testeTaylor Swift e a prova de que nenhuma mulher está à salvo do silenciamento

Por Joyce Souza*

Assédio, manipulações, menosprezo e silenciamento. Não importa o quão influente uma mulher seja ou quanto dinheiro possui: em algum momento da vida ela pode enfrentar pelo menos uma das situações acima. E nós precisamos falar sobre isso.

Nos últimos anos, a conscientização sobre a desigualdade social, econômica e política entre homens e mulheres ganhou força no mundo inteiro. Movimentos como o #MeToo trouxeram à tona a grandiosidade do problema, e mulheres de diferentes classes, raças e áreas de atuação decidiram que era o momento de falar abertamente sobre a dor e o desconforto de viver em uma sociedade onde seus corpos e pensamentos são constantemente inferiorizados e violentados. Porém, mesmo com a enorme exposição e alguns avanços no que diz respeito ao assunto, ainda é nítido que há uma longa batalha pela frente. 

Esse é o tema do livro Rede de sussurros, de Chandler Baker, enviado na caixa de agosto do clube do livro intrínsecos. A trama conta a história de três mulheres que deixam os sussurros de lado e decidem usar suas vozes para expor o comportamento desrespeitoso do chefe com as subordinadas. Quando definem que o silêncio não deveria ser uma opção, suas vidas — como mulheres, colegas, mães, esposas, amigas e até adversárias — mudam drasticamente.

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Seja na ficção ou na vida real, o silenciamento continua sendo uma questão para mulheres em seus espaços de convivência. Contudo, aos poucos elas vêm trocando os sussurros por gritos de liberdade, mostrando que suas vozes são a ferramenta mais poderosa que possuem. E o mais recente conflito da indústria musical envolvendo Taylor Swift é um grande exemplo disso.

Estou tão cansada de correr o mais rápido que posso, me perguntando se chegaria mais rápido se fosse homem. E estou tão cansada deles vindo atrás de mim de novo, porque se eu fosse homem, então eu seria o cara. 

É desta maneira que Taylor Swift inicia o refrão da música “The Man”, faixa de seu sétimo álbum, Lover. A composição lançada em agosto deste ano não poderia estar mais atrelada aos últimos acontecimentos da carreira da cantora. Por meio de suas mídias sociais, Swift tem exposto os intensos conflitos com sua antiga gravadora, Big Machine Records, e todas as tentativas de boicote e silenciamento que sofreu desde que decidiu deixar a companhia. 

 

1 – Como tudo começou

No final de junho, foi anunciado que o empresário Scooter Braun era o mais novo dono da Big Machine Records, ocupando o cargo ao lado de Scott Borchetta. Com a aquisição da gravadora, as mídias começaram a anunciar a grande jogada empresarial de Braun: além de gerenciar as carreiras de Justin Bieber, Ariana Grande e Demi Lovato, ele agora era proprietário dos direitos dos seis primeiros álbuns de Taylor Swift, um dos nomes mais lucrativos da indústria musical. Enquanto era enaltecido como um exemplo de sucesso e de inteligência no mundo dos negócios, quase ninguém fazia ideia dos bastidores dessa transação.

Poucas horas após a notícia, Swift expressou sua insatisfação com a aquisição. Em carta aberta, a cantora comentou que este era o “pior cenário possível”, clamando que um homem que a humilhou no passado agora era o dono da maior parte de suas músicas. 

 

Taylor não teve a chance de comprar sua discografia. Não por falta de dinheiro, mas por não permitirem que ela fosse dona das próprias canções. O único contrato que ofereceram a ela foi um de renovação, no qual, a cada álbum novo que fizesse, ela teria o direito de obter um antigo. Isso é, no mínimo, cruel. Mais seis álbuns com a Big Machine Records até que Swift e suas músicas pudessem ser plenamente livres.

Ao rejeitar o contrato com a Big Machine Records, a cantora assinou com a Republic Records e passou a ser dona de todas as músicas que gravasse dali em diante. Mas, após novembro de 2020, Taylor está contratualmente apta a regravar todas as suas antigas faixas, libertando-se da antiga gravadora. 

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Contudo, quase cinco meses depois, Swift escreveu uma nova carta com o título “Não sei mais o que fazer”. 

 

No texto, a artista pop diz que Scott Borchetta e Scooter Braun não deram autorização para que ela cantasse as faixas de seus primeiros álbuns no American Music Awards, onde foi homenageada como a Artista da Década. Além disso, Swift revelou que o documentário que está gravando com a Netflix há alguns anos também está comprometido, visto que os donos de sua ex-gravadora não permitiram que ela utilizasse canções e performances anteriores. Diante dos novos fatos, mais um acordo injusto foi oferecido para Taylor: a cantora estaria autorizada a usar suas músicas antigas se não as regravasse no próximo ano. E se parasse de falar publicamente sobre Scott Borchetta e Scooter Braun. 

É estranho pensar nos motivos racionais que levariam Borchetta e Braun a impedir ambos os projetos. Economicamente, seria o melhor cenário possível para eles — a artista homenageada da noite, que não está mais vinculada diretamente à gravadora, cantando antigos sucessos em uma premiação televisionada para o mundo inteiro. Mas é claro que essa não é uma história sobre dois homens ricos querendo ter mais dinheiro à custa do trabalho de outra pessoa. É a história de dois homens querendo poder à custa de uma mulher. 

2 – Se Taylor Swift fosse um homem, os acordos com a gravadora teriam sido diferentes? 

Quem acompanha a trajetória de Taylor Swift ao longo de seus quinze anos de carreira sabe que ela não conquistou o mundo só por sua voz ou pelas apresentações impecáveis. Foram suas letras sobre amor verdadeiro, desilusões, corações partidos e superação que a transformaram em um fenômeno de sua geração. Foram as composições que escreveu em seu quarto dos 14 aos 29 anos que fazem Taylor Swift ser o que é hoje, e é cruel arrancar este vínculo que a cantora tem com seus fãs.

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Depois de muito alvoroço em torno do assunto, da hashtag #IStandWithTaylor dominar as redes sociais, e de muitas artistas femininas como Lily Allen, Halsey, Selena Gomez, além de Elizabeth Warren, candidata à presidência dos Estados Unidos, se posicionarem sobre a situação, a Big Machine Records publicou uma nota explicando seu lado da história. 

