[eu escrevo para brincar com o infinito]

Por Pedro Gabriel

7 / janeiro / 2014

Coluna do dia 11

A poesia tem seu lado subjetivo. Cada amante das palavras interpreta a mensagem de acordo com as suas vivências e a sua bagagem cultural. Por isso, nem sempre é fácil entender um verso. Agora imagina quando esse mesmo verso é desenhado com letras que mais parecem um labirinto de sentimentos? A dificuldade só aumenta, não é mesmo? Admito que nem sempre é simples decodificar o que escrevo nos meus guardanapos e concordo com a maioria dos comentários repletos de não entendi + o que está escrito? + viva a legenda! toda vez que posto uma nova arte com essas letras estilizadas.

(justifico)

Realmente, alguns guardanapos exigem mais tempo para serem compreendidos. Mas essa foi a forma que encontrei para que você participasse da minha arte. As coisas já andam tão dinâmicas no mundo de hoje. Ninguém mais quer perder muito tempo olhando para a mesma coisa sem parar. Essas letras confusas pedem a sua atenção. Querem que seus olhos as contemplem por alguns segundos a mais. Olha que derrota bonita: você perde tempo para ganhar poesia! O tempo que você passa tentando adivinhar faz você pensar em outra palavra, em outra frase, em outro verso. Este é o papel dessa fonte: você deixa de ser unicamente leitor e passa a ser também um participante criativo.

Aliás, esse foi o motivo pelo qual optamos (eu e a equipe editorial) por colocar um sumário com todas as frases digitadas somente no final do livro. Muitos me perguntaram por que eu não coloquei a legenda embaixo de cada página. Justamente para não matar a brincadeira, a adivinhação, o raciocínio de quem quer tentar revelar o que está escrito ali. Outro dia, uma senhora me mandou uma mensagem pelo Facebook dizendo que adorava as letras mais desenhadas, mais difíceis de entender, porque, segundo ela, obrigava o cérebro a raciocinar, a treinar, a praticar a memória. Para ela é um exercício poético. Já a minha avó acha que minhas letras se parecem com um arabesco. Eu concordo com ela. Talvez o meu inconsciente esteja mesmo voltado à minha infância no Chade, um país de língua árabe. Tirando o peso religioso e cultural, os muçulmanos veem essas formas em conjunto como um padrão infinito que se estende além do mundo material. É um padrão artístico que brinca com o infinito. E o que é a poesia senão essa possibilidade de brincar com o infinito?

Sem dúvida, os guardanapos com frases mais difíceis de ler à primeira vista são os menos curtidos e compartilhados, mas eu nunca escrevi um guardanapo pensando nisso. Aliás, continuarei seguindo o que eu disse na página 15 do meu livro: invista nos amores à primeira vista. Continuarei assim. Nesse meu amor pelas palavras embaralhadas, confusas, quase bêbadas, que parecem buscar a sobriedade nos olhos de quem está disposto a esperar o tempo que for para entendê-las.
Eu escrevo para brincar com o infinito.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

VER TODAS AS COLUNAS

Comentários

9 Respostas para “[eu escrevo para brincar com o infinito]

  1. A facilidade do mundo fast food banalizaram o olhar…Nunca olhei suas letras embaralhadas com esta perspectiva. Achava (erroneamente) que elas estavam escritas assim por pura estética. E foi uma bela surpresa entender seus motivos através do olhar da poesia. Cada dia mais fã.

  2. MARAVILHOSO ESTOU LENDO TODA SEMANA VIU AMOOO SEU TRABALHO E ADORO SUA ARTE

  3. Eu fico encantada quando vejo cada guardanapo seu. Quando comprei o livro e ele chegou na minha casa, eu fiquei quase louca de tanta felicidade em poder participar, indiretamente, é claro, mas participar do seu sucesso. Seu trabalho é incrível. Fico deslumbrada com sua genialidade, criatividade e principalmente, seu amor pelo que faz. Obrigada por encher minha vida de poesia a cada postagem. Parabéns! Sou sua fã, uma das maiores, rs!

  4. Tão bom se perder nesse seu labirinto para nos encontrar dentro de nós mesmos… Acho que a arte é assim.. Sempre uma conversa entre almas.. Entre vidas vividas e vívidas que se encontram e se conectam.. Mesmo que no oculto do universo.. Aliás acho que isso é o mais mágico. Essa linha tênue entre o artista e o admirador.. Essa linha que só existe no universo infinito e da arte.

  5. Que perfeita essa frase: “Olha que derrota bonita: você perde tempo para ganhar poesia!” Bem isso mesmo. Pedro Gabriel parabéns pelos textos e guardanapos. Já me identifiquei com vários.

  6. “Eu escrevo para brincar com o infinito”. Imagina, quem o lê! As palavras rodopiam, pulam, saltam, escondem-se e retomam o infinito.

    Gratidão!

  7. Texto bem pautado perante aos comentários sobre o livro – que já cheguei a ver reclamações também. Ótima observação em dizer que a arte merece mais tempo para ser observada. Estamos a todo tempo com informações fáceis ao nosso redor e quando nos deparamos com esse tipo de obra fica tristemente difícil de querer arranjar um tempo para brincar com o pensamento e adivinhar as letras “bêbadas” e criativas.

    Parabéns pela arte!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *