testeComo frustrações e preconceitos podem destruir uma família

Por Luana Freitas*

A partir da trágica história de uma menina morta, Tudo o que nunca contei revela os segredos mais bem guardados de uma família de ascendência chinesa nos Estados Unidos na década de 1970

Eu adoro trabalhar no texto dos livros, pois cada um é um mergulho ímpar em uma nova realidade e traz uma série de descobertas. O último que me deixou fascinada foi Tudo o que nunca contei, de Celeste Ng (autora também de Pequenos incêndios por toda parte). Como o título já entrega, ele é centrado em uma série de segredos que sustenta a tensa relação de uma família. Tudo é permeado de silêncios, omissões e até fingimento. Quando Lydia, a filha preferida do casal Lee, some e depois se descobre que ela está morta, o tênue equilíbrio que mantinha o véu de suposta harmonia da família se desfaz, e agora cada um empreende sua busca por respostas sobre quem realmente era a adolescente e o que poderia tê-la levado a assumir um comportamento tão perigoso que culminou na sua morte.

Mas há um detalhe importante aqui: a história se passa na década de 1970, então estamos falando de uma investigação pré-revolução da telefonia celular e outras tecnologias. Nada de Instagram, Facebook e troca de mensagens de WhatsApp para tentar descobrir qual de fato era a personalidade de Lydia e com quem ela mantinha contato. Nada de celular com GPS para rastrear seus últimos movimentos. Câmeras em ruas e lojas que pudessem registrar seu comportamento e humor? Esqueça.

Também há uma questão de suma relevância para o drama de nossos personagens: James Lee, pai de Lydia, é filho de chineses chegados ilegalmente aos Estados Unidos. Apesar de ser americano, ele carrega consigo o peso do preconceito contra asiáticos na década de 1970 e a dor de nunca se sentir integrado, aceito. São os risos e dedos apontados na rua, a promoção que não veio, a necessidade de se casar em um estado que não considere crime a união de pessoas de raças diferentes. Isso porque Marilyn, sua mulher, é branca, a típica menina americana da década de 1970, criada para ser uma boa dona de casa, esposa e mãe — lembremos que nessa época a presença da mulher no mercado de trabalho ainda não era algo comum. Só que Marilyn tem um sonho: ser independente, ter uma carreira de sucesso como médica. E ela quase chegou lá: conseguiu entrar para a faculdade, estava se dando bem nas disciplinas, mas justo quando faltava pouco para se formar ela se vê grávida.

Crédito: Kevin Day

Isso tudo faz de Lydia, a filha do meio desse casal com uma história tão conturbada, alguém que precisa encontrar estratégias para lidar com o fato de ser diferente em uma época especialmente cruel com aqueles que não se enquadravam no padrão americano de aparência — e em uma fase da vida por si só complexa: a adolescência. Como se isso não bastasse, ela se vê obrigada a compensar os pais pelas frustrações, anseios e inseguranças que cada um carrega, violentando a própria identidade na tentativa de ser quem eles desejam que ela seja.

Para mim, a grande surpresa do livro foi descobrir que ele não é exatamente um thriller: não importa tanto quem ou o que matou Lydia e logo na primeira linha o leitor já sabe que ela está morta. O interessante é acompanhar a dinâmica que compõe essa família, ver como as relações e principalmente o background cultural da época moldaram cada personagem, levando-os à ruína. Se há medo aqui, é o de se identificar com algumas dores dos personagens, já que eles sofrem visceralmente com questões que nos afligem ainda hoje, como aceitação, integração, a pressão gerada pela expectativa dos outros e, o pior, o temor de descobrir que o sonho que o mantém vivo, aquilo que se acredita determinar quem você é, não passa de ilusão, apenas faz de você um ridículo.

*Luana Freitas é editora assistente de ficção e não ficção estrangeiras. Estuda tradução e até hoje se espanta com o universo de descobertas que faz ao trabalhar com livros.

testeLançamento de A verdade é teimosa no Rio de Janeiro

Fotos CRISTINA GRANATO

A jornalista Míriam Leitão lançou A verdade é teimosa: diários da crise que adiou o futuro na Livraria da Travessa Leblon, no Rio de Janeiro. A noite de autógrafos reuniu leitores, convidados e amigos da autora.

Em seu novo livro,  Míriam examina os antecedentes que levaram à recessão, à desordem fiscal e à inflação, bem como aos momentos mais agudos da crise econômica em si, em mais de cem colunas publicadas em O Globo entre 2010 e 2016.

