*Por André Aciman
A carta que recebi há dez anos não tinha assinatura nem remetente. Obviamente o autor não esperava, muito menos queria, uma resposta. Uma mensagem em uma garrafa, de ninguém para ninguém, a tal carta se mantém como uma forma de comunicação bastante excêntrica. Não pede por nada além de ser lida, não promete nada além de compartilhar alguns fatos e sentimentos e, como provavelmente foi escrita às pressas em uma folha amarela que parece ter sido arrancada de um bloco de anotações, o autor não ficaria surpreso se, depois de passar os olhos pela página, o destinatário decidisse amassá-la e jogá-la na lata de lixo mais próxima.
Em vez disso, guardei a carta. Está comigo há dez anos.
O que me comoveu não foi apenas seu pragmatismo sóbrio ou o quê de mágoa subestimada, mas as associações que a leitura provocou em minha mente. O que está escrito nela me fez lembrar daquelas mensagens curtas deixadas para entes queridos, deixadas por pessoas prestes a serem enviadas a campos de extermínio e que sabiam que nunca mais se ouviria falar delas. Há um imediatismo inquietante nesses bilhetes rabiscados às pressas que dizem tudo que há para dizer com o menor número de palavras possível — não havia tempo para mais, sem palavras de devoção, sem demonstrações de angústia, sem abraços e beijos carinhosos antes do fim trágico. Também me fez pensar nas mensagens de voz emocionantes deixadas por aqueles que perceberam que não sairiam vivos das Torres Gêmeas, e que sua última ligação seria atendida pela secretária eletrônica da família.
Reencontre os personagens de Me chame pelo seu nome em Me encontre
A carta tem uma página. Uma página é suficiente. A caligrafia é irregular, talvez porque o autor tivesse perdido o hábito de escrever à mão e preferisse o teclado. Mas a gramática é perfeita. O homem sabia o que estava fazendo. Imagino que tenha escrito a carta à mão porque não queria vestígios dela em seu computador, ou porque sabia que jamais enviaria por e-mail para não correr o risco de ser respondido. Pensando bem, provavelmente não importava se a carta chegaria de fato à destinatária, uma jornalista da área da baía de São Francisco que havia mencionado meu romance sobre dois jovens que se apaixonam durante um verão na Itália em meados da década de 1980. A jornalista acabou remetendo a carta para mim, à exceção do envelope com o carimbo postal. Não demorei a perceber que tudo o que o autor da carta queria era uma chance de deixar escapar as palavras que não ousaria sussurrar em outro lugar.
Meu livro ecoou nele. A carta dele ecoou em mim.
Então, aqui está: datada de 26 de abril de 2008.
Esbarrei com o livro do Sr. Aciman durante uma viagem de negócios outra vez na Costa Leste. Não é o tipo de livro que posso ler normalmente, então comprei um exemplar para o voo de volta. Acho que estou feliz por ter feito isso.
Sabe, eu fui Elio. Eu tinha 18 e meu Oliver tinha 22. Embora a época e o local tenham sido outros, os sentimentos eram surpreendentemente os mesmos. Da crença de que você é a única pessoa que tem esses sentimentos, àquilo de “ele me ama — ele não me ama”, o Sr. Aciman acertou em cheio. Fiquei especialmente impressionado com a atenção que ele deu à manhã seguinte ao primeiro encontro entre Elio e Oliver. A culpa, a repulsa, o medo. Mexeu demais comigo. Precisei parar a leitura por um tempo.
Mas acabei conseguindo terminar o livro antes de pousar de volta em São Francisco. O que foi bom, porque eu não poderia levá-lo para casa. Ao contrário de Elio, eu é que era casado e tinha filhos. Meu Oliver morreu em decorrência da aids em 1995. Continuo vivendo uma vida paralela. Meu nome não é importante. O nome dele era Dwight.