 

 

 

 

Após a versão da gravadora, os jornais The Guardian e The New York Times investigaram o ocorrido e conseguiram acesso aos e-mails trocados entre a Big Machine Records e a equipe de Swift. No texto, os dois jornais afirmam que a gravadora não autorizou o uso das músicas na premiação, no documentário da Netflix e no evento chinês Alibaba Double Eleven, no qual a cantora havia apresentado apenas as músicas de seu último álbum, Lover, na semana anterior. 

 

 

Em uma segunda nota, a Big Machine Records contou que entrou em contato com a Dick Clark Productions, organizadora do American Music Awards, e eles concederam todas as licenças de performances de seus artistas. Entretanto, um representante da produtora compartilhou uma declaração negando qualquer envolvimento com a nota da gravadora. 

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Em nenhum momento a Dick Clark Productions concordou em criar, autorizar ou distribuir um comunicado em parceria com a Big Machine Label Group sobre a performance de Taylor Swift no American Music Awards 2019. Qualquer acordo final sobre esse assunto deve ser feito diretamente com a equipe de gerenciamento de Taylor Swift.

 

Mais uma vez, a Big Machine Records havia sido publicamente desmentida, e muitas questões giravam ao redor dessa situação: se Borchetta e Braun não estão interessados em prejudicar Swift, como alegam, por que não permitem que ela compre ou utilize o próprio catálogo de maneira justa? Por que eles a estariam impedindo de cantar em apresentações com transmissão televisiva, se isso é algo benéfico para os dois lados? Por que publicam notas sem fundamento? Estariam sendo tão ingênuos a ponto de achar que não seriam descobertos? Ou estavam se apoiando em um machismo, impregnado na nossa sociedade, que constantemente pinta as mulheres como exageradas, loucas e “histéricas”? É muito difícil ter uma resposta em relação à isso, mas também é extremamente complicado acreditar que a primeira opção é a verdadeira. O grupo Big Machine é uma empresa com funcionários experientes e competentes, que auxiliaram a carreira de Taylor Swift desde os primeiros anos, sem muitos problemas. Como seria possível que eles errassem de tal forma?

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O que aconteceria, também, se Swift fosse uma artista menor? Se ela não tivesse gritado ao mundo o que vinha passando? Ela teria sido ouvida? Teria conseguido o acordo da mesma forma ou estaria até hoje à espera de um milagre? Se Taylor Swift fosse um homem, os acordos com a gravadora teriam sido diferentes? 

 

3 – Elas não vão mais se calar 

Infelizmente, o caso de Swift é apenas mais um entre tantos outros. É para que mulheres não passem por situações como essa que movimentos como o #MeToo existem. Diante de boicotes, manipulações, mentiras e injustiças, ficar calada não é mais uma opção. Assim como em Rede de sussurros, mulheres estão se unindo cada vez mais, parando com os sussurros e expondo seus casos para o mundo. 

O AMAs 2019 aconteceu na noite de 24 de novembro, em Los Angeles. Vencedora de seis categorias, Taylor Swift quebrou o recorde de Michael Jackson e se tornou a maior vencedora da história da premiação. Depois de todos os conflitos em torno de sua performance, a cantora foi autorizada a cantar suas músicas antigas. Vestindo uma camisa social com o nome de seus primeiros álbuns, ela começou o medley com uma música que não pertencia a Borchetta e Braun, mas que precisava ser cantada em alto e bom som: “The Man”.

 

*Joyce Souza é apresentadora. Dona do programa De frente com a Joyce, é dela a voz misteriosa por trás da Live da Intrínseca. Além dos milhares de fãs que acumula no Instagram, é publicitária em formação e suas maiores paixões são música pop e pão de alho. Como prefere não dar detalhes de sua vida privada a seus seguimores, esta biografia é assinada por sua ASCOM.

testeNovo livro de Elena Ferrante chega ao Brasil em 2020 pela Intrínseca

Uma das maiores vozes da literatura contemporânea, cuja identidade permanece em segredo, Elena Ferrante está de volta com seu primeiro romance em cinco anos. A vida mentirosa dos adultos chegará às livrarias brasileiras em 2020 pela Intrínseca.

Ferrante é autora da Tetralogia Napolitana, que vendeu mais de 12 milhões de exemplares em todo o mundo e deu origem à série A Amiga Genial, da HBO. Também assina romances já publicados pela Intrínseca, entre eles A filha perdida, Um amor incômodo e Uma noite na praia, além do livro de não-ficção Frantumaglia. Em suas obras, ela explora os conflitantes, e por vezes perturbadores, sentimentos que perpassam a maternidade, o casamento e as relações femininas.

O novo livro narra o crescimento de Giovanna, uma jovem moradora de um respeitável bairro de classe média de Nápoles, no período de seus 12 a 16 anos. Ambientado na década de 1990, A vida mentirosa dos adultos se inicia com um comentário do pai, que compara a falta de beleza da filha com a de Vittoria, tia da menina. Figura lendária na família e distante do pai por motivos incertos, Vittoria desperta a curiosidade de Giovanna, que hesita entre considerar o comentário um insulto, uma condenação ou uma profecia. Explorando as periferias de Nápoles, ela parte em busca dessa mulher misteriosa.

Leia um trecho:

“Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia. A  frase foi  proferida entre sussurros, no apartamento que os dois, recém-casados, haviam comprado em Rione Alto, no início da Via San Giacomo dei Capri. Tudo – as ruas de Nápoles, a luz azul de um fevereiro muito frio, aquelas palavras – permanece inalterado. Mas eu escapei, ainda estou escapando, através destas linhas cuja intenção é delinear a minha história, mesmo que na verdade eu não seja nada, nada que me pertença, nada que tenha começado de verdade ou sido levado a cabo: apenas um nó cego, e que ninguém, nem mesmo a pessoa que neste momento escreve, saiba dizer se esse nó contém o fio certo para guiar uma história ou se não passa de uma confusão embolada de sofrimentos, sem redenção.”