Confira a galeria de imagens do evento. Fotos de Cristina Granato.

testeMulheres, uni-vos!

Por Fabiane Pereira*

“Precisamos ver experiências de mulheres reais, mesmo que isso envolva violência doméstica, assédio sexual, romance, infidelidade ou divórcio.” Esta declaração foi dada pela atriz e produtora Reese Witherspoon numa coletiva de imprensa recente do Television Critics Association.Para quem não está ligando o nome à pessoa, Reese já levou um Oscar e um Globo de Ouro, além de ter estrelado incontáveis filmes icônicos — como nosso guilty-pleasure preferido, Legalmente Loira.

Com atuações marcantes e um discurso engajado, Reese Witherspoon também faz parte do projeto Pequenas grandes mentiras, que reúne várias mulheres talentosíssimas. O livro foi escrito pela australiana Liane Moriarty e já na semana de lançamento tornou-se best-seller do The New York Times. A obra foi adaptada para a TV pela HBO e a série estreia no domingo, 19 de fevereiro. Com 7 episódios, Big Little Lies conta com a produção de Reese e Nicole Kidman que, com Shailene Woodley, Zoë Kravitz e Laura Dern fazem parte do elenco. Resumindo, uma série baseada num livro escrito por uma mulher sobre os dilemas das mulheres e realizada por mulheres preocupadas com uma questão primária: igualdade entre os sexos.

No livro e na série, acompanhamos a história de três mulheres, todas mães, que, aparentemente, têm vidas perfeitas. Até que um dia um assassinato abala suas rotinas e aquela perfeição torna-se um suspense sombrio cujo enredo prende o leitor/espectador.

 

A revolução feminina

O mundo está mudando. Pesquisas divulgadas pelo Facebook apontam que a maior parte dos compartilhamentos são feitos por mulheres, e uma das razões, ouso dizer, é porque o protagonismo feminino veio para ficar.

Inclusive, várias atrizes de Hollywood — algumas das personalidades mais conhecidas do planeta — têm se posicionado diante das questões de direitos das mulheres. Um deles é o “lugar de fala”, conceito que representa a busca pelo fim da mediação: cabe às mulheres falarem por si, como protagonistas de suas próprias histórias e lutas.

Beyoncé e Madonna, divas da música pop, aproveitam qualquer oportunidade midiática para empoderar outras mulheres através de seus discursos engajados. O mesmo se dá com atrizes do primeiro escalão do cinema mundial: Reese Witherspoon, Patricia Arquette, Emma Watson, Meryl Streep e tantas outras.

Estas mulheres representam milhares de outras no mundo todo quando pedem que sejamos tratadas da mesma forma que os homens, tendo os mesmos direitos, principalmente no que diz respeito aos salários e às oportunidades. Para todas estas mulheres, o feminismo não deve ser uma luta apenas das mulheres porque ser feminista não significa nada mais do que querer a igualdade entre os gêneros.

 

Protagonismo em Pequenas grandes mentiras

Aos 40 anos, a atriz e produtora Reese Witherspoon tem uma trajetória muito bem-sucedida na defesa da participação e do empoderamento das mulheres em Hollywood, um mercado extremamente machista. A artista já declarou inúmeras vezes que por décadas foi a única mulher no set de filmagem.

Por este engajamento, a Otter Media, empreendimento parceiro da AT&T e do The Chernin Group, propôs à atriz que criassem, juntos, uma nova empresa multimídia, a Hello Sunshine, que produzisse conteúdo feito por e para mulheres. Reese atuará na Hello Sunshine por meio de sua produtora, a Pacific Standard, que já esteve envolvida em projetos como os filmes Livre e Garota Exemplar, ambos dando voz às questões femininas.

No Brasil, centenas de mulheres do meio artístico têm participado com frequência de debates públicos para discutir os melhores caminhos para ampliar a participação feminina no setor audiovisual, na literatura e nos palcos.

A verdade é que já caminhamos muito, mas a estrada ainda é longa. Por tudo isso: mulheres, uni-vos!

