[o menino-girafa]

Por Pedro Gabriel

10 / dezembro / 2013

Roland Anhorn é a primeira girafa desenhada pelo Pedro Gabriel, em 22/05/89.

Roland Anhorn é a primeira girafa desenhada pelo Pedro Gabriel, em 22/05/89.

A memória é um ímã que coloca em contato passado e presente. Assim que se mudaram para a África, meus pais resolveram que cada filho adotaria um animal característico da região. Não animais reais, claro, mas miniaturas, pequenas esculturas, fotografias artísticas ou qualquer outra representação bonita. Acho que eles queriam que, de alguma forma, a nossa infância nunca escapasse da nossa história e fosse sempre lembrada de um jeito criativo: uma fórmula mágica para matar a saudade e continuar vivendo. Desde então, minhas três irmãs e eu, no meio das incontáveis mudanças de ruas, casas, bairros, cidades, países e continentes, sempre nos mantivemos vizinhos às nossas raízes.

Meus pais acertaram na mosca!

Sarah ficou com os elefantes e até hoje preserva em si uma doçura proporcional à grandeza deles, além de uma memória invejável. Maïra escolheu os hipopótamos e, sem dúvida, é a que tem os hábitos alimentares mais saudáveis da família. Se ela pudesse, só comeria folhas. Inclusive é capaz de ficar submersa por horas e horas e aparecer do nada para mostrar toda sua força. Nara abraçou os camelos, e a sua corcova imaginária funciona como um reservatório para guardar toda a sua bondade.  A mim me foi dada a girafa, e até hoje sinto que trafego pelo mundo com a cabeça grudada nas nuvens e as patas fincadas no chão. Sempre achei que girafas fossem poetas gigantes que observam o mundo, manchadas pela tinta de suas canetas.

Em tom de brincadeira, a cada nova sarda que aparece no meu corpo digo que estou me transformando em algum super-herói africano: o menino-girafa, talvez. Meu superpoder? Transformar girafa em infância. Acredito que com as minhas irmãs aconteça o mesmo fenômeno. No meu caso, toda vez que vejo algo relacionado às girafas, minha memória me leva automaticamente para a segunda-feira, 22 de maio de 1989, no escritório do meu pai em N’Djamena, Chade. Estou sentado na cadeira mais alta daquela sala, desenhando a minha primeira girafa. Meus pés não alcançam o chão. Balanço as pernas no vazio debaixo da mesa, como se estivesse nadando ou tentando não me afogar. Imagino um rio agitado cheio de jacarés, peixes gigantes e monstros jamais vistos engolindo minha arte… Grito! Meu pai me abraça. Estou em paz novamente. Podemos voltar para casa?

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

12 Respostas para “[o menino-girafa]

  1. Sou apaixonada por essa leveza nas palavras de Pedro Gabriel. Esse jeito doce de contar histórias… de falar de amor.

  2. Logo se vê que a sensibilidade e talento aguçados é algo da essencia do Pedro Gabriel.. Mas essa magia de criar um personagem que reflete a si proprio e ao que sei lá, a de vir, de sonhos de ser, de brincar de ser.. Isso é fruto de uma educação que realmente fez a diferença na vida dele. Rubem Alves custuma dizer que as escolas devem nos dar Asas. Acho que foi isso que aconteceu na infância do Pedro.. A escola da vida, sua família, e todas as suas aventuras não podadas contribuiram pra que esse menino girafa saltasse de dentro dele e chegasse as nuvens. Quando alguem fala da infância assim com carinho tamanho, com tanta doçura, fico realmente emocionada e me lembro ( não que jamais tenha esquecido) porque escolhi trabalhar com a infância, porque sou educadora. Não me recordo muito detalhadamente assim de imagens da minha infância. Não sei exatamente porque, quem sabe a terapia algum dia me ajude a entender. Mas, eu vivo isso junto com as crianças no dia a dia. Eu vejo pequenos Antonios prontos pra descobrirem seus animais e alçarem voô ao infinito,dentro deles mesmo… Sua obra me inspira Pedro a tambem me conhecer melhor, a sonhar.. Aos 26 anos descobri um encanto inesplicável por corujas.. A arte tem sido mesmo um espelho pra eu me enxergar por dentro.. Continue nos contando mais da vida do Pedro. Continue rabiscando tão lindamente a historia do Antonio. Isso nos inspira muito. Já vou enxergar as girafas de outra maneira quando cantar sua musiquinha ou contar histórias pras minhas crianças. Um abraço na criança que mora tão serenamente dentro desse artista tão completo e inacabado.

  3. Querido Pedro Antônio! Muito obrigado de contar para me (e naõ só!) a tua história lindissima da tua girafa. Abraço e penamentos – Pai

  4. SUAS PALAVRAS SIMPLES E AO MESMO TEMPO SINGELAS,FAZEM DE VOCE “O CARA”,NÃO PRECISO DIZER MAIS NADA…

  5. É um encanto, cada versinho escrito pelo Pedro. Tuas histórias adentram os nossos peitos, querido Antônio.

  6. Que lindo ver como seus pais inspiraram a todos vocês!!!
    A memória da infância me tocou, incrível como nos lembramos com tanta clareza de algumas situações, não é?!

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