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Esvazie suas gavetas | O autoconhecimento como aliado na jornada terapêutica

12 / fevereiro / 2025

Entenda como abrir espaço para o autoconhecimento pode ajudar você a construir uma vida melhor 

autoconhecimento

Texto por Vanessa Rodler*

Você já parou para pensar no que acontece quando deixamos de olhar para dentro? Quando evitamos nossas emoções, ignoramos nossos pensamentos ou simplesmente passamos pela vida no modo automático? 

E se a chave para entender quem somos estiver em algo tão simples e poderoso quanto a curiosidade?

O piloto automático, embora pareça confortável, nem sempre é confiável, porque, quando entramos nesse modo, o cérebro tende a percorrer caminhos conhecidos e familiares, porém, muitas vezes, as formas como aprendemos a lidar com nossas emoções e comportamentos no passado já não são saudáveis para o nosso eu presente, adulto. Viver no automático é como nos apegar e ficar preso ao que não nos serve mais.

É como usar um par de sapatos velhos: por mais confortável que seja, moldado ao formato dos nossos pés, com o tempo, se torna inadequado, descostura, esgarça e por isso começa a nos causar danos. Assim como podemos escolher outros sapatos que sejam mais condizentes com nosso estilo e nossas necessidades atuais, também podemos ressignificar nossas crenças e o que aprendemos no passado, seja por meio do que nos ensinaram ou das nossas experiências, decidindo então como queremos reagir e caminhar a partir deste momento. Não precisamos seguir os mesmos padrões para sempre

A curiosidade é uma chave poderosa para esse autoconhecimento, em vez da fuga que muitos de nós escolhemos diariamente por medo de enfrentar o sofrimento ao olhar para dentro. Perguntar-se “o que estou sentindo?”, “por que estou reagindo assim?” ou “o que realmente importa para mim agora?” é o início de um processo profundo de compreensão e discernimento sobre si.

Sempre digo às minhas pacientes no início do processo terapêutico: “Antes de qualquer outra coisa, vamos identificar as questões que precisamos resolver juntas. Afinal, ninguém resolve um problema sem saber do que ele se trata, certo?” Identificar esse problema geralmente nos dá, no mínimo, um norte a respeito de como prosseguir.

Nesse ponto, a escrita de Annie Zimmerman pode ser um excelente pontapé inicial. Em seu livro Terapeuta de bolso, ela nos conduz por uma série de exemplos, tão próximos da nossa vivência cotidiana que é quase impossível não nos reconhecermos em alguns deles. A autora mostra como nossas demandas estão intimamente enraizadas em experiências e crenças desenvolvidas ao longo da vida. Ao compartilhar histórias e reflexões, ela nos convida a olhar para dentro e começar a entender de onde surgem nossas questões e por que elas ainda nos afetam.

A cada capítulo do livro, percebemos que, ao identificar e compreender nossas dores, conseguimos transformar a relação que estabelecemos com elas, entendendo que a vulnerabilidade, ao contrário do que muitos pensam, é uma fortaleza, um suporte que sustenta quem verdadeiramente somos.

Como psicóloga, atuando nos bastidores de tantas histórias, quero lhe dizer algo que considero essencial: não há nada mais precioso para o nosso bem-estar do que o autoconhecimento. E, quando menciono isso, não me refiro apenas a saber o que você gosta ou não (isso também tem seu valor), mas a compreender os seus porquês, encontrar suas respostas, ressignificar sua história, abrir portas para reflexões que, aos poucos, podem transformar a maneira como você se vê e se relaciona com o mundo e consigo mesmo. Sei que talvez você não queira ouvir isso agora, mas preciso dizer: fugir do seu processo não vale a pena. Em algum momento, todos nós precisamos encará-lo — ainda que de maneira gradual e sempre respeitando o seu próprio tempo.

Um exemplo que gosto de usar é a analogia da velha gaveta esquecida na escrivaninha. Imagine que você apenas guarda papeis nessa gaveta sem nem olhar do que se trata. Certo dia, ela está tão cheia que não fecha mais. Então, você se vê forçado a abri-la e organizá-la. Você observa que alguns papeis já não fazem mais sentido, e os joga fora. Outros precisam ser arquivados, outros são lembranças valiosas e alguns contêm informações importantes que precisam ser registradas. Ao fim, a gaveta fica leve, organizada, e agora você sabe exatamente o que encontrará nela sempre que precisar.

Da mesma forma, quando não processamos nossos sentimentos e nossas experiências, acumulamos tudo em uma “gaveta emocional”. Chega um momento em que isso transborda, e precisamos lidar com aquilo que tentamos ignorar por muito tempo. Abrir essa gaveta é um ato de coragem, assim como um gesto de autocuidado.

O modelo cognitivo nos ensina que os pensamentos, emoções, comportamentos e crenças são moldados pelas experiências que tivemos e pelo que nos ensinaram ao longo da vida: nosso cérebro absorve, interpreta e elabora significados a partir do que vivemos. Assim, ao longo da vida, conforme acumulamos novas experiências e novos aprendizados, temos a oportunidade de ressignificar o que já passou e, se necessário, reescrever partes da nossa história, abrindo espaço para novas perspectivas e experiências. E, ao mudar nossa percepção e nossa compreensão, podemos reprogramar nossas respostas e desenvolver outras formas de pensar, agir e reagir diante das situações do presente.

Annie Zimermann explora isso com profundidade em cada capítulo de Terapeuta de bolso, mostrando como nossas crenças muitas vezes guiam nossas atitudes em áreas completamente diferentes daquelas em que foram moldadas. Assim como o livro pode oferecer pistas valiosas para iniciar essa reflexão e compreensão, o processo terapêutico também é um convite à escuta e à possibilidade de darmos um novo destino àquilo que carregamos.

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Abrir nossa gaveta interna é um ato de organização e transformação. Não se trata apenas de aliviar o peso, mas também de ter clareza e assim, criar espaço para aquilo que realmente importa. Pois então, viver uma vida significativa começa com a curiosidade de se perguntar: o que há dentro de mim?

*Vanessa Rodler é psicóloga, criadora de conteúdo e, entre um café e outro, leitora e escritora. Acredita no poder da troca, dos livros e da escrita como caminhos para o autoconhecimento. Criadora do projeto Repertório em Letras, explora a escrita terapêutica como uma ferramenta para refletir, ressignificar e descobrir as respostas que já habitam dentro de nós.


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Comentários

2 Respostas para “Esvazie suas gavetas | O autoconhecimento como aliado na jornada terapêutica

  1. Obrigada por ser tão necessária, Vanessa! Já entrou para a minha lista de livros à ler.

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