Fabiane Pereira é jornalista, pós-graduada em Jornalismo Cultural pela ESPM e em Formação do Escritor pela PUC-Rio. É mestranda em Comunicação, Cultura e Tecnologia da Informação no Instituto Universitário de Lisboa. É curadora do projeto literário Som & Pausa e toca vários outros projetos pela sua empresa, a Valentina Comunicação. Foi apresentadora do programa Faro MPB, na MPB FM.

testeConfira a capa de Somos todos extraordinários

Os fãs de Extraordinário já têm data para matar as saudades de Auggie. Em 28 de março, a Intrínseca publica Somos todos extraordinários, livro escrito e ilustrado por R. J. Palacio. A obra resgata os elementos da história original, sobre um menino com deformidade facial que começa a frequentar a escola pela primeira vez, e insere os personagens em um mundo que representa a imaginação do menino.

Designer e desenhista, Palacio conta que sempre teve o sonho de ilustrar o próprio livro infantil. Ela se baseou na imagem da capa de Extraordinário, que traduz a imaginação de leitores de toda parte, para criar o universo de Auggie — “um garoto comum com um rosto incomum” — e sua fiel cachorrinha, Daisy.

A história de Extraordinário chega aos cinemas neste ano, com Julia Roberts, Jacob Tremblay, Owen Wilson e Sonia Braga no elenco.

testeMorcegos ressuscitam borboletas?

Esse é o título do último capítulo de Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma. O livro narra, passo a passo, como o Brasil chegou à gravíssima crise econômica dos últimos dois anos valendo-se da dramática história do inseto do sul da Inglaterra como metáfora para o crescimento brasileiro. Nos anos 1970, a borboleta-azul desapareceu de seu habitat natural devido a uma série de intervenções do governo britânico para proteger as lavouras de uma infestação de coelhos. Tais medidas bagunçaram o frágil e complexo ecossistema, levando à extinção do animal. Entre 2011 e 2014, as ações econômicas promovidas pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff desordenaram o frágil ecossistema econômico brasileiro, levando à extinção o crescimento. A obra analisa de que maneira foram sendo destruídos os pilares da economia brasileira, traçando como chegamos à atual situação de completo desarranjo.

Embora o livro trate dos anos Dilma, o último capítulo aborda o afastamento da presidente, a crise política e as chances de que os morcegos liderados por Michel Temer — os homens brancos de ternos pretos de Brasília — fossem capazes de estancar a terrível recessão e a alta do desemprego que tomaram conta do país. O desafio não era pequeno. Eis um trecho do livro:

Economistas valem-se de artifícios diversos para medir o bem-estar de diferentes sociedades: do PIB à distribuição de renda, dos subjetivos “índices de felicidade” ao concreto índice de desenvolvimento humano. Do mesmo modo, há formas de medir o mal-estar, a malaise que assolava (e continua a assolar) toda a população brasileira, principalmente a classe média vulnerável […]. O índice de mal-estar, ou Misery Index, foi criado pelo economista americano Arthur Okun com o intuito de medir a qualidade de vida do cidadão médio de um país. Trata-se de um indicador simples, da soma entre a taxa média de inflação de determinado período com a taxa de desemprego do mesmo período.

Em 2015, o índice de mal-estar no Brasil chegara a 19,7, quase o dobro do que se viu em 2014, sobretudo por causa da alta inflacionária. Hoje, o índice de mal-estar soma 17,3 — a queda reflete a forte redução da inflação. A taxa de desemprego, contudo, subiu dos 9% para os 12%, e nesse nível permanece. Eis, portanto, a falácia do índice de mal-estar: o poder de compra pode ter melhorado com a redução da inflação de 10,7% para 5,3% entre 2015 e o início de 2017. Se a pessoa está desempregada, porém, de nada adianta a melhora do poder de compra.

Outro dia me disseram: “As pessoas vão sentir a melhora da economia brasileira quando a taxa de desemprego parar de subir.” Ao ouvir isso, pensei: “Quer dizer que se meu interlocutor perdesse o emprego e assim permanecesse ficaria satisfeito porque, mesmo estando desempregado, não há número crescente de desempregados à sua volta?” É evidente que tal colocação não faz o menor sentido. A melhora da economia será percebida pela população não quando a taxa de desemprego parar de subir, mas quando começar a cair, isto é, quando meu suposto interlocutor desempregado finalmente conseguir trabalho. Mas os morcegos enturvecem a visão. Querem inventar borboletas-azuis de suas negras asas, como alquimistas da realidade. A realidade está difícil.

Até o momento, não há resposta para o título do capítulo e da coluna.

testeCenas que me fizeram suspirar ou que me deixaram #chateada em Cinquenta tons mais escuros

Por Nina Lopes*

Como boa fã de Cinquenta tons de cinza, esperei ansiosamente pelo segundo filme. Portanto, assim que estreou, corri para marcar uma sessão de cinema com vários amigos. Chegando lá, pegamos nossa pipoca (afinal de contas, Grey gosta que a gente esteja sempre alimentada) e nos preparamos para curtir a sequência de uma das histórias de amor mais emblemáticas dos últimos tempos.

