Por Cacau Ideguchi*
Se você acha que o terror japonês é feito só de fantasmas de cabelos longos e filmes com fita VHS, é hora de puxar uma cadeira e mergulhar mais fundo nesse universo cativante — e, muitas vezes, perturbador.
A literatura de horror no Japão não é apenas assustadora. Ela é, antes de tudo, sensorial. Em vez de sustos fáceis ou monstros saltando da página, o terror japonês prefere o caminho da sugestão, do desconforto que se acumula aos poucos e da sensação de que há algo errado no cômodo ao lado. Essa tradição já vem de séculos e se manifesta desde os primeiros livros escritos, passando pelos kaidan (contos populares de fantasmas) até as histórias mais contemporâneas.

No artigo “Os Mortos Falam: Horror e o Fantasma Moderno em O Serviço de Entrega de Cadáveres Kurosagi, de Eiji Ōtsuka”, a acadêmica Megan Negrych discorre sobre o kaidan e as produções de horror atuais: “Historicamente, os kaidan japoneses que abordam o horror e o sobrenatural foram moldados por ideias culturais e sociais relacionadas à morte e à preocupação de que os mortos inquietos pudessem trazer infortúnio aos vivos. Além do kaidan, o mangá de terror contemporâneo também se inspira na literatura japonesa moderna e na ficção popular, especificamente em um gênero conhecido como ero-guro-nansensu (absurdo grotesco erótico), que surgiu na década de 1920 como um fenômeno cultural burguês que se dedicou a explorações do desviante, do bizarro e do ridículo.”
O mestre do ero-guro-nansensu Edogawa Rampo (pseudônimo que homenageia Edgar Allan Poe) é um nome essencial para entender como o Japão refinou o horror em direção ao insólito e ao grotesco. Seus contos misturam mistério, erotismo e um toque de bizarrice que faz qualquer leitor ficar entre o fascínio e o desconforto. Essa familiaridade com o insólito está presente desde os primeiros clássicos do Japão. Em As narrativas de Genji, considerado o primeiro romance da história, escrito por Murasaki Shikibu no século XI, os fantasmas não aparecem como monstros, mas como manifestações do sofrimento e do apego. A figura de Lady Rokujo, por exemplo, é possuída por uma raiva silenciosa que transcende a morte. Sem saber, seu espírito se desprende do corpo e atormenta a nova esposa do protagonista, em cenas carregadas de poesia e angústia. O terror da narrativa não vem do susto, mas da sensação assombrosa que nos persegue.
A atração do povo japonês pelo inusitado e sobrenatural geralmente se reflete na maneira como casas, objetos e até paisagens podem carregar memórias e presenças incomuns. No cinema, por exemplo, um templo pode ser tão assombrado quanto o de Noroi (2005, dir: Kōji Shiraishi), onde rituais esquecidos liberam forças aterradoras, ou como a escola em Another (2012, dir: Takeshi Furusawa), onde os corredores ecoam com mortes inexplicáveis e uma maldição intergeracional. Um telefone abandonado pode ser muito mais que um objeto perdido, como no curta 4444444444 (1998, dir: Takashi Shimizu), que introduziu a figura de Toshio, depois imortalizada em O Grito (2000), do mesmo diretor. Esses espaços, cotidianos à primeira vista, tornam-se portais para o inexplicável — um traço marcante do horror japonês. No país, o terror não é algo que está lá fora, ele mora dentro das casas e das pessoas. E nos últimos anos esse tipo de narrativa tem ganhado cada vez mais atenção no Ocidente, com leitores de países como Estados Unidos, Reino Unido e Brasil impressionados com o modo como o horror japonês propõe uma experiência literária que é tanto estética quanto emocional. Autores como Junji Ito, Kanae Minato e Hirokatsu Kihara se tornaram febre, mostrando que o terror que vem do Japão é ao mesmo tempo profundamente local e universal.

E é nesse universo de sussurros e sombras que chega Casas estranhas, livro do youtuber Uketsu, lançado no Brasil pela Intrínseca. O autor é conhecido pela internet por reunir e narrar casos verídicos de arrepiar: histórias de internautas que viveram encontros inexplicáveis em apartamentos com aluguéis baratos, mansões abandonadas no interior do país e casas com segredos enterrados sob o assoalho. No YouTube, seu canal se tornou fenômeno, e agora, em formato literário, suas histórias ganham nova dimensão.

Em Casas estranhas, uma narrativa de suspense envolvente acompanha um jovem casal prestes a ter seu primeiro filho, que encontra a casa aparentemente perfeita em um bairro tranquilo de Tóquio. No entanto, um espaço inexplicável entre a cozinha e a sala desperta suspeitas, e, em busca de respostas, eles recorrem a um escritor fascinado por ocultismo. Juntamente com um conhecido que é especialista em arquitetura, o escritor descobre detalhes perturbadores na planta da casa: cômodos sem janelas, portas duplas e disposições incomuns. Conforme investigam, percebem que a casa esconde segredos sombrios e aterrorizantes. É uma leitura perfeita para quem gosta do tipo de terror que se infiltra aos poucos, que constrói a tensão parede por parede; o mistério vai sendo montado lentamente e, ao abrir o livro, o leitor não entra apenas em uma casa mal-assombrada: ele se muda para dentro dela, com tudo o que isso implica.
Com mais de dez anos de experiência profissional, Cacau Ideguchi* é mestra em Letras com ênfase em Cultura Japonesa (2023), tem MBA em História da Arte (2024), é especialista em Jornalismo Cultural (2014) e bacharel em Jornalismo (2011). Seu caminho acadêmico é no cinema e na história japonesa, perpassando pela literatura e artes plásticas do país.
