu apartamento foi redecorado e todos a sua volta têm lembranças de uma vida que ela nunca viveu.
Ela decide pedir para o marido subir no sótão novamente e o impossível acontece mais uma vez: outro homem surge, e uma nova vida se constrói em torno dela.
Ao perceber que o sótão está lhe oferecendo um estoque infinito de maridos, Lauren embarca numa busca incessante pelo parceiro ideal. Alto demais? Próximo. Baixo demais? Próximo. Bigode estranho? Próximo. Rabugento? Próximo. Não corta os pelos do nariz? Definitivamente, próximo.
Mas, depois de tantos maridos, ela começa a se questionar: quando trocar de vida é tão fácil quanto trocar uma lâmpada, como saber que você encontrou o caminho certo?

*Ing Lee, mineira que mora em São Paulo, Ing Lee tem 29 anos, é coreano-brasileira e surda oralizada. É formada em Artes Visuais pela UFMG, trabalha como ilustradora freelancer e quadrinista desde 2018. Suas autoras de livros e quadrinhos favoritas são Elena Ferrante, Keum Suk Gendry-Kim, Ai Yazawa e Rutu Modan. Ultimamente tem se deburaçado em mangás shoujos e josei clássicos de Kyoko Okazaki e Moto Hagio.
Uma resposta
Lindo parabéns