Confesso que adorei o filme, mas minha expectativa também era muito alta e fiquei um pouco frustrada com alguns detalhes. Não podia ser diferente, pois tudo o que envolve o Grey é polêmico, e a gente gosta mesmo de babado e confusão!

Segue abaixo uma pequena lista com os altos e baixos do filme, com base apenas na minha opinião. Aproveitem também para comentar e dizer o que amaram ou não no filme!

Cinquenta tons de alegria plena:

  1. A cena do pedido de casamento. Que cenário mais romântico! Minha deusa interior ficou boquiaberta.
  2. Christian Grey malhando. Não, não a cena que aparece no trailer. A que ele está no cavalo com alças. Multiplica, senhor!
  3. O embate de Anastasia com as inimigas: a ameaça de Leila, que dá um tom realmente assustador ao filme, e a cena em que Ana diz as verdades que Elena precisa ouvir.
  4. As revelações de Christian sobre seu passado. Adoro ver o lado sensível dele. Ai, assim meu coração não aguenta!

 

Cinquenta tons de esperava mais:

  1. Estou até agora me perguntando por que Christian Grey não conseguia tirar aquela calça jeans…
  2. As cenas de conflito duram muito pouco. No livro, os obstáculos que os dois precisam superar parecem muito mais desafiadores. Caprichem mais nas tretas, gente!
  3. A cena do sorvete de baunilha ficou de fora para a nossa tristeza.
  4. Os diálogos dos protagonistas no primeiro filme tinham mais comentários irônicos e bem-humorados. E nós amamos o lado sarcástico de Grey!

 

*Nina Lopes é editora assistente no setor de ficção da Editora Intrínseca e é dessas que se apaixonam pelos personagens dos livros que lê.

testeComo Cinquenta tons de cinza nos trouxe liberdade

Por Nina Lopes*

Cinquenta tons de cinza foi lançado em 2012. Em 2017, a adaptação cinematográfica do segundo livro da série acabou de chegar aos cinemas. Ou seja, cinco anos depois Grey continua com tudo. Porque, vamos combinar, ele é eterno, doa a quem doer. E para entender um pouco melhor sobre sua permanência nas listas de mais vendidos e a importância dessa obra é preciso voltar um pouco no tempo.

Vamos começar no Antigo Regime, que cobre um período entre os séculos XV até início do XVIII. Nessa época, os livros com conteúdo erótico não tinham permissão da Igreja e do Estado para serem publicados, portanto eram vendidos de forma clandestina. As poucas escritoras femininas preferiam o anonimato e o uso de pseudônimos para evitar o julgamento alheio e a perseguição que sofriam caso assumissem a autoria. Inclusive, elas eram consideradas incapazes de descrever cenas sensuais com a mesma precisão que os homens. Acreditavam que só eles entendiam do assunto e por isso eram os únicos aptos a escrever sobre o tema. Chocante, né?

Já no século XVIII, as mulheres tinham muito tempo livre em casa e gostavam de ler romances. Nesse momento, o gênero já sofria críticas por ser uma leitura de diversão. No século seguinte, o romantismo se expandiu com a chegada dos folhetins e passou a ser chamado de “literatura de massa”, atingindo as camadas populares. Mas nem tudo é fácil e a crítica não deixava barato, afinal de contas a elite intelectual não aceitava ter a mesma preferência literária que os emergentes.

A temática do sexo já fazia sucesso, mas esses livros eram chamados de “romances para homens”. Não era bem-visto que as mulheres lessem essas histórias, pois eram consideradas má influência. Mas elas não eram bobas e compravam escondidas ou liam o exemplar do marido enquanto ele não estava em casa. Contudo, era impensável assumir que gostavam desse gênero ou ler esses livros em público.

No século XX, a sexualidade foi incorporada pelo capitalismo para gerar lucro. E a mulher, nesse novo contexto, passou a ser vista como objeto sexual, sem voz ativa. Mas nem tudo estava perdido e no final do século conquistamos a libertação feminina, e a literatura erótica passou a ser majoritariamente produzida por mulheres. Porém, essa produção ficava confinada aos livros de bolso vendidos em bancas de jornal, nada de destaque nas vitrines das livrarias ou aposta nos catálogos das editoras. E foi só no século XXI que Cinquenta tons de cinza tirou a literatura erótica desse “esconderijo” e a colocou sob os holofotes.