 

Na trama, Giovanna percorre a transição crucial entre juventude e vida adulta, quando verdades e lições de vida são evidenciadas, algumas vezes de forma dolorosa. A vida mentirosa dos adultos é uma cativante história sobre o que ganhamos e perdemos nessa passagem de tempo.

Conheça os livros da autora

testeAté que o Flamengo não nos separe

* Por Andréa Pachá

(Fonte)

Eu sou botafoguense, mas o Flamengo produz histórias e paixões incríveis. Abaixo, uma delas, no meu livro A vida não é justa. Imagino o Robério hoje, na expectativa da Libertadores.

RECONCILIAÇÃO

Sempre me senti muito desconfortável quando, nas separações consensuais, a lei me obrigava a perguntar ao casal se eles tinham certeza da decisão tomada.

Ora, se procuraram um advogado, estabeleceram as cláusulas da separação e ali estavam, na frente de um juiz pra encurtar aquele período de desgaste, o que se esperava que fossem responder?

Tratava, então, de diminuir o constrangimento e começava, assim, as audiências:

– Desculpem, não quero parecer invasiva ou inconveniente, mas a lei manda que eu pergunte se vocês querem mesmo se separar.

Então prosseguia perguntando se eles ratificavam o acordo para, no mesmo ato, decretar a separação. Simples, rápido, sem qualquer rito especial exceto pela exposição pública da frustração daqueles mortais que percebiam que a felicidade perene, o até que a morte nos separe chegava ao fim sem pompa, sem música, sem convite e sem festa.

Dependendo do casal e do clima, me permitia um ou outro comentário pra aliviar a tensão e reduzir a dor da perda.

Sim, porque nossa tendência, após anos trabalhando na mesma atividade é perder a capacidade de individualizar as dores e os conflitos que chegam às nossas mesas. Cada processo é um processo. Cada casal é um casal. Cada fim de casamento é um fim de mundo e cada audiência é única para aqueles que comparecem diante de um juiz e expõem as frustrações pela incapacidade de viver um grande amor.

É uma pena que o amor não acabe ao mesmo tempo para os dois. O amor acaba e ninguém avisa isso pra ninguém que pretende se casar. E a percepção do fim acontece de repente. Não se consegue estabelecer uma data, um fato, um porquê, mas de uma hora pra outra alguém constata que não dá um beijo na boca do outro há mais de um mês. Os prazeres tomam caminhos solitários e um não consegue sequer saber o que comove ou sensibiliza seu companheiro.

A rotina, a falta de dinheiro, problemas com os filhos adolescentes, desemprego, stress, cansaço, a crise política, tudo parece conspirar para mascarar o diagnóstico e retardar a terrível constatação captada com perfeição pelo poeta… o nosso amor acabou, que coincidência é o amor, nossa música nunca mais tocou…

Daí pra frente, o casamento vira uma espécie de prorrogação, de terceiro tempo sem tempo pra terminar e dependendo da capacidade de suportar a vida pintada em bege, as relações podem até mesmo durar pela vida toda.

Tenho observado que nos processos de separação, quando não há uma nova paixão avassaladora, as decisões são, na maioria das vezes, tomadas pelas mulheres. Observo, também, que quando a separação importa na redução da capacidade financeira, os casais têm optado pela manutenção da relação e procurado formas de convívio menos dolorosas

Foi, portanto, com algum estranhamento, que vi entrar na sala de audiências o contador Robério e professora aposentada Idalina.

Trinta e oito anos de casamento, quatro filhas, todas casadas, seis netos, nenhum patrimônio para partilhar, nenhum pedido de pensão alimentícia.

Na petição inicial nenhum ressentimento declarado ou qualquer imputação de culpa. Pretendiam a separação por incompatibilidade de gênios.

Formulei, então, a burocrática pergunta: Querem mesmo se separar ou há possibilidade de reconciliação?

Silêncio. Idalina baixou a cabeça encorajando Robério a se expressar.

– Ninguém quer se separar não, excelentíssima. Nem sei porque viemos aqui.

Estava tão acostumada com a repetição que, confesso, não sabia como prosseguir. Tentei me manter impávida e voltei à abordagem :

– Bem, se não querem se separar por que entraram com a ação?

– Essa mulher tá com a cabeça virada. Mas a gente já se acertou, aliás, passamos uma noite maravilhosa…disse Robério mal conseguindo conter o orgulho da virilidade naquela idade.

Idalina nada falava. Parecia distante e perdida. Decidi ser mais firme em apoio ao que imaginei fosse o desejo daquela mulher.

– Olha seu Robério. Eu sei que esta decisão é muito difícil, que vocês viveram muitos anos juntos, mas, quando os dois não querem, acho impossível continuar casado. Vocês têm uma família grande, netos, mas quem sabe não é melhor cada um seguir sua vida, não é dona Idalina? perguntei cúmplice.

Pela primeira vez ela tomou as rédeas da situação e foi firme na intervenção.

– Não é melhor não, doutora, melhor mesmo é continuar com ele.

Ela não sorria, não esboçava qualquer sinal que indicasse a felicidade do reencontro. Imaginei que pudesse estar pressionada ou submetida ao poder daquele que exerceu o controle de uma vida inteira.

Decidi que seria solidária e transmitiria à Idalina, a segurança que ela tanto precisava

É claro que aquele comportamento não integrava meus deveres funcionais. No entanto, a magistratura era uma das muitas funções que eu exercia na vida e é claro que todas as minhas virtudes e vícios transpareciam de alguma forma no exercício da profissão. Naquela ocasião atuei parcialmente em favor de Idalina para compensar as diferenças daquela relação que intui tão desigual e prossegui:

– O respeito é sempre muito importante. E vocês devem continuar sendo amigos. Se as coisas mudarem, quem sabe até voltam a namorar?

Idalina me interrompeu.

– Eu não quero me separar mas preciso falar umas coisas. Por isso vim aqui.

Robério coçou a cabeça como uma criança que se prepara para um sermão.

– Eu não aguento mais tanta falta de atenção. Eu só quis me separar porque me sinto muito sozinha. As crianças foram embora. A casa tá vazia. A gente mal se fala. Almoço e janta com a televisão ligada. Tudo que eu falo ele não escuta. Mas a gota d’água é o futebol. Eu não suporto futebol todo dia. Enquanto ele assistia o jogo no mês passado, disse que estava saindo de casa. Sabe o que ele respondeu? Nada. Pediu que eu saísse da frente porque tinha sido impedimento…Dá pra acreditar? Impedimento?!!! Naquela mesma noite fui pra casa da minha filha e no dia seguinte procurei o advogado.

