E assim um poeta (r)existe!

O que eu vou contar tem páginas nas entrelinhas desse pequeno texto que dá para escrever um livro.

Não dê ré nessa maré é um poema que tem história, como todos têm, mas a desse selecionado para a antologia, possui um valor imensurável para mim. Há pouco tempo, vivi algo — não convém propagar — que junto de tantos outros acontecimentos, ainda hoje me torna refém de medos, insegurança, refém da vida de quem experimentou ser descartável em vários momentos desses meus 28 anos de idade. Foi em novembro de 2009 que me assumi gay, e desde então as coisas mudaram. A palavra inútil criou raiz em mim. Fui inútil para muitos. Ainda sou. Fui aquele que desistiu de tantas coisas. Que adiou sonhos — cursar Letras, por exemplo. Abandonou o curso de História da UFF. Aquele que nas suas escolhas parecia nunca andar para frente. Que terminou um relacionamento de 7 anos — olha que louco. Porém descobriu que todo novo amor é sempre uma primeira paixão.

Tudo na minha vida estava caminhando assim: pessoa sem escolha, ouvi muito disso. Mas desistir também é uma, revido. A inutilidade tomou conta de tudo o que sou hoje, e venho tentando ressignificar seu conceito. Ter este poema publicado me prova isso: na inutilidade enxergada por umas pessoas, há utilidade para quem percebe além. E se é desperdício amar outro homem, é útil para mim — não posso perder a chance de fazer a analogia. Foi o amor de outro homem por quem eu sou que me mostrou a utilidade do meu ser.

Escrevi o poema num momento conturbado. Se não fosse a escrita para externar, talvez eu não teria suportado todo o ocorrido. Foram dias de muitos poemas. A escrita tem esse valor em mim. Conhecer o Luiz Augusto, com quem mantenho um relacionamento atual, me fez perceber valores que eu tinha, mas desmerecia ao mesmo tempo em que necessitava deles. Ou melhor: eu era eles. Conhecê-lo também se valorizou e me valorizou. Acabei sendo, por bastante tempo, abusivo na minha relação com o poeta e escritor que sou, mas o Augusto, hoje, escreve comigo um outro final para essa história. Final que ainda não tem fim, se é que me entendem. E se tiver, um dia, saberei que não foi inutilidade minha. Tenho aprendido isso com ele.

Escrevi este poema, porque precisava falar. Viver é uma obsessão nossa, como Angélica Freitas, autora de Um punho é do tamanho de um útero, disse numa entrevista: “escrever é tentar dar conta da vida”. Eu tentei dar conta da minha, dar conta de medos quais me faltaram coragem para desabafar com a minha mãe, quem me é confidente. Vergonha? Não sei. Quero até lhe pedir desculpas, por não ter contado antes o que antecedeu a minha vinda para o Espírito Santo. Se ela tivesse sabido, talvez hoje eu não estaria aqui, não teria me mudado de São Fidélis para Vila Velha. E feito o que nunca fiz: arriscar-me. Foi em 03 de junho de 2017 que tudo começou, o dia em que entrei num carro com um desconhecido com toda minha mudança — quase toda —, respirei fundo e me arrisquei. Eu tinha duas mãos e um coração do outro lado, esperando minha chegada, como tinha as da minha mãe onde eu residia assim como seu coração, porém o outro me trazia a promessa de que eu respiraria mais leve. Não foi somente pela vontade de respirar assim que eu vim, mas se amor conta como isso, então, vim por esse motivo. Saí de um Estado para conhecer outro — literalmente e também falando como condição emocional. Não foi por falta de confiança na minha mãe, que ocultei dela o que se passava comigo. Ela não sabia, teve suas preocupações. É mãe. Mas, felizmente, sem poder contar-lhe e com todas as dúvidas dela sobre a escolha feita por mim — na pretensão, apenas, de proteger o filho, de querer-me feliz —, eu tive alguém para me ajudar:

Tive de verdade amor. Tenho, aliás. E acreditem, é um amor entre dois homens.

Parece surreal duas pessoas do mesmo gênero se amarem, não é mesmo? Parece conto de fadas de muito mau gosto. Parece romance clichê.

Só que é vida.

Dessa vez não precisei dar conta de tudo sozinho, como havia fazendo por alguns anos. Eu sempre sorria, ninguém nunca sabia de nada que me acontecia. Do reboliço que minha cabeça fazia com o meu coração, e vice-versa. Sou o tipo de pessoa que vai fazer piada, sempre, com as coisas que me perturbam; vão me ver sorrindo com muita frequência, mas quando eu sento para escrever, é um momento de me permitir ser feliz ou triste, mas me permito sem máscara.

Não dê ré nessa maré, se não me engano, foi o primeiro poema escrito para o Augusto. É, na verdade, um “eu te amo” sufocado, de quem acabou de chegar à praia depois de um naufrágio e longas-cansativas braçadas, e ainda se sentiu inseguro com a areia. Eu disse nuns versos de outro texto, que pessoas falariam sobre não termos uma história para iniciar um namoro, mas afirmei: temos uma horta. E a nossa horta está crescendo. O poema publicado na antologia Coletivo D’versos com certeza é um tempero que iremos colher para preparar muitos pratos. Tempero para receita de muitos outros amores. Amores que não precisam ser de homem para bicha, esse é o gostinho especial. Eu espero que seja, para outras pessoas, tão bom quanto nos é. Demorou, mas a estação da colheita chegou. E dessa vez não falhei no cultivo, porque não estou sozinho para colher. Sabem? É amor. Não há diferença. É A-M-O-R. Não igual, porém semelhante ao que você, mulher, sente pelo seu marido ou namorado; ao que você, homem, sente pela sua esposa ou namorada.

A diversidade só está na minha vivência, porque para afirmar que isso é amor, eu preciso escrever um manifesto ao invés de uma simples carta com coraçõezinhos. Pode não me atingir quando pessoas falam que não posso amar outro homem, mas eu sei quantos deixam de ser amados por causa disso. Quantos aceitam migalhas, até. É pedir demais poder amar? Não entendo. O MUNDO É TÃO EGOÍSTA ASSIM? Sinceramente, eu gostaria de não ter conhecido nenhuma dessas respostas. Foi difícil — e não foi mérito —, mas com elas tive, não sei, a sorte de não ter adoecido. Será que posso usar essa palavra: sorte? É tão vaga para tudo que vivi. Enfim, a sociedade já não sei se teve o mesmo, pois tem cortado os pulsos todos os dias quando um homem beija outro homem.

Eu pensei em fazer o mundo me ler, hoje, mas acabei de entender que se o Augusto estiver disposto a isso, como sei que ele está, e me deixar deitar em seu peito, como sempre deixa, já basta. Basta para nascer um poema, como uma vez nasceu o poeta.

O poeta que lhe disse:

[…] há uma casa,

no fim da estrada.

sem lareira;

mas há casa […]