“Meu nome não é importante”, escreve ele, quase como um pedido de desculpas por permanecer anônimo; mas o autor dá várias dicas sobre si mesmo — dicas que ele provavelmente sabe que vão atiçar a curiosidade de seu leitor. Para início de conversa, o que fez com que escrevesse a carta? O que ele esperava conseguir com isso? Escrever ajudou? A carta em si nos permite saber que ele viaja a negócios. Também percebemos que ele provavelmente vive na área da baía de São Francisco e que viaja com certa frequência para a Costa Leste, pois, segundo escreve, ele estava indo “outra vez” para a Costa Leste. E sabemos mais uma coisa: que ele simplesmente precisava contar a alguém que um homem chamado Dwight foi sua paixão quando os dois eram jovens.
O restante é uma nuvem. Nunca saberemos mais que isso. A escrita serviu seu propósito.
Escrevemos, pelo que parece, para nos conectarmos com os outros. Se conhecemos ou não esses outros, não importa. O ato de escrever serve para colocar no mundo real algo que nos é extremamente íntimo, para tornar realidade algo que com frequência nos parece irreal e indescritível a nosso respeito. Escrevemos para dar forma ao que do contrário permaneceria amorfo. Isso é tão verdadeiro para autores quanto para aqueles que querem se corresponder com eles.
Ao longo dos anos, muitos me escreveram depois de ter lido ou assistido a Me chame pelo seu nome. Alguns tentaram me conhecer; outros confidenciaram coisas que nunca tinham contado a ninguém; e alguns até deram um jeito de ligar para o meu escritório e, ao falar sobre o romance, acabavam se desculpando antes de cair no choro. Alguns eram presidiários; alguns mal tinham entrado na adolescência, outros tinham idade suficiente para olhar para trás, para amores de sete décadas antes; e alguns eram padres fechados em silêncio e segredo. Muitos ainda estavam no armário, outros totalmente assumidos; alguns eram viúvos que sentiam a esperança ressurgir ao ler sobre os amores de dois jovens chamados Elio e Oliver na Itália; algumas eram garotas muito jovens ansiosas por conhecer o tão esperado Oliver; e alguns rememoravam antigos amores gays com quem esbarraram depois de anos, mas que jamais reconheceriam o que um dia compartilharam quando eram colegas e nenhum dos dois era casado. Todos profundamente conscientes de que viviam uma vida paralela. Nessa vida paralela as coisas são como talvez devessem ser. Elio e Oliver ainda vivem juntos. E ninguém tem segredos.
Ao contrário do homem apaixonado por Dwight, todos aqueles que me escreveram não esconderam seus nomes, mas todos, em algum momento, esconderam algo essencial. Esconderam de si mesmos, de um parente, de um amigo, um colega de sala ou de trabalho, ou de um ser amado que jamais imaginaria os anseios turbulentos que fervilhavam por trás do olhar que se desviava sempre que seus caminhos se cruzavam.
Alguns leitores escreveram para me dizer que sentiam que meu romance tinha mudado algo neles e oferecido novas compreensões de si mesmos; alguns sentiram que o romance os impulsionou a finalmente virar a página em suas vidas. Mas alguns não conseguiram ir tão longe e, apesar de terem domínio perfeito da linguagem, confessaram que lhes faltavam palavras para explicar por que o livro mexeu tanto com eles ou por que sentiram uma ânsia não resolvida por coisas que nunca haviam considerado ou desejado antes. Estavam experimentando um fluxo de emoções e de possibilidades incompreensíveis que imploravam por reconhecimento. Possibilidades que pareciam mais reais que a própria vida, uma percepção até então desconhecida de si mesmos acenando da margem oposta e cuja possível perda era fonte de mágoa inconsolável. Por isso as lágrimas, arrependimentos e a sensação avassaladora de estarem perdidos na própria vida.
E, no entanto, diziam, suas lágrimas não eram de tristeza. Eram de reconhecimento, como se o romance fosse um espelho no qual o leitor pudesse observar as próprias emoções expostas diante de si. Essas respostas me fizeram perceber que Me chame pelo seu nome não ilumina aspectos que os leitores já não saibam, nem traz novas verdades ou revelações; tudo o que ele faz é lançar uma nova luz sobre coisas que eram familiares havia muito tempo, mas que eles nunca chegaram a considerar. Seria tentador dizer que com meu livro eles são lembrados de um primeiro amor esquecido; mas a verdade é que todos os amores, mesmo aqueles que acontecem mais tarde na vida, são primeiros amores. Sempre há medo, vergonha, relutância e certa dose de rancor. Desejo é agonia.
