Por Nina Lua*
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Xícara de porcelana da primeira fábrica do Ocidente, c. 1815
Nós costumamos encarar a história da humanidade como uma sucessão de grandes acontecimentos e marcos importantes. Mas e se pensássemos que, na verdade, o mundo de hoje é consequência de atos e decisões de indivíduos como nós, com interesses, gostos e sentimentos únicos? É isso que Edmund de Waal faz em O caminho da porcelana. Assim como no best-seller A lebre com olhos de âmbar, o autor parte de um assunto aparentemente restrito para falar de algo bem maior: como a obsessão das pessoas pela arte, pela riqueza e pelo poder engendrou transformações através de séculos e continentes.
De Waal começa por sua própria história. Além de escritor, ele é artista plástico. Teve a primeira experiência com cerâmica aos cinco anos, quando acompanhou o pai a uma aula de artes. Ali nasceu seu primeiro pote e a obsessão de uma vida inteira. Essa tigela era de argila marrom, do tipo com que costumamos brincar na infância, mas foi pintada de branco. A história de De Waal com o branco teve uma reviravolta na adolescência, quando ele descobriu a porcelana. Seguiram-se vários anos de tentativas (na maioria frustradas) de produzir peças que fossem capazes de gerar dinheiro para que ele se sustentasse e, ao mesmo tempo, trazer satisfação, um sentido para a vida, um senso de propósito. De Waal define melhor do que ninguém essa busca: “Guardo comigo cada ajuste emocional pelo qual passei enquanto aprendia a fazer algo que eu fosse capaz de amar.”
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Detalhe da exposição breathturn, de Edmund de Waal, 2013
O amor — ou a obsessão — do autor com a porcelana o leva a uma jornada para explorar a história desse material tão precioso. A viagem começa na China, onde a porcelana foi criada há um milênio, e se estende por lugares como a Itália, a França, a Alemanha, a Inglaterra e os Estados Unidos. Ao longo do caminho, De Waal encontra histórias que ilustram o melhor e o pior da humanidade. Por exemplo, na China, o imperador Yongle, que reinou entre 1402 e 1424, ascendeu ao poder usurpando o trono do sobrinho e assassinando toda a corte, em um verdadeiro banho de sangue. Para se purificar, e acreditando que o branco faria com que as almas daqueles que tinha matado subissem mais depressa aos céus, ele encomendou uma quantidade abissal de porcelana, erguendo um pagode gigantesco feito do material.
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Xilogravura chinesa mostrando a preparação de moldes de porcelana, 1815
Praticamente todos os grandes comandantes do mundo encararam a porcelana como um símbolo de status. Luís XIV, Mao Tsé-Tung, Stálin — todos usaram a porcelana para atestar seu poder. Na Alemanha nazista, prisioneiros de um campo de concentração eram obrigados a fabricar pequenos objetos de porcelana para que os líderes do partido presenteassem uns aos outros — soldadinhos, cervos, coelhinhos, cachorrinhos.
![WARSZAWA. SKLEP Z PORCELANA FIRMY "SS-PORZELLAN-MANYFAKTUR ALLACH" W MONACHIUM. ADM SYG II-7131 NR. NEG. R 16319](http://www.intrinseca.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/05/p.355-Allach-porcelain-shop-Warsaw-1941.jpg)
Loja de porcelana Allach, que vendia peças produzidas por prisioneiros de um campo de concentração, 1941
A história da porcelana acompanha os fluxos do poder, mas também tem a ver com a genialidade de indivíduos. Durante séculos, apenas a China sabia o segredo para a fabricação do material. Mas tudo mudou na Alemanha do século XVII. Certo dia, surgiram rumores de que um jovem aprendiz de boticário, Johann Friedrich Böttger, tinha conseguido criar ouro a partir de outras substâncias. Fascinado pelo boato e com a intenção de encher os cofres, o rei aprisiona o rapaz e ordena que ele repita a façanha. Anos se passam sem qualquer sucesso, até que, junto com um matemático chamado Ehrenfried Walther von Tschirnhaus, Böttger consegue criar não ouro, mas porcelana. É o suficiente para o rei.
E assim surge a primeira fábrica de porcelana no Ocidente. De Waal vai à Alemanha e vê uma das primeiras peças criadas pela dupla de alquimistas. Com ela nas mãos, resume o sentido de seu caminho da porcelana: “Assim é o mundo. Pode ser explicado, mas continua sendo extraordinário. Em minhas mãos, há uma xícara branca. É modesta, mas este é meu momento alquímico, o instante no qual, pela primeira vez, tenho clareza sobre como uma ideia se concretiza.”
Ficou fascinado pela jornada inusitada de De Waal e quer mergulhar em seu relato sobre como a paixão e a obsessão mudaram vidas e transformaram o mundo? Então leia O caminho da porcelana, lançamento de maio da Intrínseca.
* Nina Lua é editora assistente de livros estrangeiros da Intrínseca.
Adorei saber mais sobre a porcelana.
?
Gostei
gostaria de ler o livro