Antítese

Eu: quieto. Mais de três pessoas para mim já é multidão. O melhor lugar do mundo é minha casa, o refúgio de minha biblioteca, livros espalhados pelo chão numa desordem que eu amo. Se sou obrigado a comparecer numa festa, fico pelos cantos, respondendo por monossílabos a quem me dirige a palavra, olhando para a porta da saída como quem observa os portões do paraíso. Vivo com a cara enfiada em um livro ou carregando toneladas deles e sem um exemplar na mão, sinto-me como se estivesse nu. Nos sebos, sou praticamente recebido com tapete vermelho.
Ela: irrequieta. Multidão era sua praia. O melhor lugar do mundo não era a casa, mas a porta da rua, as festas badaladas, os shows lotados, a azaração nos bares da moda. Bocejava só de ler o título de um livro e suas parcas leituras resumiam-se às revistas de fofocas sobre celebridades, com muitas fotos e quase nenhum texto. Capaz de varar a noite numa balada e ainda encontrar fôlego para uma praia na manhã seguinte.
Nos conhecemos na festa de lançamento do livro de um amigo em comum.
Eu, pretendia pegar meu exemplar autografado e dar o fora.
Ela só entrou na fila de autógrafos por que todo mundo fazia isso. Seu verdadeiro interesse era a festa que haveria em seguida.
Fomos apresentados pelo amigo escritor.
Eu, que pretendia sair logo, acabei ficando a noite toda, encantado por aquela moça tão bonita e tão expansiva.
Ela, que viera ali por todos os motivos menos pelo livro, descobriu-se enlevada pelas minhas palavras, pensando, sem tédio: “Que rapaz culto!” Mais tarde, confessou que prometeu a si mesma que dali em diante ia ler mais livros. Pelo menos as primeiras vinte e as dez últimas páginas, para poder comentar depois comigo.
Eu – quem diria – sabia conversar!
Ela – como sempre – falando pelos cotovelos. Mas agora com conteúdo.
Trocamos telefones.Nos adicionamos no Facebook. Começamos a sair e menos de um mês depois estávamos morando juntos.
Não fomos felizes todos os dias como nas histórias românticas: elas não mencionam as dificuldades financeiras. O ciúme patético. O mau humor masculino. Os três dias de megera que toda mulher tem a cada mês.
Mas provamos que às vezes os opostos se atraem.