Todos aqueles que leram Me chame pelo seu nome entendem não apenas a luta para falar e esconder a verdade, mas também a vergonha que surge sempre que queremos algo de alguém. O desejo é sempre cauteloso, sempre reservado — contamos a todos que conhecemos sobre a pessoa que desejamos ter nua em nossos braços, mas a última a saber será o objeto do desejo. Para o homossexual, esse sentimento é ainda mais cauteloso e vigilante, principalmente quando a sexualidade ainda é uma descoberta. O constrangimento e o desejo são dois companheiros estranhos quando se é jovem, mas a vergonha e a inexperiência são tão paralisantes quanto o medo quando assistimos a sua luta contra o impulso da ousadia. A presença do mais bruto tesão divide a pessoa entre a vontade de esquecer determinadas cenas assim que acordar e rezar para sonhar com elas outra vez, e mais outra e mais outra — se os sonhos são tudo o que você vai ter. O silêncio e a solidão cobram um preço que nos destrói emocionalmente. Em algum momento, precisamos falar.
Então “é melhor falar ou morrer?”, pergunta Elio, o narrador de Me chame pelo seu nome, citando palavras escritas no século XVI por Margarida de Navarra em sua coleção de contos conhecida como Heptamerão. Margarida era irmã do rei Francisco I e avó de Henrique IV; ele, avô de Luís XIV, tinha, portanto, muita familiaridade com as intrigas e fofocas da corte e com os riscos de se abrir para alguém que talvez não aceite o que está em nosso coração e pode muito bem nos fazer pagar por isso. Nem todos que me escreveram ousaram abrir o coração para aqueles que amavam. Alguns buscaram o silêncio — gotas lentas e persistentes de desespero tomadas todas as noites antes de dormir até que perceberam que estavam mortos e nem sabiam. Muitos me escreveram com a sensação de ter perdido a chance quando o objeto de desejo amarrou o barco a remo em seu cais e simplesmente pediu que pulassem. “Uma frase ou pensamento em quase todas as páginas”, escreveu um leitor, “provoca lágrimas e reforça o nó em minha garganta e em meu peito. Meus olhos se enchem de lágrimas no metrô, em frente ao computador no trabalho, andando pela rua. Talvez eu esteja chorando em parte porque sei que na minha idade é quase impossível viver algo que seja minimamente comparável com o que Elio tem com Oliver”. Outro escreve: “Ler Me chame pelo seu nome me fez sentir um amor que nunca tive.” Um colega muito bem casado há mais de cinquenta anos me chamou em um canto e disse: “Acho que nunca estive tão apaixonado em toda minha vida.” “Tenho 23 anos”, outra pessoa tuitou, “e nunca senti tanto amor até ler Me chame pelo seu nome. Sinto como seu eu tivesse vivido aquilo”. “Elio e eu temos praticamente a mesma idade”, escreveu uma adolescente. “Nunca vivi o ambiente do verão italiano… minhas experiências aconteceram apenas no meio do caminho entre a natureza e a poluição, no entanto, senti a mesma tensão, o mesmo medo, a mesma culpa e o mesmo amor avassalador que você expressa com perfeição por meio de Elio e Oliver… Me reconhecer em Elio foi algo que eu jamais imaginei e tenho certeza de que nunca vou viver algo assim de novo. A primeira garota que eu amei continua sendo… a única garota que eu amei e ainda assim tudo o que compartilhamos… vive agora como um segredo entre duas amigas.” “Terminei de ler Me chame pelo seu nome há uns dois dias”, escreve outra pessoa, “e queria que você soubesse o quanto me emocionou. Era como ler a narração de pensamentos que enterrei há muito tempo”. E, finalmente, de uma pessoa de 72 anos: “Fiquei fascinado com a ideia das vidas paralelas que eu poderia ter levado se tivesse ido com ele, onde eu estaria se tivesse viajado sozinho? Talvez a questão seja simplesmente o que eu faço com o presente que você me deu durante o resto da minha vida.”