Portanto, fica claro que o obsceno na literatura sempre foi condenado e repreendido. Além disso, a visão do homem era predominante. A produção feminina começou tarde e enfrentou desafios, e quem quebra paradigmas é sempre criticado. A crítica mantém sua postura, afinal não quer perder a autoridade intelectual. Mas já está na hora de entender que o público leitor é heterogêneo.

Foi com a coragem de autoras como E L James que conseguimos transgredir uma repressão que durou muito tempo, nos permitindo alcançar a liberdade que temos hoje. Cinquenta tons de cinza retrata o momento em que vivemos ao contar uma história romântica moderna, com as mulheres assumindo a autoria, as fantasias e lendo textos eróticos em público.

Acima de tudo, E L James decidiu contar uma história de amor. O problema é que o prazer e o amor são simples, e por isso mesmo desprezados. Mas não só no campo literário, como em outros aspectos da vida, o ato de espalhar o amor precisa ser mais valorizado. Então, que chorem as inimigas, que chorem os críticos, eu tenho muito orgulho de fazer parte da geração que dá voz às mulheres, que coloca uma escritora falando tão abertamente sobre amor e sexo no topo das listas de mais vendidos do mundo todo. Segue o show, Grey!

 

*Nina Lopes é editora assistente no setor de ficção da Editora Intrínseca e é dessas que se apaixonam pelos personagens dos livros que lê.

testePais, autismo e livros, muitos livros

Como os títulos de todos os capítulos de Meu menino vadio: a história de um garoto autista e seu pai estranho são citações de canções brasileiras, pensei escrever um que se chamasse O muito que eu li, o pouco que eu sei. O verso é da música “Mensagem de amor”, de Herbert Vianna. Não escrevi.

O título seria exagerado, pois não li tanto assim sobre autismo. Aliás, li bem menos do que deveria. Fiz, no entanto, o mesmo que muitos pais após receberem o diagnóstico: fui caçando informação às cegas na internet e comprando livros só pelo título — não importava se a abordagem fosse psicanalítica, comportamental ou mesmo espírita.

Caí em muitas arapucas, mas encontrei obras que se mostraram fundamentais para eu começar a entender meu filho. Entre elas, estão Uma menina estranha, autobiografia de Temple Grandin; dois de Oliver Sacks nos quais há capítulos sobre autismo, Um antropólogo em Marte e O homem que confundiu sua mulher com um chapéu; e o romance O estranho caso do cachorro morto, de Mark Haddon.

Por vezes, deparei com livros otimistas demais — ao menos para meu gosto —, como Brilhante, de Kristine Barnett; ou pessimistas demais — até para meu gosto —, como Sinto-me só, de Karl Taro Greenfeld.

Depois de alguns anos, bateu cansaço. Eu andava sem esperanças de ler algo que voltasse a me sacudir quando, em 2015, recebi a indicação de Cartas de Beirute, de Ana Nunes. Trata-se de um livro que influenciou decisivamente o Meu menino vadio. Além dele, claro, há Longe da árvore, de Andrew Solomon, obra monumental que tem um dos capítulos dedicado ao autismo.

Faço, sem constrangimento, propaganda de dois títulos da Intrínseca. O que me faz pular, do adolescente japonês Naoki Higashida, é um relato pungente produzido com a ajuda de um alfabeto de papelão. Aonde a gente vai, papai? é um livrinho repleto de sarcasmo escrito pelo francês Jean-Louis Fournier, pai de dois meninos com deficiência.

Para quem está no início da jornada, recomendo que, antes de estourar o cartão de crédito comprando tudo o que aparecer, faça duas coisas: respire e peça orientação. Ler muito é importante sempre, mas ler bons livros é mais importante ainda. Do pouco que li, é o muito que sei.

testeQuatro razões para ler o thriller A viúva

Por Pedro Staite*

A vida pacata de Glen e Jean foi invadida por um crime imperdoável. E ele é o principal suspeito. “Ela não sabia de nada?” — é o que todo mundo se pergunta.

A gente ouve histórias de família, de casamentos que atravessaram décadas, e percebe que os segredos que nascem com o tempo são praticamente um isolante entre duas pessoas que se amam ou se amaram… mas que se odiariam se soubessem de tudo.

