Sutil Transformação

Juntamente com o ensino médio, fui matriculado em um curso técnico pelo meu pai. Totalmente contra a minha vontade e simplesmente pra ter alguma atividade a fazer no período da tarde, comecei a frequentar as aulas. Logo na primeira semana já era nítido o meu descontentamento com o curso em si, porém a turma, os alunos, foram surpreendentemente amigáveis, inclusive a “turma do fundão” que já tinha se formado logo no primeiro dia de aula. Um desses colegas da turma do fundão me chamou pra sentar mais próximo deles, conversei um pouco, me apresentei e fui apresentado a praticamente todos a volta mas especificamente um deles me chamou a atenção. Ele mantinha o cabelo penteado para cima, levemente caído pra esquerda, usava sempre camisetas de bandas de rock e tinha aquela pulseira com as cores da Jamaica que foram febre por um tempo. Com o tempo ele passou a sentar do meu lado nas aulas; a sentar do meu lado na cantina na hora do intervalo; passou a me convidar pra passar na casa dele depois das aulas, pra tomar café antes de pegar o ônibus pra casa. Nossa amizade ficou maior do que a amizade que tinhamos com o resto do grupo. Logo começaram a nos chamar de casal, era comum ouvirmos piadas de que estavamos namorando e coisas do tipo. Eu não ligava e ficava mega feliz em perceber que ele também não, sempre rindo da situação. Em um dos finais de tarde que fiu a casa dele depois da aula, antes de ir embora, ele me apresentou uma menina, amiga da irmã. Ela era alguns anos mais velha que eu, tinha inclusive uma filha de 1 ou 2 anos, e ele insistiu pra que eu tentasse um relacionamento com a menina. Nessa época eu já não pensava em mais ninguém, além dele, pra ter alguma coisa. Eu torcia pra que as piadas dos colegas se tornassem realidade, eu ficava lembrando dos momentos em que eu tinha tocado a pele dele durante o dia, lembrando de como ele ficava confortável ao meu lado enquanto eu apertava o nó da pulseira que tinha afrouxado, de como ele passava o braço por tras da minha cadeira deixava a mão encostando no meu ombro durante a aula, de como ele não se importava quando eu passava a mão no seu cabelo e pegava na sua orelha. Tudo isso me fazia viajar na ideia de que talvez, la no fundo, ele também percebesse essas coisas. Foi quando ele contou que estava namorando. A menina era de outra cidade, ele costumava vê-la somente nos finais de semana quando viajava pra casa dela. Tive que mentir e dizer que estava feliz por ele. Ele ficou feliz e disse que assim que tivesse oportunidade me alresentaria a namorada. E foi na noite do seu aniversário que ele me aprensentou. Ela era bonita, simpática e parecia gostar bastante dele, assim como ele parecia gostar muito dela. Alguns dias depois, ele me convidou pra viajar com ele pra casa da namorada. Iríamos a uma festa que a cidade promovia todos os anos e pessoas de várias cidades iam pra lá. Aceitei o convite e fomos, nós dois e outros dois amigos. Chegando lá, ficamos na casa da menina com a família durante todo o dia e no início da noite fomos até a casa de outra pessoa que morava mais perto do local da festa. Lembro de estar na sacada da casa, olhando pra rua escura, apenas uma ou outra pessoa passando de vez em quando. Ele saiu da porta e parou do meu lado. Ficamos conversando sobre o dia, sobre algumas pessoas que já tinham bebido demais e estavam fazendo todos gargalharem e enfim ele me perguntou sobre a namorada. “Ela é legal, né?”. Parecia que ele esperava uma aprovação da minha parte. Eu sorri e balancei a cabeça, assentindo. Ele sorriu também, e baixou a cabeça. Ficamos em silêncio por um tempo que pareceu muito, mas que na verdade nao foi mais de 1 minuto, até ela sair pela porta e abraçar ele. Eu me afastei um pouco e fiquei olhando os dois abraçados, ela tocando ele como eu nunca tinha tocado e jamais tocaria. Ela beijou o pescoço dele e depois a boca, e foi nesse momento que ele abriu os olhos e me olhou. Percebeu que eu estava encarando a cena e parou. Ficou entre mim e ela, passou o braço esquerdo em volta da cintura dela e alguns segundos depois, o direito em volta do meu pescoço, puxando minha cabeça pra ficar encostando na dele. Menos de uma hora depois, estavamos todos na festa. Eu não quis ficar junto com ele e a namorada e resolvi caminhar pelo local do evento com os outros dois amigos. Certa hora da noite, encontramos ele chorando porque um primo tinha ido de ambulância pro hospital da cidade depois de beber demais. Decidimos ir até o hospital também pra acompanhar e ver o que aconteceria. Quando todos estavam caminhando em direção a uma das saidas, eu fiquei alguns metros pra trás, olhando ele e eos outros e pensando em tudo o que tinha acontecido. Foi quando ele olhou pra trás e parou. Continuiei caminhando e logo ele estava do meu lado, com todos os outros andando a nossa frente. Ele me olhou por uns segundos, mas eu sempre desviava o olhar, baixava a cabeça. Ele me abraçou, caminhando com um braço no meu ombro. Quando os outros sairam pelo portão, ele me olhou novamente, eu olhei pra ele de volta. Foram apenas uns 3 segundos, e não aguentei mais voltando a olhar pro chão. Ele suspirou, com um leve ar de sorriso e me deu um beijo no rosto, apertado e demorado. Continuamos abraçados até chegar no carro e fomos pro hospital. Foi a última vez que viemos um contato tão próximo e sigo com essas lembranças vivas até hoje.