Cabeça de moça

Certa vez minha irmã mais velha voltou de viagem do interior e anunciou que estava de namorado. A família do pretendente era conhecida da nossa, praticamente vizinhos da casa de vovó, no sertão da Paraíba. Eu tinha doze anos quando soube que o tal rapaz viria em nossa casa para pedir oficialmente minha irmã em namoro pro meu pai, apesar dela já ter seus 18 anos e já ter seu próprio emprego. Eu o odiei à primeira vista, primeiramente por segurar as mãos da minha irmã pra cima e pra baixo, como se ela pudesse se desequilibrar facilmente sem apoiar-se nele, e segundo porque na minha cabeça de criança ele iria levá-la para longe e eu provavelmente só a veria uma vez ao ano, como aos meus avós. Fiz minha melhor careta e disse a ele uns bons desaforos antes de desaparecer pro meu quarto aos beliscões da minha irmã. O namorico não durou muito, as férias acabaram e ele voltou pro interior. Na época não havia essa febre de redes e aplicativos sociais e as ligações telefônicas eram caras. À distância o relacionamento nunca vingou, e o tal namorado virou passado distante rapidamente.
Já moça, depois da minha primeira decepção amorosa, minha família resolveu viajar para o interior para fortalecer os ânimos e rever os familiares na virada do ano, na época eu tinha dezenove anos.
Numa visita à casa dos meus avós reencontrei o namoradinho da minha irmã, ele deveria ter seus vinte e oito anos. Cumprimentou meus pais, conversou um pouco sobre a própria vida e não se surpreendeu ao saber que a mais velha tinha casado e já era mãe. Ao se despedir, discretamente fez uma careta e eu morri de vergonha ao lembrar do que tinha feito anos atrás. Fui deixá-lo no portão e acabamos conversando na calçada de casa, conversa essa que durou horas. Trocamos risos, falamos sobre música, filmes. Até que não sobrou nada a dizer a não ser sobre o clima, e depois somente o barulho dos grilos que anunciavam que já tinha escurecido. Nos beijamos de olhos abertos debaixo do Pau Brasil que ficava na esquina da rua. Não pude deixar de pensar se ele não teria feito isso antes com a minha irmã, e sorri pensando em como a vida era engraçada. Ficamos juntos por apenas três dias. Tempo suficiente para perceber que não era a mim que ele enxergava ao me encher de beijos e segurar a mão. Na realidade eu não gostava do gesto, mas havia algo em mim que tinha se encantado com aquele homem. Algo que até hoje não sei explicar ou talvez fosse somente a quentura do sertão na minha cabeça de moça.