Esse é o primeiro ponto que faz de A viúva, de Fiona Barton, um livro sensacional:

 

Um casamento amoroso e mentalmente violador

Glen e Jean são casados há vinte anos. Ele faz sucesso no trabalho, tem uma lábia afiada, é o “inteligente” do casal. Ela, relegada a uma vida simplória, venera o marido e acata suas decisões como se obedecesse a um pai, como se tivesse um ente sagrado que faz as vezes de marido.

Ela descobre alguns gostos absurdos de Glen, umas coisas que “acidentalmente” apareceram no computador dele. Mas ela foi acostumada a duvidar de si mesma, em grande parte porque o marido, um exemplo da manipulação psicológica (que conhecemos também como gaslighting), sempre se impôs como o racional da dupla. Ela viu, sentiu e percebeu, mas a força exercida pela autoridade do marido a impede de formular qualquer coisa. A gente se convence também, a dúvida do leitor é genuína. Ela talvez esteja “doida”, ela “sabe que ele não é assim”. Até que, em um dia de junho de 2010, ele morre (se fosse spoiler, o livro não se chamaria A viúva, eu juro).

 

Os personagens são ao mesmo tempo realistas e carismáticos

O mote que conduz o livro é o desaparecimento, em 2006, de Bella, filha pequena de uma jovem mãe chamada Dawn. O principal suspeito desse crime é Glen. No entanto, o livro se baseia nos pontos de vista de outras três pessoas: Jean (a viúva de Glen), Kate (a repórter que mais se destaca na cobertura da história) e Bob (um policial de meia-idade que mergulha com obsessão no caso).

Nosso mundo cheio de bizarrices nos leva sempre a escolher mocinhos e vilões. Mas todos os pretensos “mocinhos” de A viúva carregam particularidades, como os seres humanos em si.

Jean, ao mesmo tempo que descobre a força para tocar a vida, acusa Dawn publicamente, declarando que a mãe da criança desaparecida é uma aproveitadora e uma relapsa que não tomou conta direito da filha. Kate leva a sério a cobertura do caso, mas se aproxima de Jean com o interesse puro e questionável de saber o que ela pensa do marido suspeito. Não sabemos se o que a motiva é a busca pela verdade ou tiragens maiores para o jornal. Bob respira o caso dia e noite, o que o leva a colocar em segundo plano a companheira de sua vida. Além disso, não é um policial maravilhosamente graduado nem com habilidades perfeitas: é um cara travado no meio da hierarquia da polícia que se destaca por “metódico” e “dedicado”.

Esse perfil de Bob nos leva ao próximo ponto.

 

São pessoas normais resolvendo um problema absurdo

A graça do livro é que não tem ninguém genial que resolve o caso com um insight só. É como se fôssemos nós mesmos desvendando um mistério. Durante a preparação do texto, eu pensava “Não, Bob, vai por ali… se bem que essa ideia não é ruim… ih, não sei, vamos esperar pra ver”, ou “Ih, Kate, que malandra, não tinha parado para pensar nisso… Mas será que não vai dar problema?”, e assim por diante. Faz bem para a autoestima saber que você poderia estar na redação ou na delegacia ajudando a galera de igual para igual.

E essa vida de redação e delegacia nos leva para o último ponto:

 

A autora manja dos paranauê

Foto: Justyn Wilsmore

Fiona Barton é uma jornalista muito bem-sucedida, que passou pelos maiores periódicos da Inglaterra. Ela, por exemplo, foi uma das principais repórteres no caso do desaparecimento da pequena Madeleine McCann. Seria Kate um alter ego de Fiona? Segundo a autora, a única coisa que passou da história real para o livro foram os sentimentos que ela teve quando acompanhou o caso como jornalista. Depois de uma vida burilando o texto em redações, ela traz um texto com uma clareza e umas sacadas impressionantes.

Mas, na minha opinião, a escolha de Fiona sobre quem retratar é o acerto-mor desse livraço. É como ela diz:

“Estranhamente, as pessoas sob os holofotes nem sempre me marcaram. Com frequência são aqueles na periferia, os coadjuvantes do drama, que continuam a me assombrar. Em grandes julgamentos — crimes notórios e terríveis que emplacam manchetes — eu me vi observando a esposa do homem no banco dos réus e me perguntando o que ela realmente sabia, ou se permitia saber.”

>> Leia um trecho de A viúva

 

Pedro Staite é editor assistente de livros estrangeiros da Editora Intrínseca. Tem um blog com o nome mais petulante de todos (o dele mesmo).