– Mas, D. Idalina, há quanto tempo ele assiste futebol? Perguntei

– A vida toda. Mais de vinte anos..

Não pude conter o riso. Pensei em meu pai e sua paixão alucinada pela peleja. Avaliei os riscos que corria.

Ela prosseguiu:

– Ele é um homem bom, doutora. A gente lutou muito junto. Toda a vida e a gente nunca se largou. Ele nunca teve mulher na rua.

Robério, verdadeiramente sensibilizado olhou para Idalina e quase num sussurro a fez lembrar da aquisição da casa, da única viagem de férias a Cabo Frio, da perda do filho homem num acidente de carro e do quanto, juntos, eles dividiram toda a vida.
Os dois, de mãos dadas sobre a mesa, choravam.

Eu tentava me socorrer do conhecimento jurídico para retomar o rumo daquela audiência e só lembrava dos filmes e romances que lera pela vida a fora.

Entendi que sabia muito pouco da vida. Aquele casal se amava e esperava que, da minha autoridade viesse uma resposta para o abismo que ali se instalou. Achei que não podia decepcioná-los.

– Olha aqui pessoal. Eu não vou separar vocês não. A gente combina o seguinte: suspendo o processo por 60 dias. Nesse período, o seu Robério só assiste aos jogos do Flamengo . No resto do tempo, vocês saem, passeiam um pouco pela cidade, almoçam domingo na casa das filhas, ajudam com os netos. Tá bom assim?

Aliviados, os dois nem me olharam. Estavam encantados um pelo outro.

Nem o advogado nem o Ministério Público discordaram de decisão tão teratológica. Quem ousaria depois de presenciar tanto mistério?

Antes de sair, já do lado de fora da porta, Idalina me olha e sorrindo pergunta:

– É só jogo do Flamengo mesmo né doutora?

***

*Trecho retirado do livro A vida não é justa, disponível em nova edição nas livrarias.

 

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teste8 obras de artistas negros que você precisa conhecer

Além de nos entreter, livros, séries e filmes têm o papel de nos fazer refletir sobre dilemas cotidianos, sejam nossos ou de outras pessoas. O problema é que muitas vezes esses produtos culturais ignoram, ou representam de maneira estereotipada, as minorias ou grupos marginalizados pela sociedade.

Apesar de nos últimos anos termos visto a discussão sobre racismo e negritude ocupando espaços de maior destaque, ainda são poucos os autores e diretores negros que conseguem alcançar prestígio artístico ou social.

Para celebrar e evidenciar essas histórias muitas vezes ignoradas, separamos oito livros e séries que discutem questões de negritude.

 

  1. Breve história de sete assassinatos, de Marlon James

Em 3 de dezembro de 1976, às vésperas das eleições na Jamaica, sete homens invadiram a casa de Bob Marley com metralhadoras em punho, ferindo o cantor e sua família. Poucas informações oficiais foram divulgadas sobre os atiradores, mas muitos boatos circularam a respeito do destino deles.

Breve história de sete assassinatos é uma obra de ficção que explora esse período instável da história da Jamaica e vai muito além. Marlon James descreve a miséria e a violência reinantes na periferia de Kingston, as ligações entre a “cidade baixa” (onde ficam as favelas) e a “cidade alta” (onde vivem os ricos e poderosos), e a influência que Marley detinha entre políticos e criminosos da cidade.

Dezenas de personagens – assassinos, traficantes, jornalistas e até mesmo fantasmas – dão voz à narrativa, em uma alternância de pontos de vista que revela uma complexa rede de motivações e sentimentos conflitantes. A contundência da trama e a ambiciosa polifonia valeram a Marlon James o Man Booker Prize de 2015, o mais prestigiado prêmio literário do Reino Unido.

 

  1. Cara gente branca

A série da Netflix acompanha um grupo de estudantes negros de uma importante universidade dos Estados Unidos, cuja maioria dos alunos é branca.

A história se inicia no Halloween, em uma festa com a temática blackface, termo usado para a prática de pintura corporal, em geral em pessoas brancas, imitando o tom de pele de pessoas negras, usado historicamente para ridicularizar a população negra. Várias tensões raciais se desenrolam no ambiente acadêmico, e vemos a relação dos protagonistas com o racismo e questões como colorismo e relações inter-raciais.

 

  1. Daqui pra baixo, de Jason Reynolds

Um garoto, uma arma e apenas 67 segundos para tomar a decisão mais avassaladora de sua vida. Daqui pra baixo é um daqueles livros que com poucas páginas já te marcam profundamente.

Will tem 15 anos quando seu irmão mais velho é assassinado perto de casa. As regras da comunidade são claras: não chorar, não dedurar e, se algo acontecer com quem você ama, se vingar. Ele está decidido. Mas, ao descer no elevador de seu prédio pronto para cometer o ato que vai selar seu destino, ele vai reencontrar rostos do passado. Cada rosto tem uma história de vida e de morte. Will, em questão de segundos, vai definir a dele.

O livro é um soco no estômago, e o fato de ser narrado em versos torna tudo mais impressionante. As frases curtas, mas poderosas, criam um ritmo quase musical, embalando o leitor em uma jornada de profunda reflexão. Uma obra sensível, forte e muito necessária, que toca nas feridas e expõe realidades invisíveis.

A história de Will é inspirada na própria vivência de Jason, que cresceu em um bairro onde o tráfico de drogas e a violência aconteciam na calçada de casa. Hoje, seu desejo como escritor é alcançar aqueles que não se sentem representados pela literatura.

 

  1. Fantasma, de Jason Reynolds

Primeiro livro de Jason Reynolds publicado pela Intrínseca, Fantasma conta a história de um garoto que sempre soube que correr era o seu forte, mas nunca levou a atividade muito a sério. Até que, certo dia, ele disputa uma corrida contra um dos melhores atletas de uma equipe. E vence. O treinador percebe que Fantasma tem talento de sobra e quer que o menino entre para sua equipe de qualquer jeito. O problema é que Fantasma também tem muita raiva e um passado que tenta desesperadamente deixar para trás.

