[senti falta]

Por Pedro Gabriel

28 / janeiro / 2014

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Já senti falta do meu choro quando nasci e do seu colo agora que cresci. Da ardência nos olhos por causa do cloro da piscina na casa vizinha. De quando eu brincava sozinho de astronauta, ou caubói, ou soldado de um exército solitário. Eu me achava as Forças Amadas. Acreditava que salvaria o mundo.  Bobo!  E, quando acordava cheio de energia, eu juntava as minhas três profissões imaginárias: pisava na lua, subia no meu cavalo-sideral e atirava palavras bonitas nos cometas mais temerosos!

Já senti falta da minha cara sem sarda no espelho. Do som do aparelho do dentista maltratando a minha cárie. Do aparelho de som que o meu pai usava para colocar as mornas, coladeiras, funanás, e todos os ritmos tradicionais de Cabo Verde. Cesaria Évora reinava, mas Ildo Lobo era o ídolo do meu pai. Ah, o som da minha infância! Sinto falta de apertar play na memória e ouvir de volta todo o setlist em loop. (Que frase moderna!)

Já senti falta das férias na Suíça ─ cheias de Alpes e baixos. Já senti falta de ficar na rua até as onze da noite. De jogar bola de gude, de escutar Johnny B. Goode, de usar tênis Kichute, de beliscar alguns quitutes. Senti falta daquela pipoca doce no plástico rosa. Da vitamina de abacate depois de uma longa caminhada. Da jujuba do camelô na esquina da Princesa Isabel com a Gustavo Sampaio.  De contar todos os paralelepípedos de Copacabana quando saía para caminhar com o meu avô. Só fui reencontrá-los anos mais tarde na música do Chico. Vai passar, eu sei, meu neto. Vai passar nessa avenida um samba popular…  Já senti falta da revistinha da turma da Mônica que ele trazia todos os dias após o trabalho.

– Olha, Pedrinho, trouxe este gibi!

– Pô, vô, esse eu já li!

Cascão, Cebolinha e Magali estão grandinhos, né? A Mônica continua dentuça. O Cascão, sujinho. A Magali tem o estômago maior que uma melancia. E o Cebolinha deve estar mais englaçado do que nunca!

Quero rir de novo.

Já senti falta do meu primeiro cão, do seu primeiro não, do meu nome escrito no caderno da quinta série e de uma série de outras coisas… Senti falta da primeira vez que calcei um tênis e da última vez que vi sua foto aparecer on-line no skype.

Já senti falta do que fazer. O que fazer?

Já senti falta do futebol. De driblar minha infância. Da voz do técnico aos brados − vocês acham que eu tenho cara de palhaço! ─ a cada derrota do meu time. E não eram poucas! Mas o time era bom. Já senti falta de isolar a bola no prédio vizinho ao colégio e ver o Lucien escalar feito ninja as grades que separam a glória e o fracasso.  Ele enfrentava sozinho uma família de gansos, pulava num lago que parecia profundo e catava nossa bola como quem garimpa a última pepita de ouro da face da Terra. Depois, escalava de volta e retornava sem esforço para a linha do gol. Ele era nosso herói. Pelo menos enquanto durava o intervalo.

Já senti falta das aulas de matemática. Mentira! Até hoje divido meu tempo lendo poesia e desenhando em guardanapos para multiplicar a distância e nunca mais precisar me somar aos seus números. Já senti falta da palavra saudade quando nem sequer sonhava em morar no Brasil. Verdade!

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

14 Respostas para “[senti falta]

  1. Eu acresceria à definição do autor a facilidade de brincar não só com as letras e palavras, mas tambem com as emoções q elas resgatam… Texto gostoso de ler! 🙂

  2. E eu já admirava a sua poesia antes de conhecê-la. Eu sei 😉

  3. as emoções brotam nos meus olhos a presente lagrima , saudade palavra boa ..
    maravilhoso antonio

  4. Você é incrivel, te admiro muito Pedro! Sou sua fã. Você consegue me emocionar com seus guardanapos e com seus textos me desmancho toda!

  5. Puxa… sensacional Antonio…. senti saudades d mtas coisas junto com vc!! Foi novamente emocionante ler seu texto…demais!! Senti falta!! 🙂 🙂

  6. Sinto falta de quem fui um dia… E não sei mais com quantas de mim me refaço me reinvento…

  7. Já senti falta do aconchego da família em uma noite de Natal, falta da qual não sinto saudade.

  8. Nem todas as saudades do mundo e nm todos os sorrisos sinceros ja guardados na memoria, pode demonstras o quão confortaveis sao suas palavras para mim… Você simplesmente descreve em pocas frases o que se passa dentro desse meu coraçao … muito obrigado 🙂 suas poesias sao lindas

  9. Emocionada!! Parece que quando fala da sua infância o mundo parece mais doce e calmo. Da vontade de fechar os olhos e sonhar… Parece que você apareceu pra adocicar em versos e traços nossas vidas.. Vê se nunca deixa de aparecer!! As almas aparentemente bobas.. Já não vivem sem você!! 😉

  10. Fantástico! Já estou sentindo falta do seu próximo texto!!!

  11. Gosto de textos que de tão próximos, são como se eu estivesse escrito.

  12. Gosto de textos que de tão próximos, são como se eu os estivesse escrito. Os seus são assim.

  13. Você é magnífico! Cada dia mais encantada. Já senti falta de alguém que soubesse ludicamente expressar-se com as palavras, já não sinto mais…

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