[a última carta que escrevi]

Por Pedro Gabriel

4 / fevereiro / 2014

coluna 16

A última carta que escrevi foi em dois mil e sete; eu tinha vinte e três anos e ela dez páginas. Era uma carta de amor, pelo menos achei que fosse, em papel de linho branco, com gramatura 180. Optei por uma caligrafia mais simples para ter certeza que a destinatária entendesse todas as palavras escritas. Usei tinta nanquim de uma marca chinesa – dizem que são as melhores, e uma pena antiga, presente do meu pai. Para escrever cartas de amor, escolha sempre a melhor tinta, assim daqui a dez, vinte ou cem anos, você terá certeza de que as palavras estarão ali com a mesma força, ou fraqueza do dia que você lacrou selou a carta, lacrou o envelope e entregou com todo carinho para a moça dos correios. Cartas de amor, depois de um tempo, deixam de ser cartas de amor e passam a ser cartas de saudade para alguns ou cartas de remorso para outros.

Levei doze dias para terminá-la e até hoje não me lembro de ter posto um ponto final.

Se eu relesse essa carta, provavelmente acharia um pouco cafona: culpa da minha imaturidade adolescente. Mas tinha passagens bonitas, eu lembro. Não a decorei. Não sei dizer palavra por palavra o que estava escrito. Mas sei sentimento por sentimento o que por escrito foi dito. Hoje em dia os e-mails, as mensagens de chat, os comentários nas postagens, tomaram conta da troca de palavra. Se o nosso tempo fosse uma estação, seria o inverno. Estamos sós, conectados com tantas outras solidões. Somos frios, uma fina melancolia sempre parece nos forçar a rir (kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk). As risadas não são tão engraçadas. E isso me dá silêncios. Longos silêncios. Acho que descobri o motivo de eu demorar tanto para responder meus e-mails. Vivo no ritmo das cartas. Ah, preciso evoluir! Ah, preciso aceitar que acabou! Mas por que ninguém me mandou ao menos uma carta para avisar?

Sou do tempo do amor nos tempos do cólera. Sou do tempo em que a espera tempera a palavra, valoriza o conteúdo. Sou daquele tempo e ainda tenho vinte e nove anos. Você ainda lembra da carta que não escreveu por preguiça, por achar uma forma ultrapassada de se revelar ao mundo ou por simplesmente preferir o instantâneo e julgar mais conveniente dizer tudo que sente em poucas palavras? Ah, se você soubesse o quanto ela poderia mudar a vida de alguém. Não estou pedindo para que você seja Florentino Ariza e espere 51 anos, 9 meses e 4 dias por um grande amor que talvez nunca chegue. Eu também gosto da rapidez dos nossos tempos, mas, às vezes, o amor pede mais de 140 caracteres. Meu pai até hoje me manda os tais cartões postais. São breves palavras que encurtam a distância de 10.000km que nos separam, e abrem sorrisos capazes de criar uma ponte entre o Rio de Janeiro e a cidade de Chur, na Suíça.

Fernando Pessoa, na pele de Álvaro de Campos, diz que todas as cartas de amor são ridículas. Guimarães Rosa revela que a vida quer coragem da gente. E eu concordo, Álvaro. E eu te dou toda razão, Guimarães. Queria eu, naquele dia em que lacrei o envelope, ter sido mais ridículo e ter tido muito mais coragem. Isso evitaria o meu remorso ao confessar nesse momento que a última carta que escrevi foi em dois mil e sete; eu tinha vinte e três anos e ela nunca foi entregue.

Com carinho,

Pedro Gabriel

PS: (talvez um dia eu mande por whatsaap ;-))

 

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

23 Respostas para “[a última carta que escrevi]

  1. Faz alguns meses que escrevi uma carta, escrita, apagada, repensada, não enviada. Por coincidência é para um autor no qual muito admiro, mas não consegui nem sequer um email.

