Piromania

Quando eu o vi pela segunda vez, não lembrei do seu rosto de imediato. É engraçado, porque achamos que quando nos apaixonamos de primeira vista, a imagem ficará lá pra sempre. Mas não. Tudo que eu me lembrava era de seu toque nas minhas costas, no meu cabelo. O gosto de cereja e cigarro. O suor e as gotas de chuva no primeiro beijo. As luzes e as músicas da festa transformaram todo o ambiente em outra dimensão.

Quando ele me viu pela segunda vez, lembrou-se de mim, no entanto. Ao me tocar, meu corpo fluoresceu, as sinapses me indicaram que tudo que eu conhecia estaria prestes a mudar, e, por um microssegundo, o mundo girou em câmera lenta.

Quando conversamos, ele me disse que era piromaníaco. Que acendia fósforos o dia inteiro, e só os apagava antes de se queimar. Gostava do calor e do risco. Gostava do cheiro de gasolina, de cenas de explosão em filmes toscos e de acender fogueiras em dias frios. Gostava de ver coisas derreter. Ficaria feliz em saber que naquele momento acendia novas coisas em mim, e derretia todo o meu corpo com o modo com que falava.

Lembro-me que acendi um fósforo entre mim e ele. Seus lábios reluziram, semiabertos e suas pupilas se dilataram, transformando a íris verde em uma serpente de chamas que perseguia a própria cauda. Suspiramos juntos e o fósforo se apagou. E aí nos beijamos pela segunda vez.

Quando eu fui embora da cidade, não o avisei. Gostaria de manter o fogo aceso dentro de mim, sem medo de me queimar. Sei que ele me procurou, eu sei.

Agora, todas as noites acendo uma vela, e observo a chama até que eu caia no sono. Sonho com olhos verdes e serpentes de fogo.

Agora, tudo que me resta é o toque e seu rosto. E por isso escrevo uma história sobre ele. Sobre nós. Quando acabá-la, vou imprimir. E vou queimá-la. Toda. Fazer fogueira com o que me fez entrar em combustão.