{"id":21178,"date":"2015-04-08T16:00:30","date_gmt":"2015-04-08T18:00:30","guid":{"rendered":"http:\/\/www.intrinseca.com.br\/blog\/?p=21178"},"modified":"2015-11-06T18:25:48","modified_gmt":"2015-11-06T20:25:48","slug":"amanda-palmer-e-a-arte-de-se-entregar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/intrinseca.com.br\/blog\/2015\/04\/amanda-palmer-e-a-arte-de-se-entregar\/","title":{"rendered":"Amanda Palmer e a arte de se entregar"},"content":{"rendered":"

Por Jo\u00e3o Louren\u00e7o*<\/p>\n

\"NakedMarker\"<\/a><\/p>\n

Ao pensar em Amanda Palmer<\/a>, a primeira coisa que vem \u00e0 cabe\u00e7a \u00e9 uma boneca russa. S\u00e3o camadas que n\u00e3o acabam mais: poeta, cantora, compositora, artista visual, performer<\/em> de rua, pioneira do crowdfunding<\/em>.<\/p>\n

Em 2012, cansada de lidar com reclama\u00e7\u00f5es e contratos r\u00edgidos e limitadores de gravadoras, ela disponibilizou m\u00fasicas de sua banda de cabar\u00e9 punk, The Dresden Dolls, na internet. O lema era (e continua sendo!) o seguinte: \u201cPague quanto puder, quando quiser!\u201d Em sua palestra nos Ted Talks, Amanda explicou: \u201cFoi uma atitude libertadora. Percebi que quando h\u00e1 uma conex\u00e3o, as pessoas v\u00e3o te ajudar! Basta saber como pedir.\u201d Em outra a\u00e7\u00e3o, criou a banda Amanda Palmer & The Grand Theft Orchestra e deu o pontap\u00e9 inicial em uma campanha no Kickstarter, site de financiamento coletivo. O objetivo era arrecadar 100 mil d\u00f3lares para lan\u00e7ar um CD. No total, ela conseguiu mais de 1 milh\u00e3o de d\u00f3lares. Cerca de 25 mil pessoas colaboraram. Al\u00e9m de gravar o \u00e1lbum, Theater is Evil<\/em>, ela usou o dinheiro da campanha para cair na estrada em uma turn\u00ea que deu a volta ao mundo.<\/p>\n

\"CAPA_AArteDePedir_WEB\"<\/a>O mais recente empreendimento de Amanda \u00e9 o livro de mem\u00f3rias e confiss\u00f5es A arte de pedir<\/em><\/a>. \u201cDe certa forma, a palestra que dei nos Ted Talks inspirou o livro. Uma editora viu o v\u00eddeo e me procurou no final de 2013, quando estava no fim da minha turn\u00ea. Eu nunca tinha escrito nada parecido, n\u00e3o sabia se aceitava o convite. Parecia uma tarefa quase imposs\u00edvel.\u201d Mas ela mudou de ideia ap\u00f3s conversar com o marido, o escritor Neil Gaiman. \u201cEle me deu for\u00e7a para ir em frente. O tempo era curto, tive que escrever tudo em quatro meses.\u201d<\/p>\n

\"link-externo\"<\/a>Leia um trecho de\u00a0A arte de pedir<\/em><\/a><\/p>\n

Amanda conta que A arte de pedir<\/em> come\u00e7ou como um livro sobre os perrengues que ela passou nas ruas, quando ainda se apresentava como uma est\u00e1tua viva vestida de noiva. Acabou se transformando em um tratado sobre a condi\u00e7\u00e3o humana. Na obra, Amanda discute a nova rela\u00e7\u00e3o entre artista e p\u00fablico, seus pr\u00f3prios medos, e conceitos como desconforto, amizade, feminismo e casamento. O maior trunfo da autora \u00e9 a confian\u00e7a e energia que deposita nos f\u00e3s e em todos que cruzam seu caminho.\u00a0Ela\u00a0defende que o simples ato de pedir cria um momento valioso de conex\u00e3o entre as pessoas. \u201cAinda temos problemas para falar sobre dinheiro. N\u00e3o \u00e9 um assunto confort\u00e1vel. \u00c0s vezes, mal conseguimos pedir ajuda emocional. O ato de pedir, seja qual ajuda for, ainda \u00e9 visto como algo humilhante. Quando essas barreiras de medo e desconforto ca\u00edrem, a rela\u00e7\u00e3o entre arte e p\u00fablico vai mudar drasticamente. N\u00e3o s\u00f3 isso: a rela\u00e7\u00e3o entre seres humanos mudar\u00e1.\u201d<\/p>\n

