No Espelho

Eu lembro de ter ficado muito nervoso. Nunca havia tido nenhuma experiência homossexual. Nem ao menos pensava sobre isso. Até àquele momento, só havia me envolvido com meninas. Mas, depois de um ano péssimo, alguma coisa dentro de mim queria experimentar. Marquei de encontrar com um menino que havia chegado em mim pelo facebook. Ele me confundiu com outro. Achava que eu era gay. Primeiro, dei um fora nele. Mas depois pensei, porque não? Eu já queria ter no meu currículo pessoas do mesmo sexo, e então pensei, o presente é a única modalidade temporal em que podemos agir, e seu eu quero ter uma relação homossexual para ver como é, deveria ser agora. Lembro que quase não fui. Fiquei muito nervoso. Eu tinha vinte e três anos. O menino com quem eu ia transar, dezoito. Ele havia alugado um quarto em um hotel. Era início de ano, e por isso chovia bastante. Trovejava lá fora. Tive que correr para chegar no hotel. Eu lembro de que na época, eu ficava com medo de alguém me reconhecer e contar para o meu pai. Sempre fui paranoico. Lembro exatamente disso. Entrei no prédio, subi até o andar combinado e bati na porta. Ele me atendeu. Eu juro que isso não é coisa de quem está apaixonado. Não só isso. Ele era lindo. Mas naquele momento, eu ainda não estava apaixonado. Isso seria depois. Eu entrei e como eu estava muito nervoso, comecei a tremer. Ele esticou os braços para e falou: “calma, vem cá”. Eu sempre fui desinibido, então, tratei logo de tirar a roupa. Ficamos lá, nos beijando e passando a mão um no corpo do outro. Depois, ele me chupou. Eu não gozei naquele dia. Fiquei muito nervoso, então não rolou. Não no contato com ele. Mas foi a melhor experiência sexual da minha vida. Eu não sentia exatamente tesão por ele, mas um carinho muito grande. Em um momento, ele estava sentado no meu colo e eu abraçava ele, e nossos corpos se encaixaram um ao outro. Foi nesse momento em que eu olhei para o espelho e vi nosso reflexo. Ele disse “é bonito”. Nesse momento, eu fiquei apaixonado. Horas depois nós dormimos e ele me acordou beijando meu pescoço. Uma semana depois, nós decidimos namorar, mas isso foi no mesmo momento em que ele descobriu que havia passado em uma faculdade longe daqui. Ele foi e nós terminamos. Quando eu revisito essas memórias, lembro de mim pensando ao olhar para a imagem refletida no espelho de que eu jamais esqueceria aquela cena. Tudo isso me dói. Me dói muito, mas talvez seja melhor a dor do que caminhar vazio. O tempo é a substância de que somos feitos. Como disse Heráclito, nunca nos banhamos no mesmo rio, porque as águas corretes que uma vez passaram pelo trajeto mediado pelas margens jamais voltarão naquela mesma formação. E mais importante. Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, porque nós não seremos os mesmos. Estamos em constante mudança em um eterno devir. Sei que nunca mais vou sentir aquela sensação, porque o que eu senti diz respeito àquele momento específico, que irá se perder no tempo como lágrimas na chuva. Por vezes gosto de pensar como um poeta metafísico ou como um relativista: imagino que aquele momento, que vivi a grande história de amor da minha vida no quarto de hotel, está acontecendo e continuará acontecendo em um tempo pretérito, que, por repetição, somos eternos