Finalista do National Book Award de 2016 na categoria de literatura jovem, Fantasma aborda temas como desigualdade, bullying, invisibilidade social, amizade e racismo, além de discutir a importância do esporte na vida dos jovens. 

 

  1. Atlanta

 A comédia dramática criada e estrelada por Donald Glover, também conhecido como Childish Gambino, acompanha dois primos que sonham em se destacar na cena do rap de Atlanta. Eles veem na música uma chance de melhorar suas vidas e também a de suas famílias. 

Earn (Donald Glover) abandonou a Universidade de Princeton, está sem dinheiro, sem ter onde morar e tentando se redimir com a ex-namorada. Quando percebe que seu primo – um cantor de rap que usa o nome artístico de Paper Boy – está prestes a ficar famoso, ele decide se tornar seu empresário.

 

  1. As mães, de Brit Bennett

Em uma comunidade negra e cristã dos Estados Unidos, Nadia, uma garota bonita, obstinada e ainda marcada pelo recente suicídio da mãe, será a primeira da família a cursar uma universidade, mas, antes de deixar sua cidade natal, ela se envolve com o filho do pastor da igreja. Os dois são jovens e não oficializam o relacionamento, mas o segredo que resulta desse romance terá consequências maiores do que eles imaginam.

Anos depois, eles ainda vivem à sombra das escolhas da juventude e da insistente dúvida: e se tivessem feito diferente? As possibilidades do caminho não tomado se tornam um fantasma implacável.

Com um estilo sofisticado e atual, Brit Bennett demonstra uma ampla compreensão da alma humana e de como traições e perdas podem moldar comunidades inteiras.

 

  1. Ruby, de Cynthia Bond

“Não é uma história apenas sobre abuso. É sobre sobrevivência.” Assim Cynthia Bond define Ruby, seu romance de estreia. A obra apresenta a vida de uma jovem garota que, depois de passar por sofrimentos inimagináveis durante a infância, decide fugir de sua cidadezinha no sul dos Estados Unidos para recomeçar a vida em Nova York nos anos 1950.

Uma década depois, um telegrama urgente a faz voltar para casa, forçando-a a reencontrar pessoas do passado e a reviver momentos perturbadores.

Com uma prosa refinada, Cynthia Bond escreve sobre temas delicados como violência doméstica, abuso e racismo. Apesar de ser uma obra de ficção, Ruby foi inspirada em fatos reais vividos pela família da própria autora. A tia de Cynthia foi assassinada no Texas por homens da Ku Klux Klan. A história ficou guardada por um bom tempo até ser escrita e publicada, anos depois.

 

  1. Ela quer tudo

Baseado no filme homônimo de Spike Lee, a série acompanha a vida de Nola Darling, uma artista nova-iorquina lutando por seu espaço no mercado enquanto tenta conciliar sua rotina com os três homens com quem está saindo.

Abordando discussões que vão desde gentrificação, estupro e pansexualidade, a série não economiza nas críticas sociais, com personagens que por vezes apresentam pontos de vista divergentes para nos fazer refletir.

testeComo Jojo Moyes redescobriu a paixão pela escrita em uma cabana isolada

 

Desde a conclusão da trilogia Como eu era antes de você, estávamos ansiosos por mais histórias de Jojo Moyes. Felizmente nossos desejos foram realizados com Um caminho para a liberdade, que chegou para os assinantes do clube intrínsecos em setembro e às livrarias brasileiras em novembro.

A história de cinco bibliotecárias distribuindo livros para regiões distantes e populações humildes é uma emocionante homenagem à união feminina e ao poder dos livros de transformar vidas. Segundo a autora, essa é a obra da qual mais se orgulha, e o livro que a ajudou a recuperar a paixão pela escrita.

Em uma carta para os leitores, Jojo conta sobre o processo de escrita de Um caminho para a liberdade e suas experiências pessoais ao visitar o mesmo lugar em que suas personagens viveram. Confira:

 

Queridos leitores,

nesta era de ansiedade em que vivemos, há uma infinidade de opções para quem busca ajuda. No começo do ano, um misto de exaustão e problemas pessoais me levou a passar por um dos baixos da vida, e muitos amigos me sugeriram tirar um período de folga em spas, ir a algum retiro terapêutico ou passar um tempo em um hotel-butique com vista para paisagens bucólicas e promessas de paz e quietude.

Acabei me enfiando em um lugar completamente diferente: uma pequena cabana de madeira ao final de oito quilômetros de estrada de terra bem no interior do Kentucky, uma das regiões mais pobres dos Estados Unidos. Não tinha TV, Wi-Fi nem telefone. Porém, para minha surpresa, durante 18 meses, se tornou o lugar onde eu me sentia mais em paz. 

O leste do Kentucky não estava na minha lista de Lugares para conhecer antes de morrer (e não sei se consta na de muitas pessoas). Mas, dois anos atrás, enquanto eu enrolava um pouco navegando pela internet — um hábito comum de escritores — encontrei um artigo no periódico da Smithsonian Institution sobre um grupo de mulheres que vivia nessa área remota durante a Grande Depressão. Era um grupo de bibliotecárias que cavalgavam pela região distribuindo livros, conhecidas como Packhorse Librarians of Kentucky [Bibliotecárias A Cavalo do Kentucky]. O projeto era patrocinado pelo Works Progress Administration, uma empreitada do presidente Roosevelt para agilizar projetos e obras públicas. Através dos livros, o grupo tinha o intuito de combater a ignorância, o fundamentalismo religioso e os golpes de charlatões nas comunidades remotas. Fiquei fascinada.

Jojo Moyes em Kentucky

As mulheres viajavam longas distâncias por um terreno difícil, enfrentando muita suspeita e resistência das comunidades — isso sem falar nas cobras e nos contrabandistas de bebidas. Há várias fotografias em preto e branco com mulheres sérias e determinadas montadas a cavalo diante de uma paisagem montanhosa e desoladora.

