[e agora, Antônio?]

Por Pedro Gabriel

21 / janeiro / 2014

coluna 14

Quando saio de casa, sempre levo um livro comigo, ou um poema, ou um texto curto. Algo que me faça ver palavras. Sim, ver palavras. Nem sempre tenho necessidade de ler, o que preciso é saber que ali – a um palmo de distância – existe uma junção de sílabas, uma lógica de letrinhas prontas para serem lidas.

O grande dilema é saber o que levar. Confesso que não sou muito criterioso. Parto do princípio de que, se o livro está na minha estante, é porque eu o comprei. Então, de alguma forma, ele me interessou: seja pela capa, seja pelo autor, seja por um poema específico, seja pelo impulso que a sociedade de consumo provoca. Ah, minhas fraquezas!

Não tenho apego ─ minha escolha é aleatória: quem estiver ao alcance das minhas mãos vem. E, se não quiser vir, eu puxo pelas orelhas mesmo. Sem dó. Se bem que esses dias o Manuel me negou. Não dei Bandeira. Estiquei os dedos um pouco mais e Carlos estava lá. Sorte que Drummond tem sido fiel companheiro e aceita com timidez eufórica os meus passeios. Saímos de Itabira e fomos a pé até o Arpoador em uma fração de poemas. Paramos em uma pequena lanchonete para reclamar dos preços abusivos, reabastecer o fôlego e matar a fome. Eu, carioca, pedi um sanduíche de queijo minas. Ele, mineirin, quis um carioquinha, o famoso café com um tiquinho de água quente. Um café mais ralo. Invertemos os papéis. (Os guardanapos?)

Poucas palavras foram ditas; outras tantas foram editadas pelo silêncio. Quando se é tímido, as frases ficam zanzando pela cordas vocais do caminho da fala, se arrastam pelo meio-fio e se perdem no céu da boca de um bueiro que a prefeitura se esqueceu de tapar. Ah, as fraquezas da cidade!

Depois de um breve silêncio
inter-
-calado
com uma longa pausa,
Ele me declamou:

E agora, Antônio? A criatividade sumiu? O guardanapo acabou? Não tem mais trocadilho? E agora, Antônio? Não quer mais beber? A cerveja está mais cara? A barriga não diminuiu? Por que não corre mais? E agora, Antônio? Quem o compartilha? Quem comenta no seu mural? Quem o curte? E agora, Antônio? O que você faz é poesia? É desenho? E agora, Antônio?

Já que eu não me chamo Raimundo, não sou uma rima, muito menos tenho uma solução, me escondi atrás das suas sete faces e voltei para casa como quem volta para a realidade. Fechei o livro. Torci para ninguém mais roubar seus óculos.

Pelas lentes da sua poesia, vejo a grandeza do seu mundo, mundo vasto mundo

e sem beber conhaque − ainda prefiro chope ─ me comovo com seus versos.

Eu não sou o diabo.

A nossa conversa ficou no meio do caminho.

Tinha um Pedro?

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

20 Respostas para “[e agora, Antônio?]

  1. “Quando se é tímido, as frases ficam zanzando pela cordas vocais do caminho da fala, se arrastam pelo meio-fio e se perdem no céu da boca de um bueiro que a prefeitura se esqueceu de tapar. Ah, as fraquezas da cidade!”
    obrigada por mais uma vez descrever o que sinto *—————*

  2. Ahhh (suspiros!). Se cê soubesse como eu me perco nos seus dizeres, Pedro (!) Em dias de melancolia ou de saudade tanta, vou me deixando levar pelos seus guardanapos ou pelos seus textos espalhados num blog que é sempre aberto, religiosamente, ao ligar o computador. Cê é um cara tão, mas tão que não ouso dizer. Não sei dizer. Mas ó, não ouça tanto assim o Drummond, suas rimas estão sempre traduzindo os sentimentos das pessoas – inclusive os meus. Os seus poemas estão sempre decifrando o que nenhuma outra pessoa, mesmo sentindo o mesmo, seria capaz de decifrar. Enfim, cê é um cara incrível e sempre digo (no facebook e no instagram) e repito, para ficar o mais claro possível: cê é extremamente abraçável <3 Então sinta aí um abraço bem apertado de uma fã mineirinha que, enquanto te escreve essas bobagens que talvez cê nem leia, come um sanduíche com queijo minas. Um, dois, mil beijos procê.

  3. Também tenho mania de carregar livros quando saio,é um jeito de não nos sentirmos sozinhos.O diálogo,ou monólogo,com o Drummond ficou muito bom.

  4. rsrsrrsrsrs que delícia de poema! Sim, esse texto pra mim soou como um poema!! Carlinhos é um fofo né não?!
    E olhe Antônio, as vezes um Pedro no meio do caminho é o que dá o impulso pra poesia seguir!
    Abraço!!

  5. Adoro a forma que Pedro escreve e raciocina, a forma como “poemiza” a vida e os sentimentos,, me emociono 🙂

  6. Nossa, Antônio! Hoje mesmo eu estava pensando sobre toda essa sua criatividade e se você tem medo de não conseguir rimar mais nada. Se o número de pessoas que apenas curte e não o lê, lhe preocupa.
    Eu não sei quanto a você, mas para mim, isso é coisa com a qual devo preocupar-me, virar impulso da sociedade. E eu me preocupo por nós dois, é tão ruim quando pessoas brilhantes viram apenas números.

    Obs: É tão bom saber que não existe lugar onde o Drummond não nos acompanhe.
    Parabéns pelo belo texto (:

  7. perfeito adoro como escreve brinca com a nossa sensibilidade poetica

  8. to muito feliz seu livro esta entre os mais vendidos :))) da intrínseca

  9. “No meio do caminho tinha um Pedro
    Tinha um Pedro no meio do caminho.”

    Ah, Antônio… Que poesia é esta que colore o acinzentado da minha alma – mesmo nos dias mais nublados -, se não a sua? Suas palavras soam como o gás hélio que infla minha liberdade e me permite voar por esse globo azul. E é por aqui que as minhas próprias frases passam a se perder pelos dedos ao invés de soarem como o grito preso dentro de mim, haha.

    Aliás, não existe lugar que não fique mais bonito com um pouco de Drummond.

  10. Nossa, Pedro. Gostei muito do texto. Desejo que nunca lhe falte inspiração e que, se um dia lhe faltar, pode ter certeza que os seus admiradores saberão esperar que a criatividade retorne!

  11. Que arte mais linda… sempre me emociono e me identifico com o que você escreve! Gênio das palavras e expressões

  12. ‘Eu me chamo Antônio’ é uma página aqui do Facebook que, amiúde, deixa ‘pedrinhas’ pelo caminho da minha ‘linha do tempo’. Tem sido uma inspiradora experiência lírica viajar pelas ilustrações e poemas de Pedro Gabriel. Palavras, silêncios, olhares, imagens e, por que não? Guardanapos! Parabéns, Antônio, eu me chamo Daniel Vila-Nova. Prazer em conhecê-lo!

    Coraçãomente,

    Vila-Nova.

  13. A cada vez que leio um guardanapo, tenho uma visão diferente, a cada vez que sinto a poesia, um sentimento diferente, a cada vez que sou as palavras, uma pessoa diferente, com letras iguais

  14. No meio do caminho tinha um Pedro com uma sacolinha de palavras. Um dia, Pedro resolveu espalhar essas palavras por aí. Agora a gente vive tropeçando nelas.

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