[cílios ou lágrimas?]

Por Pedro Gabriel

14 / janeiro / 2014

Coluna_14

Este é só um pequeno texto para tentar explicar a grandeza dos cílios, das lágrimas.

Nos meus poemas, às vezes você encontra um rabisco. Geralmente é uma pessoa com olhos grandes e tristonhos e longos cílios líricos que tentam alcançar as palavras  bem ali do lado, dividindo o mesmo pedaço de guardanapo, o mesmo espaço de vida. Um personagem que não se parece com ninguém justamente para representar todo mundo.

Procurei algumas possíveis explicações. (Vale lembrar que toda possível explicação está passível de não explicar nada.)

No começo, esses olhos ficavam abertos, contemplando os movimentos de quem se dedicasse a entender a poesia que os acompanhava. Eles eram um pequeno espelho. Aliás, dois pequenos espelhos. Inconscientemente, fui fechando a janela da alma do Antônio. Talvez para ele viver mais o sonho, talvez para ele ver menos a realidade. Talvez simplesmente para tentar entender o mundo que acontece dentro de cada um de nós. Talvez essa seja uma forma poética (menos dolorida?) que eu encontrei para admitir que a minha timidez ainda me bloqueia, que a vida ainda me assusta. Talvez seja uma maneira idealizada de eu não querer revelar se há alegria ou tristeza na minha expressão. Um véu poético. Se você está triste, seus olhos refletem uma cachoeira de lágrimas. Se você está feliz, seus olhos projetam cílios infinitos.

Por um tempo achei que meu personagem fosse apenas esse par de olhos fechados. Sem tronco, sem braços, sem mãos, sem pernas, sem pés, sem corpo ou coração. Minto. Sempre houve coração. Um coração vazado: um abismo no peito. Mas aos poucos a necessidade acabou desenhando mais alto. Rabisquei um tronco para ele poder se curvar diante do amor com mais facilidade; e inventei braços e mãos para ele agarrar o mundo com mais coragem; e implantei pernas e pés para ele também poder fugir quando se sentisse acuado. E, para ele não morrer de frio ou não viver da frieza da sua amada, eu o vesti com um casaco listrado. Inútil: o buraco no peito continua.

Antônio nasceu do inconsciente. A consciência nessas horas é um pouco covarde. Ela nunca admite totalmente o que sente. Sorte nossa que o inconsciente preserva uma valentia ousada. Eu perdoo a consciência. É ela quem dá a cara a tapa. É ela quem é julgada. O inconsciente fica ali na dele. Se a situação aperta, ele pede uma explicação para o Freud e está tudo bem.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

13 Respostas para “[cílios ou lágrimas?]

  1. Parabéns Antônio, sempre fui curioso a respeito dos seus desenhos. Quero também convidar os outros leitores a reler o último parágrafo que é genial e faz um convite à reflexão a cerca do consciente 🙂

  2. É Pedro.. É como se cada um de nós tivessemos msmo um Antonio dentro de nós.. Na verdade temos.. Nosso Antonio dialoga com o seu.. Porque no fundo, no terreno do inconsciente temos muito mais semelhanças que imaginamos.. Nós seres humanos.. E inventaram de criar tantas regras e convençoes sociais, que ao invés de ajudarnos numa melhor convivencia.. Fez mais que isso.. Aprisionou-nos numa ideia de que sentimentos devem fazer sentido.. E sentido no sentido de razão e, de -Sentido! (bater continencia).. O fato é que nossa consciencia carrega um peso maior do que talvez possamos suportar. Então é por isso que acho que só a arte pode nos salvar. Por isso tantas pessoas se identificaram com o Aontonio. É como se ele conversasse diretamente com nosso inconsciente. É como se alguem gritasse lá do fundo do posso de nós mesmos: -Ei! Estou aqui!!

  3. “Talvez seja uma maneira idealizada de eu não querer revelar se há alegria ou tristeza na minha expressão. Um véu poético.”
    Achei todo o texto maravilho, mas essa parte foi a que mais me encantou. Parabéns, Antônio! Você escreve maravilhosamente bem 🙂

  4. Sabe que muitos dos meus desenhos têm cílios cumpridos, um dia uma senhora muito querida, irlandesa, lá do outro lado do mundo me perguntou: – Pq todas elas choram? Eu fiquei intrigada, para mim nunca foram lágrimas, sempre foram cílios… Parabéns pelo livro e pelo texto. Muito legal de ver esse sucesso acontecendo! 🙂

  5. Cada vez que leio sobre você, admiro mais tudo o que escreves. Os desenhos e os poemas formam uma combinação totalmente expressiva para mim.
    Parabéns! Eu amei.

  6. É bonito ver palavras tão bem colocadas virando colocações tão bem palavreadas. Te descobri há pouco e entrei debaixo da coberta também. O ambiente é acolhedor e aquecido. Seguro e protegido. Claro e escuro. Claro.

  7. Querido Pedro Gabriel
    Vc é um grande escritor e trouxe para nós lindas mensagens através de seu doce personagem Antônio!!!!!!
    Amo de paixão!!!
    Parabéns!

  8. Cara… Casa comigo e roupa lavada!!! =)
    A hora que você quiser… de papel passado e na igreja!!!
    Tenho certeza que é você…

  9. Conheci primeiro o livro , depois as redes e só tenho a agradecer a você e espero que eu conheça cada vez mais o antonio , o pedro , o conciente e o inconsciente . Sempre achei que os dsenhos mudavam de direčão cada vez que eu relia , as vezes eram lagrimas , outras complementavam sorrisos . Ver e entender seus desenhos diz muito sobre você , mas também diz muito sobre quem ler !

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