Cheguei com sete minutos de atraso pra fingir que não atrasei cinco minutos de propósito. A lua ainda estava escondida no mar. Você não tinha chegado.
Sentei no quiosque e fiquei pensando.
É ruim sentar em cadeira de plástico.
Caipivodka de kiwi ou de morango?
Quem foi, foi, quem não foi, está.
Queria passear em Portugal.
A lua começou a aparecer atrás do mar.
“És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho.”
Vem ou não vem?
É ruim quando as coisas são tanto faz no nervoso da gente.
Também é ruim quando elas são importantes demais.
Então é ruim.
E essa caipivodka tá sem açúcar.
Você chegou.
Nos cumprimentamos afavelmente.
Passada a dificuldade inicial, engatamos uma conversa sem fim.
Trânsito. Falta d’água. Partido político. A vida dos outros. Outra caipivodka?
A lua estava a um palmo do mar.
Talvez tenha sido efeito da cachaça, o fato é que me surpreendi com a honestidade do seu sorriso. Cogitei que fosse verdade a minha ingenuidade de criança. Cantarolei “Volver a los 17” dentro da minha cabeça. O seu querer me emprestou vontade.
Atravessamos a cidade em silêncio.
Depois chamei um táxi. Eu estava diferente.
A lua começava a se esconder atrás da montanha.
O táxi chegou.
Adriana Falcão tem sempre um jeitinho especial de ser poeta dentro da prosa. Ela diz coisas que nos tocam o coração, por simples e belas que são. É sempre um prêmio ler seus textos, como se a vida nos desse de presente esse momento de descanso. Uma folga do nervoso, do estresse descabido, do trânsito enlouquecido, do chefe irascível, do azedume, da competição. Essas negatividades dando lugar a uma doidice suave, a uma beleza sem par das palavras, a um sentimento de doçura. Quando diz “seu querer me emprestou vontade”, disse tudo. Disse da mudança, como a que se operou em mim quando li isso. Um beijo, obrigada Adriana!