Nos últimos meses, Miguel Sanches Neto escreveu aqui no blog uma coluna que começou tratando de seu romance A segunda pátria e depois derivou para assuntos relacionados à escrita. Agora, ele se muda para Braga, em Portugal, onde ficará por um ano dedicando-se a um estágio de pós-doutorado sobre a obra de Graciliano Ramos e Eça de Queirós, obrigando-se, assim, a interromper a colaboração. O texto de despedida é um conjunto de 30 aforismos do autor.
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Aqueles que odeiam nunca tiram férias.
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Se apenas uma pessoa desfrutar da beleza ainda assim ela será eterna.
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Revisar um livro de sua autoria é olhar-se minuciosamente no espelho, tentando identificar as imperfeições do próprio rosto.
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Pertencia à espécie dos que nada esperam.
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Ninguém nunca convence aqueles que têm os próprios interesses.
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As terras mais distantes em que estive se chamam infância.
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O memorialista faz turismo em si mesmo.
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Aqueles que não puderam nascer riem de nossos desesperos.
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Faz bem para a carreira literária morrer de tempos em tempos para ter a obra avaliada.
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Os surdos intelectualmente não dialogam.
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Toda e qualquer certeza é uma forma de surdez.
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Há o escritor por insight e o escritor por insistência: um tem uma inteligência felina; o outro, uma inteligência bovina.
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Fazer sempre protestos, primeiro contra nós mesmos.
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Escrever um romance equivale a estar apaixonado por alguém que nos aguarda: queremos voltar quanto antes para casa.
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O protesto pelo protesto é uma forma infantil de enfrentar problemas.
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Só é possível continuar amando uma pessoa enquanto ela tiver espaços não explorados.
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São os livros que escrevemos que, na verdade, nos escrevem.
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Na esfera política, todo monstro se fantasia de vítima.
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Não existe maior protesto do que pensar.
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A literatura não entra em mentes literais.
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A situação ideal do leitor é viver internado. Em si mesmo. Na biblioteca. No próprio quarto.
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Não confundir preguiça com paciência nem dedicação extrema com pressa. Todo artista tem um ritmo que o inventa.
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Nossa maior responsabilidade é com nossa vocação primeira. Não cultivá-la seriamente é um crime de lesa-pátria. A nossa pátria interior.
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É preciso fazer política sem se fazer político.
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Em textos literários, o uso de Photoshop é liberado.
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Afirmação de identidades problemáticas:
No vidro traseiro de um carro ferrugento, o proprietário escreveu: SOU POETA.
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Alguns escritores param de escrever ou começam a se repetir na maturidade talvez por se desinteressarem pelas gerações mais jovens.
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O tempo desenha em nosso rosto as sombras de um morto.
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Toda obra de arte é financiada pela dádiva.
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Ter poucas paixões mas intensas, para que uma vida seja suficiente.
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