Matthew Leifheit
Há pelo menos quinhentas outras cartas e e-mails como esses.
Alguns se pegam chorando no fim do filme ou do romance, não pelo que aconteceu há muito tempo ou pelo que não aconteceu e talvez nunca aconteça em suas vidas, mas pelo que ainda virá, pelo momento assustador no qual, em breve, eles também logo terão que decidir entre falar ou morrer. De uma garota de 18 anos: “[Seu romance] me dá esperanças de que um dia conhecerei alguém que eu deseje tanto que vou encontrar forças em mim mesma para agir. Como Oliver fez com Elio. Talvez meu Oliver também venha a ser alguém que eu vou perceber que amo tanto quanto desejo.” Ela chorou durante uma semana, como esse jovem de 15 anos: “Parei de ler… porque não queria que [o livro] acabasse, não queria que as feridas que você abriu em mim se fechassem, não queria superar, por algum motivo que ainda preciso descobrir. Eu queria continuar um caco, emocional e mentalmente frágil… Minha mãe me deu um lenço porque nunca me viu chorando assim. Eu tinha terminado de ler e ‘emocionado’ é uma palavra muito fraca para expressar o que seu livro fez comigo. Uma semana já se passou e eu literalmente só consigo pensar nele, não nas provas que estão chegando, mas… em Elio e Oliver e se é melhor falar ou morrer. Você respondeu perguntas que eu nem sabia que eu tinha.”
O romance realmente parece possibilitar a revelação de sentimentos de todo tipo, frutos da jornada implacável para dentro de si e da autoanálise obsessiva de Elio com a qual leitores são convidados a se identificar. Por meio da introspecção desenfreada desse personagem, também os leitores se sentem expostos e abertos como um crustáceo sem exoesqueleto, obrigados a se olhar no espelho. Não é de se admirar que fiquem comovidos. A máscara que lhes é arrancada não é apenas a fachada por trás da qual se escondem os desejos homossexuais deles mesmos e dos outros. É a percepção, por meio da voz de Elio, do que realmente sentem, de quem realmente são, do que temem, do que leva sua assinatura e do recato bobo que enfrentam para ler os outros e com sorte tocá-los. Alguns se identificaram tanto com algumas frases efusivas do romance que as tatuaram em seus corpos. Recebo fotos dessas tatuagens. Até mesmo os pêssegos, imaginem vocês!
Mas o que emociona a maioria das pessoas — e isso é tão verdadeiro agora quanto era quando o romance foi lançado — é o discurso do pai. Nesse momento ele não só diz ao filho para que cuide da chama e “não a apague” após seu amado ter ido embora da Itália, mas que ele também, o pai, inveja o relacionamento do filho com um amante do sexo masculino. Esse discurso rasga o ultimo vestígio do véu que separa o leitor e a verdade, um tributo comovente à sinceridade irredutível entre pai e filho.
A maioria dos leitores me escreveu falando sobre a cena porque tal discurso reacendeu a lembrança do difícil momento em que decidiram se abrir com seus pais, ou, como costuma ser com pessoas de 60, 70 anos ou mais velhas, porque as palavras as fizeram lembrar-se de uma conversa que gostariam de ter tido, mas nunca tiveram, com os pais. Essa é a perda que ninguém esquece e da qual ninguém se recupera depois de assistir a Me chame pelo seu nome. Ela carrega a essência daquele momento precioso e determinante que nunca aconteceu e que nunca acontecerá.
Eis o discurso:
Olha só. Vocês tinham uma bela amizade. Talvez mais do que amizade. E invejo vocês. No meu lugar, muitos pais esperariam que a coisa simplesmente sumisse, ou rezariam para que seus filhos se reerguessem logo. Mas eu não sou um desses pais. No seu lugar, se houver dor, cuide dela, e se houver uma chama, não a apague, não seja bruto com ela. Arrancamos tanto de nós mesmos para nos curarmos das coisas mais rápido do que deveríamos, que declaramos falência antes mesmo dos trinta e temos menos a oferecer a cada vez que iniciamos algo com alguém novo. A abstinência pode ser uma coisa terrível quando não nos deixa dormir à noite, e ver que as pessoas nos esqueceram antes do que gostaríamos de ser esquecidos não é uma sensação melhor. Mas não sentir nada para não sentir alguma coisa… que desperdício!