Por telefone, de Nova York, onde estava de passagem, Amanda Palmer conversou com a Intr\u00ednseca.<\/p>\n

Intr\u00ednseca: Primeiro, parab\u00e9ns pela gravidez. Est\u00e1 nervosa?
\n<\/strong>Amanda Palmer: Obrigada! Eu vivo cansada, mas acho que isso \u00e9 normal (risos). Tamb\u00e9m percebo que estou nervosa e assustada, mas esse tipo de sentimento n\u00e3o \u00e9 novidade para mim. Afinal, j\u00e1 passei por muita coisa. Talvez o que mais me incomode agora seja a luta para dividir meu tempo entre ser artista, m\u00e3e e esposa.<\/p>\n

I: A troca de energia entre voc\u00ea e os f\u00e3s parece ser vital para o seu trabalho. Por\u00e9m, alguns cr\u00edticos costumam dizer que \u00e9 necess\u00e1rio haver um espa\u00e7o entre artista e p\u00fablico. O que voc\u00ea acha disso?
\n<\/strong>AP: Eu n\u00e3o consigo pensar assim, pois n\u00e3o tra\u00e7o linhas divis\u00f3rias entre a minha vida e a minha arte. Para mim, tudo est\u00e1 interligado. Conhe\u00e7o pessoas como eu, tatuadores que se pintam dos p\u00e9s \u00e0 cabe\u00e7a, artistas que dedicam meses a uma performance de longa dura\u00e7\u00e3o. Esses s\u00e3o os que vivem a arte ao extremo, mas nem todos conseguem ser assim \u2014 o que \u00e9 normal! N\u00e3o se trata de uma hierarquia, de quem \u00e9 \u201cmais artista\u201d ou \u201cmenos artista\u201d. Na minha opini\u00e3o, a beleza da arte \u00e9 que o artista e o p\u00fablico est\u00e3o por tr\u00e1s desse tipo de decis\u00e3o. Ainda mais hoje, nesta era superconectada, cada um escolhe como liberar sua arte e se comunicar com o p\u00fablico. E o p\u00fablico tamb\u00e9m pode escolher como se conectar com o artista, como ajud\u00e1-lo. \u00c9 um processo bastante democr\u00e1tico, n\u00e3o? (Risos.) A dan\u00e7a entre arte e realidade acontece em uma linha t\u00eanue. H\u00e1 muito mais arte em sua vida do que voc\u00ea imagina. E tamb\u00e9m h\u00e1 muita realidade na arte. Os maiores artistas s\u00e3o aqueles capazes de nos chocar, de nos tirar de nossas zonas de conforto e nos fazer lembrar que a beleza existe. Arte \u00e9 uma manifesta\u00e7\u00e3o da vida. \u00c9 a cria\u00e7\u00e3o de algo que n\u00e3o existia antes. Eu n\u00e3o poderia fazer nada disso se n\u00e3o tivesse o apoio e o contato do meu p\u00fablico.<\/p>\n