  2. Minha ultima carta foi em dois mil e treze ainda me lembro da dificuldade de por sentimentos em uma folha de papel… Ridícula como Campos diz, não houve resposta! não recebi uma carta, acho que escrever está fora de moda e o inverno tomou conta dos corações! antiquados aqueles que nunca escreveram ou receberam cartas ridículas de amor rsrs bjos de sua fã number 1

  3. Lindo seu texto.
    Sou fascinada por cartas, e ainda existem algumas pessoas que
    preferem se comunicar assim.
    Acho que receber uma carta é semelhante a reencontrar uma fotografia da infância, esbarrar por acaso na rua com uma pessoa que vc gosta e não ver hã algum tempo. é mágico abrir o envelope, ler cada palavra. Ler cada sentimento apenas pela forma da grafia. Não tem explicação, não é como receber um email, que provavelmente foi enviado para várias pessoas. é tão impessoal.
    é como se reacendesse a alma.

    Parabéns pelos texto.
    PS: Vc teria alguma caixa postal? Se tiver compartilha. BJ

  4. Tomei a coragem que te faltou em 2007. Mando cartas constantemente. Não só para amores, paixonites, mas para amigos, familiares e alguns contatos virtuais que não acreditam no meu gosto um tanto “antiquado”.
    O triste da história é não receber tantas respostas quanto gostaria. As pessoas acham chato, demorado e trabalhoso. Alguns acredito que nem se lembram mais como segurar uma caneta ou escolher uma folha de papel adequada.
    Tomei a seguinte iniciativa: mando. Se voltar voltou. Mas pelo menos me certifico de que minha carta chegue ao destino final e cumpra aquilo que quero: diminuir distâncias, “rótulos” e esse inverno que também sinto pela internet.
    Me mande uma carta um dia desses Pedro Gabriel. Tenho 27 anos e com certeza não vou parar de escrever tão cedo.

  5. Antônio, entregue a carta. Liberte seus sentimentos. Faça—os voar.

  6. Pedro, manda uma carta pra mim? Quero ter o prazer de recebê-la e o prazer maior de me sentir bem ao responder uma carta novamente.
    🙂

  7. Que belíssimo texto, Pedro!
    Ainda lembro da última carta que escrevi, foi em novembro do ano passado, para um desconhecido cujo o endereço achei descansando em cima de panfletos no correio.
    Por mais que eu não o conhecesse (até agora não o conheço), senti vontade de mandar a carta. E caprichei, o desconhecido não espantou a minha vontade, ainda bem!

  8. Como nos revela Guimarães Rosa “a vida quer coragem da gente”…
    Perfeito o texto!

    Fui ao RJ antes do Natal (passei poucos dias…procurei, mas não era o momento de encontrar “a mente” que fez nascer o livro que me encantou.
    Irei a SP e MG em Março mas, pelo que verifiquei nas datas dos eventos de divulgação do seu livro, infelizmente não vão coincidir.
    Moro numa capital que não é Metrópole e nem tampouco tem um forte apelo turístico, embora seja no Nordeste.
    O jeito vai ser ir até você…afinal, “se Maomé não vai à Montanha; a Montanha vai a Maomé”…
    Irei, com a coragem de Guimarães Rosa, mas sem a pretensão de te pedir em casamento!!! (Li que um dos acontecimentos certos dos eventos de divulgação do livro é quantidade de pretendentes que se declaram a você!!).
    Creio que tenha acesso a meu email por esse comentário. Se puder entre em contato! Dou retorno com meu endereço, e vc me envia uma carta!!!
    Não pus risos em momento algum para não camuflar a “a fina melancolia” que de vez em quando nos parece forçar a rir nesses contatos via email, whatsapp, etc…
    Caso eu não tenha retorno…qualquer dia nos encontramos!
    Até breve…

  9. pois é meu amigo, alma é alma…e com nobreza de estilo e sensibilidade, só resta a “reverência”.
    grande bjO, no coração!

  10. Pedro, que lindo texto! Eu também me envergonhei quando tentei lembrar a última carta que escrevi… levei um susto ao lembrar que adorava escrever e enviar cartas, elas eram artesanais, carinhos embrulhados! Onde foi parar esse tempo? Vamos resgata-lo do munda das pressas urgentes?
    Pedro, envie sua carta!

