Centro do Espelho

Em meados de maio, numa noite entediante qualquer, estava eu completamente dominada por uma enorme ansiedade, tal qual havia removido todo o meu interesse pelo presente e me transportava para um futuro onde tudo daria errado. Eu estava passando por tudo isso ao mesmo tempo que tinha de me fazer aceitável socialmente, afinal, estava iniciando a minha segunda graduação e não queria passar por ela sozinha. Esse era o contexto do momento no qual pela primeira vez na vida, verdadeiramente, enamorava-me de um ser humano.

Naquela noite, durante a aula de Direito Romano, enquanto tentava abafar meus sentimentos ansiosos e levemente depressivos, a fim de entender o que a professora tentava lecionar, por um momento, sem qualquer motivo, olhei para minha esquerda e me deparei com a visão de inúmeras pessoas que eu não conhecia e não me interessava conhecer por ora. Entretanto, no meio daquele mar de gente, uma pessoa paralisou o meu tempo, a minha ansiedade e a minha depressão, causando-me espanto e surpresa. Essa pessoa invadiu o centro do espelho e me trouxe alívio, pois ela conseguiu me afastar de mim mesma, mesmo por um instante.

Então, ao longo daquele ano no qual eu o avistei, consegui algumas informações, sem utilidade prática, mas que configuravam algumas coincidências curiosas: ele era irmão de um colega de turma (por isso vivia na minha sala), percebi que foi a primeira pessoa do universo da minha nova graduação a entrar em contato (assim que o resultado do vestibular foi publicado, ele me adicionou no facebook dizendo que era o meu veterano padrinho) e que havia passado em 17o lugar no seu vestibular (assim como eu também passei no meu).

No final daquele ano, tomada por um impulso originado por uma euforia nada natural, iniciei com ele uma conversa pelo messanger do facebook. O resultado desse primeiro contato não foi muito promissor…

No segundo ano no qual permanecia enamorada, nada aconteceu. Todas as minhas parcas energias foram utilizadas para lidar com a depressão, a apatia e o cotidiano. Mas, sabia que continuava enamorada porque, nas poucas vezes que o via, pelo menos por alguns segundos, a vida tornava a ser colorida.

No início do terceiro ano em que aquela situação se prolongava, Benjamin entrou na minha aula (coisa que não fazia há mais de um ano), sentou e permaneceu até o seu findo. Meu coração disparou com tamanha intensidade que, ao dissipar um pouco o meu estado de torpor, fez com que me lembrasse que ainda estava viva.

Entendendo que isso não poderia mais se sustentar, pelo menos não mais no mundo das ideias, duas semanas mais tarde, em uma segunda-feira, eu declarei os meus sentimentos, pessoalmente, no primeiro patamar da escadaria de concreto que dava acesso direto a minha sala de aula… Não deu em nada, ele já tinha alguém. Todavia, tornando a rejeição algo concreto, finalmente, pude iniciar o processo de desenamorar.

Francamente, não sei o motivo de ter me sentido assim em relação a ele. Quando o vi pela primeira vez, lembro-me de que Ben estava despenteado, expressava em seu semblante tédio e aborrecimento, estava sentado sem postura alguma e me pareceu magricela por demais… O que eu quero dizer é que não preenchia aos meus requisitos de maneira alguma!

Porém, mesmo que não tenha me levado a lugar concreto algum, eu agradeço por esse sentimento, já que senti-lo, de alguma forma, amenizava os danos provocados pelo inferno interior que eu vivia na época.