Passei quase 30 anos da minha vida envolvida no ofício de contar histórias, tanto como jornalista quanto, nos últimos 18 anos, como escritora. Talvez tenha sido por isso que o relato me tocou tanto. Ou talvez tenha sido culpa da degradação política das noções de verdade e fatos. Ou por causa da ameaça crescente aos direitos das mulheres. Ou quem sabe tenha sido só por causa dos cavalos (eu amo cavalos). De qualquer forma, algo muito forte dentro de mim me dizia que era uma história que eu precisava escrever. Eu tinha sentido a mesma coisa quando ouvi falar em um jovem tetraplégico que persuadira os próprios pais a levá-lo a Dignitas — uma história cujo apelo parecia incompreensível para a maioria, no início. Esse livro — Como eu era antes de você — vendeu 14 milhões de exemplares. Pensando nisso, ignorei a expressão de dúvida enquanto eu contava do novo projeto (“Bibliotecárias a cavalo?”, perguntavam) e comprei minhas passagens para os Estados Unidos.

Eu não sabia muito sobre o Kentucky, só conhecia o senador republicano Mitch McConnel, as corridas a cavalo e o frango frito. Depois de dois voos e uma longa viagem de carro, eu me acomodei em Beattyville, que parecia estar no coração geográfico do projeto. Sou muito adepta da pesquisa de campo; sem uma visita aos lugares, o texto não ganha vida. E, nessas viagens, é comum encontrar alguma trilha que leve a história a lugares inesperados.

Minha pesquisa inicial não foi muito encorajadora. Acontece que, se você digitar “Beattyville” em qualquer ferramenta de busca, não vai achar recomendações de nenhum hotel 4 ou 5 estrelas. Na verdade, a primeira coisa que aparece é um artigo chamado “America’s Poorest White Town: Abandoned By Coal, Swallowed By Drugs” [A cidade de população branca mais pobre dos EUA: abandonada pela mineração de carvão, tomada pelas drogas].

Quando saí do Tennessee, depois de atravessar as fronteiras estaduais, passei por acampamentos de trailers, casas móveis cobertas de poeira junto a carros velhos já esquecidos e moradores vendendo seus pertences à beira da estrada. Poucas vezes me senti tão estrangeira quanto naquele momento. Comi frango frito e couve em restaurantes com placas que avisavam ser “obrigatório o uso de sapatos”. Passei por caminhonetes com carcaças de cervo na caçamba, por igrejinhas imaculadas e por enormes gramados verdejantes que ostentavam a bandeira americana. Entrei em contato com o departamento de turismo do Kentucky, que me sugeriu uma pousada em um “vale” entre duas montanhas em uma das áreas mais remotas do cânion Red River Gorge. Antes de ir, tomei a decisão de não falar de política — e talvez nem de nada.

E então conheci a Barbara.

Barbara Napier tem 72 anos e é uma antiga artista, de olhos vívidos e dona de um jeito doce e sagaz. Ela gerencia a Snug Hollow, um terreno montanhoso de 140 hectares pontilhado de cabanas (algumas que ela mesma construiu). Barbara criou dois filhos sem água encanada, plantando a própria comida. Sua casa é coberta de pesadas prateleiras de livros e, como as bibliotecárias, ela não se impressiona com muita coisa. Já aconteceu de deitar na grama para descansar um pouco, e, ao abrir os olhos, dar de cara com uma onça-parda (“Eu sabia que era uma mãe com filhotinhos, porque já a tinha visto desde cedo”). Os filhos estavam em casa, e não havia a quem pedir ajuda em um raio de muitos quilômetros. Barbara contou que estava tão exausta que, no fim das contas, simplesmente se sentou e gritou: “Ah, dá o fora daqui!”. E a onça foi mesmo embora.

Uma das bibliotecárias que enfrentavam terrenos acidentados e os perigos das estradas desertas para levar conhecimento a moradores de lugares isolados

A cabana mais antiga — e a menor — data de 1930. As paredes ainda são de madeira rústica, é aconchegante e as camas são cobertas por colchas de retalhos. Senti como se estivesse de volta aos anos 1930 — pelo menos até Barbara contar que eu estava dormindo em um colchão de cinco mil dólares.

Na primeira noite, ainda me ajustando ao silêncio, também descobri que as portas não tinham tranca. (“Ah, e nem precisa. Eu moro aqui há 40 anos e ninguém nunca me incomodou.”) Infelizmente, os escritores têm uma imaginação fértil até demais. Fiquei encarando as montanhas escuras, imaginando que as árvores estavam cheias de ursos e de assassinos armados. Decidi que passaria a noite em claro e tiraria um cochilo de dia.

Então, por volta das 21h, ouvi a voz de Barbara ecoando pelo vale:

— Jojo? Vá para a varanda!

E fui. Não acreditei no que via: a montanha agora reluzia, branca, iluminada por milhões de luzinhas que se moviam devagar — eram vagalumes ou algum outro inseto luminoso, e seus corpinhos reluzentes conectavam a paisagem ao céu estrelado. Era a coisa mais linda que eu já tinha visto.

Daquele momento em diante, esqueci as fechaduras e os medos. Foi quando Snug Hollow e o Kentucky se tornaram lugares mágicos para mim.

Sentada em uma cadeira de balanço na varanda, assisti a manhã pintar de rosa o céu sobre os picos das montanhas. Andei por entre nuvens de borboletas monarcas (não se usa agrotóxico no vale, e a vida selvagem é extraordinária). Afastei cobras do caminho (Barbara: “Jojo Moyes, a senhora acabou de cutucar uma cobra com um graveto?” Eu, meio culpada: “Talvez…” Barbara: “E como sabia que ela não ia picar você?!” Eu: “Ah… é que não tinha cara de que ia picar…”). Eu me apaixonei pelo meu objeto de pesquisa.

Voltei mais duas vezes à cabana nos 18 meses seguintes. Conversava com todo mundo que aparecesse para obter mais conhecimento sobre a vida dessas mulheres, que, de 1935 a 1943, viajavam quase 200 quilômetros por semana para entregar livros. Mas aquelas conversas também me ajudavam a aprender as particularidades da cadência e do sotaque daquela área remota dos Appalachia. Descobri, assim como aquelas mulheres, que as pessoas podiam ser muito desconfiadas — todos têm medo de serem retratados como camponeses ignorantes. As bibliotecárias ganharam a confiança das famílias lendo a Bíblia. Liam para toda a casa, para as crianças e para os mineiros que ficavam de cama com antracose. Além disso, elas distribuíam revistas, histórias em quadrinhos, livros de ficção e muitos textos sobre saúde e educação infantil. Elas criavam álbuns de recortes a partir de livros desgastados demais para serem lidos. Suas entregas mudaram vidas, e essas mulheres eram amadas pelas comunidades. Eu só ouvia tudo, quieta.