  11. a carta + recente q escrevi (nao vou dizer a última pq nao pretendo parar por aí) foi a 3 dias. grande, 6 folhas frente e verso, pra uma amiga distante fisicamente mas q anda sempre no meu coraçao. eu tbm amo cartas. elas trazem um sorriso q nao tem preço, valem mto + do q o valor duma folha, um envelope e um selo. e tbm mando postais, sempre q viajo. e cartoes d ano novo, mtos. msm nao recebendo quase nenhum como resposta, msm mtos nem mencionando q os receberam, eu insisto, nao quero q o inverno tome conta do meu coraçao! quero sempre viver na primavera = )

  12. A última carta que escrevi foi em dezembro/13 para uma amiga e entreguei em mãos. Ela ficou tão emocionada que até hj me agradece pelo carinho.
    Tenho 4 amigos que trocamos cartas sempre mesmo com toda a facilidade da internet. Escrever faz bem a alma e ao coração, sinto prazer e parar por 10, 20, 1h para escrever, colocar no papel pensamentos, angústias, sonhos. Sinto-me leve e feliz em ter amigos especiais para compartilhar.

  13. que isso Antonio me fez arrupiar aqui meu deus como voce toca meus sentimentos , belíssimo texto nao perco uma semana .

  14. Meu centro de inspiração são teus textos e frases, são perfeitos demais cara ♥

  15. O texto me inspirou, vou deixar de lado o Facebook e escrever uma carta que deve ser enviada ainda esta semana, ou daqui duas, aliás, já comecei a escrever, ou, na verdade, tentei, não saiu nada, é realmente mais difícil escrever do que digitar, obrigado de verdade!

  16. Precisaria escrever-te uma carta pra dizer o quanto me é inspirador te ler.. rs Quando eu era criança escrevia cartinhas pra minha avó.. Não sei quando exatamente parei… Gostaria de nunca ter parado.. Hj ela já não está entre nós.. Fiquei com vontade de escrever uma ultima carta… Sdds!!

  17. A última carta que escrevi tem uns 15 dias. Participo do projeto troca de cartas no instagram e facebook , que visa exatamente essa volta das pessoas a se corresponderem. Afinal, quem é que não gosta de receber uma carta?!? Seja ela de amor ou de qualquer outro assunto, pessoas conhecidas ou desconhecidas…

  18. Acho que existiria menos vilões no mundo se as pessoas parassem mais para ler os seus textos!

  19. Lindo seu texto…aos poucos, vc sugere, não sei como, que não mandou a carta…e cofirma isso ao final …e me sinto assim, como quando acabei de ler O amor nos tempos do cólera: que pena que acabou, queria mais….

  20. Ler esse texto meu a (re)coragem de tocar um projeto de cartas. “Sou do tempo do amor nos tempos do cólera. Sou do tempo em que a espera tempera a palavra, valoriza o conteúdo. Sou daquele tempo e ainda tenho vinte e nove anos. Você ainda lembra da carta que não escreveu por preguiça, por achar uma forma ultrapassada de se revelar ao mundo ou por simplesmente preferir o instantâneo e julgar mais conveniente dizer tudo que sente em poucas palavras? Ah, se você soubesse o quanto ela poderia mudar a vida de alguém.” Este trecho reflete minha vontade, de por meio de cartas anônimas, escritas por um desalguém para qualquer pessoa, mudar alguma coisa nesse mundo frio de msgs de txt abreviadas… Obrigada pelos seus textos! 🙂

  21. Puxa vida, hoje eu estava a fazer um trabalho de casa, e ao mesmo tempo pensando no quando estamos no inverno como disse o Pedro, e me lembrei de que a ultima vez que escrevi uma carta, foi para minha esposa, mas quando namoravamos e ja vamos fazer 24 anos de casados. Me lembrei que na carta ao lermos viajamos e sentimos a pessoa ali do nosso lado. Me lembro que as cartas que recebia dela lia e relia durante a semana toda ate receber a proxima, e a espera era ansiosa. Penso tambem que ao uma carta é pessoal, pode ser guardada junto aos nossos bens preciosos. Hoje as pessoas vivem de curtidas que se tornaram os carinhos e afagos ditos pelo Pedro. parabéns e veio a calhar com meus sentimentos. vou escrever as minhas esta semana, começando agora.

  22. Gosto e prefiro cartas. Uma pena que você não enviou a sua. Tanto esforço, tempo e sentimentos. Na próxima oportunidade, envie.

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