[…]
Então permita que eu diga mais uma coisa. Vai esclarecer tudo. Talvez tenha chegado perto, mas nunca tive o que vocês tiveram. Alguma coisa sempre me impediu ou ficou no caminho. Como você vive sua vida é problema seu. Mas lembre-se, nossos corações e nossos corpos nos são dados apenas uma vez. A maioria de nós teima em viver como se tivesse duas vidas, uma é a maquete, a outra a versão final, e todas as versões entre elas. Mas a vida é só uma, e antes que você se dê conta, seu coração se cansa e, quanto ao seu corpo, chega um momento em que ninguém mais olha para ele, muito menos quer chegar perto dele. Agora há tristeza. Não invejo sua dor. Mas invejo sua dor.
Recebi a carta anônima no início de maio de 2008. À época, eu estava na casa dos meus pais, porque meu pai estava com câncer de garganta e boca e já estava em tratamento paliativo. Recusara radio e quimioterapia, então eu sabia que seus dias estavam contados; embora a morfina o deixasse um pouco confuso, ele estava lúcido o suficiente para trocar gracejos sobre uma série de assuntos. Tinha parado de comer e beber água porque engolir era muito doloroso. Certa tarde, enquanto eu tirava um cochilo, o telefone tocou. Uma jornalista que eu tinha conhecido na Califórnia havia acabado de receber uma carta, que queria compartilhar comigo. Eu pedi a ela que lesse para mim ao telefone. Ao final, perguntei se ela se importava de me enviar a carta. Queria mostrá-la ao meu pai, eu disse, e expliquei que ele estava morrendo. Ela se comoveu. Conversamos sobre meu pai por um tempo. Eu disse a ela que estava tentando compensá-lo nos últimos tempos, e que ele também estava sendo uma companhia muito agradável. “Como foi crescer com ele?”, perguntou ela. “Tenso”, respondi. “Sempre é”, completou a jornalista. Então a conversa acabou, e ela prometeu enviar a carta em breve.
Depois de desligar, levantei da cama e fui vê-lo. Eu tinha criado o hábito, do qual fazia questão, de ler para ele, e isso o agradava muito, principalmente naquela fase em que ele estava com dificuldade para se concentrar. Mas em vez de ler as memórias de Chateaubriand, um de seus autores preferidos, animado com a carta que eu tinha ouvido ao telefone, perguntei se ele gostaria de ouvir a tradução francesa de Me chame pelo seu nome, cujas provas eu tinha recebido de Paris naquela manhã. “Por que não, já que foi você quem escreveu?”, disse ele. Meu pai estava orgulhoso de mim. Então comecei a ler do início, e logo percebi que estava abordando um assunto no qual nenhum de nós tinha tocado antes. Mas eu sabia que ele sabia o que eu estava lendo e por quê. Isso me deixou feliz. Talvez o tenha deixado feliz também. Nunca vou saber.
Naquela noite, depois do jantar, ele perguntou se eu poderia continuar lendo meu romance. Eu estava nervoso com o discurso do pai porque não sabia como ele reagiria, embora ele fosse o tipo de pai que teria feito o mesmo discurso. Mas o trecho estava a duzentas páginas, o que teria levado muitos dias. Talvez eu devesse pular algumas partes? Foi o que pensei. Mas não, eu queria ler o livro inteiro. Meu pai não viveu tempo suficiente para ouvir o discurso do pai. E quando a carta finalmente chegou da Califórnia ele já tinha partido. Seu nome era Henri, morreu aos 93 anos, e inspirou tudo o que já escrevi.
*Matéria originalmente publicada dia 28 de abril, no them.us
André Aciman nasceu em Alexandria, Egito. É ensaísta, romancista e pesquisador da literatura do século XVII. Saiba mais sobre Me chame pelo seu nome e seu novo livro, Me encontre
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