As bibliotecárias que, entre 1935 a 1943, combateram a ignorância e o fundamentalismo religioso

Refiz os passos delas, cavalgando pelas mesmas paisagens. (O teto do estábulo que visitei era feito de uma antiga ponte reaproveitada. A proprietária, Andrea, comprava cavalos no Craigslist e tinha uma mula com um coice capaz de mandar a pessoa para o outro lado do estábulo.)

Quando se entra em uma floresta no meio das montanhas durante o dia, o que pega você primeiro é o tamanho de tudo aquilo. Depois vem o silêncio; não há som algum além dos passos ritmados dos cascos dos cavalos no cascalho ou nas folhas caídas. A paisagem é linda e complicada, cheia de fendas profundas e de falésias, criando buracos em que os nativos tinham o hábito de moer milho (segundo Andrea, ainda dá para ver as marcas de seus traseiros no chão). Seria tão fácil se perder ali. Quase todas as trilhas seguem as margens sinuosas dos riachos, e nós também fomos por elas, parando para descansar os cavalos sob algumas árvores enquanto conversávamos sobre o que fazer se encontrarmos um urso no jardim (ficar dentro de casa, de preferência).

As pessoas do Kentucky são exímias contadoras de história. Os cafés da manhã comunais no terreno de Barbara podiam facilmente se estender por umas duas horas. As conversas são em uma linguagem floreada e os “causos” engraçados são quase um esporte competitivo (minha história favorita era a de um fazendeiro que tinha encontrado um cervo morto perto de um ponto de ônibus escolar e corrido para casa para vestir uma fantasia de Papai Noel. Depois, o homem ficou parado perto do cervo só para traumatizar as crianças). O modo de falar do povo do Appalache — ainda carregado das inflexões formais de seus ancestrais elisabetanos —, assim como seu espírito, permeou meu texto, e a escrita fluía com intensidade quase febril. Mal parei durante os fins de semana e feriados.

Caminhei pelas montanhas observando perus selvagens voejando, desengonçados, pela grama alta e abutres planando sobre as árvores secas. Mergulhei fundo no passado conturbado do Kentucky, na brutalidade do trabalho das minas, nas paisagens devastadas pela falta de escrúpulos das grandes corporações. Ponderei muito sobre como aquela história estava se repetindo. E, durante tudo isso, me maravilhei com a beleza da terra e a gentileza e o charme das pessoas.

As bibliotecárias do projeto exclusivamente administrado por mulheres viajavam até 190 quilômetros por semana para entregar livros.

Publicado recentemente, Um caminho para a liberdade recebeu as melhores críticas da minha carreira. A Universal Studios comprou os direitos antes mesmo de o texto ser editado. Às vezes, nossos instintos estão certos. E, mais importante, esse livro me ajudou a recuperar a paixão pela escrita. Estou mais orgulhosa dele do que de qualquer coisa que já tenha produzido — sem contar os humanos que gerei no meu corpo.

Mandei o manuscrito para Barbara antes de enviá-lo para meu editor. Sabia que ela não hesitaria em dizer se sentisse que o Appalachia estava mal representado. “Você está me matando. Tive que cancelar o jantar hoje só para poder ler”, respondeu ela. Depois de algumas correções linguísticas, finalmente entreguei o manuscrito aos editores. Não contei a Barbara que o livro seria dedicado a ela.

 

Mas meu tempo no Kentucky não tinha acabado. Em março, pousei de novo no aeroporto de Lexington. Mesmo sendo tarde, Barbara estava lá para me receber.

Dessa vez, o Kentucky não era um assunto ou um lugar a ser examinado e traduzido para a ficção: era um refúgio. Passei uma semana hospedada naquela cabana. Passeei sozinha, conversei com Barbara durante as refeições e ouvi as apresentações dos músicos que se hospedam na pousada e cantam em troca das refeições.

Fui ficando cada vez mais confortável com o silêncio. Comecei a me alimentar direito (Barbara é uma cozinheira de mão cheia). A grandeza e a beleza da terra e a falta de distrações digitais permitiram que meus pensamentos voltassem a ter alguma ordem. Pensei na força, na bravura e na desenvoltura das mulheres sobre quem tinha escrito, e isso me deu um pouco de perspectiva. Ouvir as histórias das outras pessoas também me ajudou a ver que meus próprios problemas tinham solução. Em meio a isso tudo, também ri muito.

A maioria de nós tem um lugar que nos chama e acolhe quando a alma precisa de um pouco de sustento, e, para identificá-lo, basta que a gente se permita ouvir o chamado. E, para mim, por mais improvável que possa parecer, esse lugar é um pequeno vale no interior dos Estados Unidos. Voltei para casa confiante, com a certeza de que existe um lugar no mundo que sempre será meu porto seguro.

Jojo Moyes

Leia um trecho de Um caminho para a liberdade

testeLançamentos de novembro

Com pouco mais de um mês para o ano acabar, vamos apresentar os últimos lançamentos de 2019 da Intrínseca para você já se preparar e completar a meta de leitura deste ano.

 

Um caminho para a liberdade, de Jojo Moyes

O novo livro da autora de Como eu era antes de você acompanha cinco mulheres que, em uma cidadezinha no interior dos Estados Unidos na década de 1930, administram uma biblioteca itinerante e desafiam o status quo.

Com o compromisso de levar livros para os moradores mais pobres da região, Margery, Alice, Beth, Sophia e Izzy aceitam trabalhar na Biblioteca a Cavalo. À medida que aprendem a cavalgar, percorrem rotas de difícil acesso e enfrentam o preconceito dos mais conservadores, as cinco fortalecem o laço que as une e descobrem mais sobre si mesmas.