\"ShervinLainez_AFP-GTO_we<\/a><\/p>\n

I: Voc\u00ea n\u00e3o segue tend\u00eancias, n\u00e3o se preocupa em ser cool e popular, escreve letras emotivas e honestas. O mesmo pode ser percebido no seu livro \u2014 \u00e9 como se sempre seguisse a sua intui\u00e7\u00e3o. Pode nos contar um pouco mais sobre o seu processo de escrita?
\n<\/strong>AP: Essa \u00e9 uma quest\u00e3o interessante. Cresci ouvindo todos os tipos de m\u00fasica. Pense em Beatles, Beach Boys, ABBA, Madonna, entre outros. Percebi logo cedo que as m\u00fasicas extremamente po\u00e9ticas e honestas me instigavam, me faziam pensar em possibilidades. Lembro de ouvir as can\u00e7\u00f5es da Tori Amos e me questionar: \u201cEla acabou de dizer isso? Isso \u00e9 mesmo poss\u00edvel? \u00c9 permitido ser assim, honesta e vulner\u00e1vel?\u201d (Risos.) Esse tipo de reflex\u00e3o me desafiou bastante, demorei um tempo para me permitir ser honesta. Sabe, n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil expor algumas feridas para o p\u00fablico. N\u00e3o importa que tipo de artista voc\u00ea \u00e9 e que tipo de arte faz, voc\u00ea paga um pre\u00e7o alto quando escolhe ser honesto. Tentar encaixar a sua arte nas tend\u00eancias atuais n\u00e3o vai te levar muito longe. Enquanto isso, a honestidade ajuda a construir algo duradouro. Quando voc\u00ea revela medos, problemas e coisas que o envergonham, isso se reflete no p\u00fablico. E quando algu\u00e9m se identifica com essa dor, acredite, voc\u00ea tem um f\u00e3 pela vida inteira (risos). Ent\u00e3o, eu tamb\u00e9m decidi ser honesta no livro. Acho que a boa arte \u00e9 capaz de atingir o cora\u00e7\u00e3o das pessoas. Se consigo ou n\u00e3o fazer isso, n\u00e3o sei.<\/p>\n

I: Recentemente, voc\u00ea defendeu em seu perfil no Facebook que n\u00e3o acredita em \u201cfeminismo ruim\u201d. Voc\u00ea poderia explicar melhor essa opini\u00e3o?
\n<\/strong>AP: Infelizmente, sinto que as mulheres est\u00e3o sempre julgando umas \u00e0s outras. O mesmo tipo de comportamento pode ser observado no feminismo. Quando voc\u00ea cria regras espec\u00edficas, acaba afastando as pessoas. Acredito que cada um tem que viver de acordo com as pr\u00f3prias vontades. Em um contexto global, as nossas decis\u00f5es s\u00e3o muito diferentes. N\u00e3o acho legal quando algu\u00e9m me diz como devo gastar meu dinheiro, o que devo vestir e se devo ou n\u00e3o fazer cirurgia pl\u00e1stica. Essas e outras decis\u00f5es cabem a mim e a mais ningu\u00e9m. E o que percebo \u00e9 que essas regras autorit\u00e1rias geralmente acompanham a bandeira do feminismo. Para mim, o feminismo de verdade est\u00e1 na liberdade de escolha. N\u00e3o devemos nos culpar por nossas decis\u00f5es, por isso volto a repetir: n\u00e3o h\u00e1 feminismo ruim, ponto! Se voc\u00ea quer ser m\u00e3e solteira, viver nas ruas, n\u00e3o ter uma carreira, v\u00e1 em frente. Essa escolha \u00e9 sua! A melhor forma de redefinir o feminismo \u00e9 deixar as mulheres se definirem.<\/p>\n

