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Aumente o volume, se tiver coragem!

2 / agosto / 2017

Por Pablo Amaral Rebello*

1, 2, 3, 4…

A primeira nota invade o vazio, dissonante, repleta de energia e de uma eletricidade maligna. Ela traz as nuvens negras que se acumulam no céu, prenúncio da tempestade que está por vir. Uma mente sã buscaria abrigo, mas algo no estranho som nos leva a seguir os acordes, procurando descobrir aonde eles nos levarão, sem percebermos a armadilha em que estamos entrando até que seja tarde demais para nos salvarmos.

Do mesmo modo que uma boa música de rock te pega pelo ouvido, o novo livro de Josh Malerman, Piano vermelho, agarra a atenção do leitor desde as primeiras palavras e o deixa petrificado, eliminando qualquer possibilidade de fuga. Não há escapatória. Apenas um Caminho (assim mesmo, com C maiúsculo) a seguir. Pelas ruas sórdidas de Detroit ou pelos vastos desertos da África. Por alas sombrias de hospitais suspeitos ou por labirintos subterrâneos onde habitam as trevas e coisas que não deveriam existir.

Josh Malerman é um autor que gosta de mexer com as sensações dos leitores. Em Caixa de pássaros, ele nos trancou com seus personagens em um mundo repleto de sombras onde o menor vislumbre do que acontecia ao redor poderia provocar uma morte terrível. É um livro cheio de sutilezas e de sugestões sinistras, como a tensão de acompanhar uma mãe e seus dois filhos descendo um rio de olhos vendados, em que o suspense cresce a cada virar de página.

 Em Piano vermelho, o autor mantém sua pegada sensorial ao mesmo tempo que apresenta uma trama muito mais alucinada e carregada de adrenalina, como em um bom show de rock. A trama gira em torno de Philip Tonka, um músico que sobreviveu milagrosamente a uma experiência traumática e assombrosa, deixando médicos e especialistas atônitos, sem respostas para o que lhe aconteceu. E, mesmo se lembrando, o rapaz permanece no escuro sobre o que realmente ocorreu e o que se esconde embaixo das areias do deserto.

No passado, a história segue os passos da banda The Danes, que após uma curta temporada nos braços da fama está de volta ao ostracismo, encalhada em um estúdio de Detroit, sem criar nada de novo, apenas gravando os sons de novas bandas. Tudo muda quando os músicos recebem uma visita do Exército dos Estados Unidos. Ao que parece, existe um som bizarro, de alto poder destrutivo, escondido em algum lugar do sudoeste da África. Os militares acreditam se tratar de uma arma poderosa, capaz de vencer qualquer conflito armado, e querem recrutar os músicos como especialistas para localizá-la. Sem nada melhor para fazer, e sentindo o gosto de aventura no ar, os rapazes aceitam a missão. E, claro, alguma coisa dá muito errado e só o assombrado Philip Tonka pode descobrir a verdade.

 

 

A divisão do livro entre passado e presente segue a fórmula utilizada pelo autor em Caixa de pássaros e serve tanto para atiçar a curiosidade do leitor quanto para aprofundar os tormentos do protagonista, perseguido pelo que aconteceu na África e pelas perguntas que ficaram sem resposta depois da malfadada missão. Onde estão os outros Danes? Foi tudo real? Ou uma alucinação? No entanto, o ritmo da história é acelerado, com menos sutilezas e mais pirotecnias do que se poderia esperar em um primeiro momento. E não seria para menos, uma vez que o livro pode ser lido como uma carta de amor para o rock’n’roll e a vida desregrada de seus músicos.

Para quem não sabe, além de escritor, Josh Malerman é vocalista da banda The High Strung, o que demonstra que seu conhecimento a respeito do estilo de vida musical é muito mais prático do que teórico. Talvez por isso seja possível enxergar Philip Tonka, Duane Noles, Larry Walker e Ross Robinson como mais do que peças rodando nas engrenagens azeitadas do Exército americano. Eles são músicos, de espírito libertário, e ingênuos o bastante para caírem na armadilha do Tio Sam. Daí vem a importância que a banda adquire ao longo da trama, sempre presente na mente do protagonista e de personagens coadjuvantes, como a enfermeira Ellen.

 

 

Piano vermelho apresenta um autor mais solto, disposto a abraçar a anarquia da Criação (sim, com C maiúsculo também) e a se perder pelo Caminho, com o ouvido sempre atento aos menores ruídos e pistas capazes de levá-lo às respostas que procura. Pode ser que nada dê certo no final. Pode ser que tudo seja em vão. Mas existe a certeza de que, no meio de toda cacofonia e dos acordes estridentes, seja possível encontrar aquela poesia suja e fugidia que produz as melhores canções.  

Mas se você ainda não está convencido da capacidade de Josh Malerman em surpreender os leitores, aqui vai uma pequena história da passagem do autor pelo Brasil. E, não, não é algo que aconteceu com um amigo de um amigo meu. Foi um fato que presenciei em primeira mão, quando trabalhava na Intrínseca e dei a sorte de assessorá-lo durante a Bienal do Livro Rio, em 2015. “Terminei de escrever hoje a primeira versão do meu novo livro”, confidenciou Josh na porta da editora. Os olhos dele brilhavam como os de uma criança que acabou de aprontar e está louca para ver no que aquilo vai dar. “Acredito que esse vai fazer barulho!”

Achei bacana, conversamos um pouco sobre Piano vermelho (embora o livro ainda não tivesse um título definido na ocasião), mas não muito. Não estávamos ali para isso. O autor decidiu fazer uma visita de cortesia à editora e conhecer as pessoas que trabalharam em Caixa de pássaros. Todos o adoraram. Tiraram fotos, pegaram autógrafos, contaram piadas. Apenas outro dia de trabalho. Pelo menos, até a hora em que ele entrou no elevador e nos deixou. Passaram-se menos de cinco minutos e todas as luzes do prédio se apagaram, assim como a maioria dos computadores. Queda de energia total. Fomos deixados no escuro.

Alguém lembrou que Josh poderia ter ficado preso no elevador e me pediram para checar se estava tudo bem com ele. Mandei uma mensagem para o autor: “Cara, as luzes se apagaram assim que você saiu. Você não ficou preso no elevador, ficou?” Poucos minutos depois, veio a resposta, “Não”, seguida de “Caramba” e para concluir “Não imagino maneira melhor de sair de cena. ;)” Como disse antes, às vezes a realidade é mais estranha do que a ficção. E não tenho dúvidas de que, de vez em quando, as duas trabalham numa sintonia fina.

=> Leia um trecho de Piano vermelho

 

*Pablo Amaral Rebello escreve um pouco de tudo e de tudo um pouco. É autor de Os Lugares do Meio (https://youtu.be/UciL67mEJuQ), Deserto dos desejos (https://goo.gl/ssj4iJ) e diversos contos publicados em coletânea. Trabalhou nos jornais O Globo, Correio Braziliense e na Editora Intrínseca.

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