Com o passar dos meses, vidas são transformadas pelo conhecimento que as bibliotecárias levam. Mas alguns habitantes veem a biblioteca com maus olhos e alegam que os livros estão propagando péssimos exemplos. Com o projeto em risco, as amigas se questionarão se o poder das palavras será o suficiente para salvá-las.

Essa emocionante jornada, inspirada em uma história real, já está disponível! Leia um trecho.

 

Café da manhã dos campeões, de Kurt Vonnegut

Publicado originalmente em 1973, Café da manhã dos campeões é uma sátira ácida e bem-humorada da sociedade norte-americana, abordando temas como guerra, sexo, racismo, fama e política. O livro foi escrito como uma forma de celebrar o aniversário de 50 anos do escritor que se tornou um dos mais importantes escritores norte-americanos contemporâneos e também como uma despedida de personagens recorrentes em suas obras, como Kilgore Trout.

Kilgore é escritor de livros de ficção científica e um dos protagonistas da história junto com Dwayne Hoover, um simples vendedor de carros que, aparentemente, é um homem normal. Sabemos que Dwayne vai enlouquecer assim que colocar as mãos em um livro de Trout, mas não sabemos como esses dois personagens vão se encontrar.

Em edição capa dura e com pintura trilateral branca, Café da manhã dos campeões fica ainda mais bonito ao lado de Matadouro-cinco, primeiro livro de Vonnegut lançado pela Intrínseca. Leia um trecho.

 

Descender, de Jeff Lemire e Dustin Nguyen

A nova série do autor de Black Hammer se passa em um universo onde robôs gigantes destruíram planetas e civilizações inteiras. Com isso, ao longo dos anos foram estabelecidas políticas de perseguição e extermínio das máquinas.

No primeiro volume, Estrelas de lata, que reúne os fascículos 1 a 6, conhecemos Tim-21, um jovem robô de aparência humana que pode conter em seu código vestígios dos assassinos do passado — o que faz dele o ser mais procurado do universo. Ao lado dos amigos Bandit e Perfurador, ele se aventura por planetas e galáxias, enfrentando inimagináveis perigos com um único objetivo: sobreviver.

Vencedor do Eisner Awards e um dos nomes mais importantes dos quadrinhos, Jeff Lemire nos conduz dessa vez por uma verdadeira odisseia cósmica em que humanos e máquinas ficam frente a frente. Uma guerra que traz uma única certeza: não haverá vencedores.

Leia um trecho.

 

Na raça, de Maria Luíza Filgueiras

Quando perdeu o emprego em sua primeira tentativa no mercado financeiro, Guilherme Benchimol não poderia imaginar que aquele seria o início de uma das mais bem-sucedidas histórias de empreendedorismo do Brasil.

A XP nasceu em uma salinha de 25 metros quadrados em Porto Alegre, graças à persistência de Benchimol: após todos os perrengues no começo da carreira, ele se agarrou à ideia da empresa disruptiva com uma força quase sobrenatural. Para evitar a falência, acumulou funções, comprou e vendeu vale-refeição na porta de fábricas, vendeu o carro, quase quebrou, brigou com sócios… A empresa só começou a dar algum lucro quando seus fundadores passaram a dar aulas de finanças pessoais para potenciais investidores gaúchos. E, desde então, a XP nunca mais parou de crescer.

Dez anos após sua fundação, a empresa iniciou uma revolução, tirando centenas de milhares de clientes dos grandes bancos, mudando a vida financeira de muitos brasileiros e desafiando a concorrência a buscar inovação também. 

A jornalista Maria Luíza Filgueiras narra essa trajetória de sucesso em Na raça, livro que mostra como a XP se tornou um fenômeno do mercado financeiro — desde seu início modesto até se tornar uma empresa que hoje vale dezenas de bilhões de reais — e também como essa história se confunde com a garra e a determinação de Guilherme Benchimol.

Com prefácio de Jorge Paulo Lemann, Na raça chega às livrarias em 26 de novembro.

 

Coleção Jovens Pensadores

“O que você quer ser quando crescer?” Essa pergunta pode ser difícil para alguns, mas não para as crianças da Coleção Jovens Pensadores, que mostram que ninguém é pequeno demais para pensar grande! Os quatro livros da coleção debatem temas importantes em tom irreverente e instigante, incentivando a criatividade e o engajamento das crianças. Contadas por Andrea Beaty em versos rimados e encantadores, que tornam a leitura muito mais divertida, as histórias dessa turma também são lindamente ilustradas por David Roberts, tudo isso em edições de luxo em capa dura com imagens coloridas.

Rita Bandeira, engenheira e Sofia Pimenta, futura presidenta chegam às livrarias em novembro para se juntar a dois outros amigos: Ada Batista, cientista e Paulo Roberto, arquiteto, lançados em outubro.

Rita Bandeira é dona das invenções mais mirabolantes do mundo, mas tem muito medo de fracassar. Até que recebe a visita da tia-bisavó, Rosa, que vai lhe mostrar que na vida o único verdadeiro fracasso é desistir.

Já Sofia Pimenta é uma menina que faz de tudo para ajudar a vizinhança. Sua mais nova ideia é construir um parque. Só que ela logo percebe que não vai ser tão fácil botar seu plano em prática. Todo mundo diz que ela é só uma criança. E quem disse que crianças não podem mudar o mundo?

 

Segredo de justiça, de Andréa Pachá

Após o lançamento de Velhos são os outros, finalista do Prêmio Jabuti 2019, e o relançamento de A vida não é justa, chega ao catálogo da Intrínseca mais um livro da juíza Andréa Pachá, Segredo de justiça.

Conhecida por seu jeito único de transformar realidade em ficção, Pachá se inspira nas situações que viveu durante mais de vinte anos atuando em uma Vara da Família para criar crônicas que falam sobre vida, relacionamento, família, envelhecimento e outros temas que exploram as relações humanas.

Segredo de justiça foi lançado pela primeira vez em 2014 e, junto com A vida não é justa, deu origem à série Segredos de Justiça, exibida no Fantástico e estrelada por Glória Pires. A nova edição do livro, com prefácio exclusivo de Ana Maria Machado, chega às livrarias com nova capa e projeto gráfico a partir de 25 de novembro.

Leia um trecho.

testeSorteio Twitter – Feriado romântico [Encerrado]

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