A ironia de chorar por não amar alguém, quando se passou o resto da vida chorando por alguém não amar você.

Conheço dezenas de histórias sobre pessoas que se apaixonaram gradativamente e que tiveram seus mundos e seus corpos tomados, célula por célula, através do pouso de um amor tão delicado que nem se percebia a chegada. E que no final, só dava para perceber o estrago quando se era coberto por um fim, pois quando um amor chega de forma tão derradeira e delicada é quase impossível diferenciar o que havia antes dele, você só entende que se perdeu.
Comigo não foi assim, não teve nada de delicado. No primeiro dia de aula do meu ultimo ano na escola, beirou a violência a forma a qual ele atravessou a porta e nossos olhares se encontraram, naquele primeiro segundo de contato senti fogo queimar meus muros e derruba-los, me deixando a mercê do desconhecido e no segundo seguinte percebi que o fogo havia sido iniciado pelo meu próprio desejo que havia me traído e me deixado a mercê.
E foi como se eu fosse uma ilha e ele a tripulação de um navio, era como se ao me detectar ele tivesse pensado “Terra a vista”, pois no tempo seguinte, ele já havia se apropriado da minha carne e se abrigado nos meus braços como se fosse uma morada a qual mais tarde percebi que sentia prazer ao ser chão e teto. Ele desmatou minha inseguranças, regou cada flor da minha pele e se banhou nos rios de lagrimas que escondia mais a fundo da minha carne.
E pior que a forma gradativa a qual muitos amores se acontecem e fazem nos perdermos, dentro dessa violência a qual fui tomado ainda se mantinha intacta a consciência do antes daquilo e aquele antes era exatamente como um antes e depois daqueles programas de beleza que passam na televisão. Pela primeira vez que me lembro, eu tive gosto pelo presente e não me preocupei com o futuro, pois já era um paraíso quando ele me tomava e sentia ânsia em desbravar até cada cafundó e confim do meu mundo, e quando eu me mantinha imerso dentro de tudo o que ele era e fazia mais que o possível para decifrar cada linha e cada traço de tudo que nele tinha, tanto na parte física quanto na parte poética.
Mas a violência cessou, e foi ai que a delicadeza se fez presente. Gradativamente, cada traço e linha física ou poética parecia já ter sido decorada. Seus pés cansaram de tanto percorrer por cada cafundó e confim do meu mundo e agora era trabalhoso demais percorrer até qualquer outro com seus pés domados por calos e feridas.
Do meu corpo tomado, célula a célula se desprenderam desejando outros ventos e outras histórias. Nossos momentos de paraíso, um a um foi tomado por fogo, o mesmo fogo que meu desejos acenderam para queimar meus muros para que ele pudesse me invadir foi o mesmo fogo que meus desejos acenderam sobre tudo o que ele significava na minha vida, e no pulo de um momento para o outro, meus desejos apenas queriam que tudo aquilo virasse cinzas para que pudéssemos ir atrás de outras coisas que poderiam incitar o fogo que mais uma vez daria inicio e fim a outros viveres.
Já estava estampado no meu ser, a memória de chorar por não me amarem, era uma tristeza conhecida que sabia que não era só minha. Mas quando me deparei ao chorar por não amar alguém, me perdi porque nunca vi nada igual. Ele sabe que o amei um dia, mas não sei se ele sabe que lutei para não deixar de amar e que chorei quando percebi que já não o amava de jeito nenhum. Mesmo que no final da vida ele não tenha sido o que mais amei, será sempre o que mais tentei amar e o pelo qual mais chorei por não conseguir amar. Será sempre meu maior fracasso, mesmo que não tenha sido meu maior amor.