\"AFP.indy182\"<\/p>\n

I: Al\u00e9m de cantora, escritora, futura m\u00e3e, voc\u00ea tamb\u00e9m \u00e9 casada com o Neil Gaiman. Como ele influencia o seu trabalho?
\n<\/strong>AP: Na maior parte do tempo, a influ\u00eancia do Neil \u00e9 indireta. N\u00f3s dois nos influenciamos muito apenas por estar um ao lado do outro. Existe tamb\u00e9m uma influ\u00eancia mais concreta, na qual criticamos e editamos o trabalho um do outro. \u00c9 mais como um desafio constante. Neil me desafia a n\u00e3o cair na mesmice, me incentiva, diz que n\u00e3o posso ficar pregui\u00e7osa. Acho que uma das coisas mais bonitas da nossa rela\u00e7\u00e3o \u00e9 que lutamos para n\u00e3o desapontarmos um ao outro. Essa f\u00f3rmula, de sempre querer surpreender o outro, tamb\u00e9m est\u00e1 presente em uma boa base de f\u00e3s e em uma grande amizade. \u00c9 extremamente importante ter um p\u00fablico, mesmo que pequeno. Pode ser sua m\u00e3e, marido, amigos ou f\u00e3s, n\u00e3o importa \u2014 voc\u00ea precisa de algu\u00e9m para te dizer a verdade, sem enrola\u00e7\u00e3o. Quem gosta de voc\u00ea n\u00e3o vai te enganar. Os maiores cr\u00edticos s\u00e3o sempre as pessoas mais pr\u00f3ximas. Ent\u00e3o, posso dizer que me sinto grata por ter esse tipo de conex\u00e3o e troca com o Neil. Ele tamb\u00e9m me apresenta para amigos e pessoas que me ajudam a pensar de forma diferente. No come\u00e7o da nossa rela\u00e7\u00e3o, ele me deu um livro da Kathy Acker, uma de suas escritoras favoritas. O trabalho dela mudou totalmente a minha forma de pensar sobre escrita, me inspirou a ser uma pessoa mais forte. N\u00e3o sei se respondi muito bem a sua pergunta, mas \u00e9 essa a nossa rela\u00e7\u00e3o (risos). Acima de tudo, nos influenciamos atrav\u00e9s do conv\u00edvio di\u00e1rio, atrav\u00e9s da arte que compartilhamos.<\/p>\n

I: Voc\u00ea trabalha com diversas m\u00eddias e plataformas e parece sempre pronta para abra\u00e7ar novas tecnologias. Como pessoa e artista, do que voc\u00ea mais sente falta do per\u00edodo anterior \u00e0 era da internet?
\n<\/strong>AP: Agora que estou prestes a ter um filho, esse \u00e9 outro t\u00f3pico interessante. Eu me pego pensando no futuro, em como as crian\u00e7as de hoje ter\u00e3o dificuldades em entender um mundo pr\u00e9-smartphone, Google e redes sociais. Ao mesmo tempo que entendo que as coisas eram mais simples e puras antes da internet, aceito os avan\u00e7os da tecnologia. Senti na pele os benef\u00edcios da internet, que considero uma ferramenta de conex\u00e3o incr\u00edvel. Arrecadei dinheiro atrav\u00e9s dela e \u00e9 por meio da rede que mantenho contato direto com f\u00e3s do mundo inteiro. Antes, esse tipo de comunica\u00e7\u00e3o seria imposs\u00edvel. S\u00f3 que nem tudo \u00e9 um mar de rosas. Assim como qualquer inven\u00e7\u00e3o, a internet tamb\u00e9m apresenta um lado muito perigoso. Acho que vou poder dar uma resposta melhor ap\u00f3s o fim da gravidez. Vou aprender muito sobre a internet com meu filho, n\u00e3o tenho d\u00favida disso. \u00c9 preciso abra\u00e7ar a mudan\u00e7a; n\u00e3o quero me transformar em uma pessoa amarga. S\u00f3 que, ao mesmo tempo, n\u00e3o serei o tipo de m\u00e3e que deixa o filho pequeno mexendo num tablet<\/em> o dia inteiro (risos).<\/p>\n

I: Para os artistas que est\u00e3o come\u00e7ando qual conselho voc\u00ea daria?
\n<\/strong>AP: \u00c9 um pouco clich\u00ea o que vou dizer, mas algo parecido me foi dito no passado e funcionou. Eu diria que \u00e9 importante prestar aten\u00e7\u00e3o na rea\u00e7\u00e3o das pessoas. N\u00e3o importa o que seja, se a sua arte provocar e deixar as pessoas irritadas, incomodadas, acredite: voc\u00ea provavelmente est\u00e1 no caminho certo (risos). Se as pessoas n\u00e3o reagem, n\u00e3o pensam, n\u00e3o discutem o que voc\u00ea est\u00e1 fazendo, ent\u00e3o \u00e9 melhor rever os conceitos. \u00c9 preciso se arriscar para seguir em frente.<\/p>\n