[O Fantástico Bloco do Silêncio Quebrado]

Por Pedro Gabriel

28 / fevereiro / 2014

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– Me dei mal!

O destino quis que a minha coluna semanal caísse bem no meio da maior festa popular do mundo. Não sei se sou a pessoa mais indicada para escrever sobre o Carnaval já que nunca fui da turma dos foliões. Sempre encarei essa data como um pequeno trauma. Um trauma alegre, melhor dizendo. Aliás, um trauminha. Pronto! É isso: o Carnaval é um trauminha fantasiado – daqueles que a gente carrega da infância.

A imagem é nítida: 1986, N´Djamena, eu trajado de índio. Todos queriam que eu saísse da oca. Uma ova! Índio quer dormir. Índio não quer se levantar. Índio faz cara emburrada. Índio só tinha dois anos e alguns meses, mas índio já sabia que não gostaria dessa festa para o resto da vida. Sendo capaz, inclusive, de enfrentar qualquer caubói que se colocasse no seu caminho. Bang! Bang! O tempo passa, o drama continua. Agora estou em 1992, Cabo Verde, a cueca vermelha sobre a calça azul não nega: me vestiram de Super-Homem. O sonho de todo menino se realizava em mim e eu tinha enfim todos os poderes do mundo comigo! Pra quê? Eu gostava mesmo de sonhar de verdade, de olhos bem fechados! Cadê a minha Kryptonita? Eu sempre me senti um Super-Bicho-Preguiça. Daqueles que amam se espreguiçar o tempo todo, em qualquer lugar. Daqueles que levariam um século ou mais para atravessar a pequena avenida, mas que seriam aplaudidos de pé (pata?) pelos jurados. Olheira, nota 9.4; Sincronia das Patas, 8.6; Desânimo, 10, nota 10; Lentidão, 9.9; e no quesito Esquisito, um sonoro 11, acompanhado de um uníssono “esse menino é hors-concours!”.

Definitivamente, eu e o Carnaval somos incompatíveis. Por um breve momento – talvez o tempo de uma pausa de bateria em plena Sapucaí – pensei em um mundo sem toda essa euforia. Sei lá… E se hoje fosse apenas uma terça-feira comum, daquelas que levantamos cedo, tomamos café e colocamos a nossa fantasia de trabalhador? Depois nos enfiamos feito sardinhas no metrô e, por fim, devidamente disfarçados de insensíveis, enfiamos a nossa fuça na tela de um computador para vivermos a virtualização das nossas emoções.

Me fiz de Pierrô em tristes momentos para que eu pudesse rir da minha cara de palhaço sem me sentir ofendido por um Arlequim qualquer. Descobri que a Colombina sempre foi aquele amor idealizado, aparentemente feliz. No fundo, seus olhos acompanham o cavaco e também choram. Basta um segundo da sua atenção para ver o talento artístico da tristeza ao desenhar um borrão colorido logo abaixo da linha dos seus cílios maquiados. Abracei uma alegria que há tempos não me fazia sorrir e me vi sambar tantas vezes em uma alegoria que eu mesmo projetei. Até pulei um bloco inexistente que me ajudou a superar esse trauminha fantasiado. Me dei bem!

Peço perdão por ter escrito um texto carnavalesco sem confete, adereço ou serpentina, mas agora eu preciso ir. Tenho três dias de muito trabalho para compensar as minhas outras trezentas e sessenta e duas fantasias.

Até quinta, querida realidade.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

14 Respostas para “[O Fantástico Bloco do Silêncio Quebrado]

  1. Você é inacreditável, Pedro! Sempre começo lendo seus escritos e desenhos recheada de expectativas e, quando o texto (mudo ou não) chega ao fim, me pergunto: “por que acabou???” É sempre melhor do que eu espero, realmente agradeço por ser sábio, ter o dom e a humildade linda de compartilhá-lo com o mundo. O mais sincero agradecimento! <3

  2. Belo texto, Antônio. Parabéns!
    Desejo, ansiosamente, que o mundo pós-carnaval volte logo. Adorei o texto, portanto.
    Beijo grande! Sucesso!

  3. Não há motivos para pedidos de desculpas. Você descreveu o que sente no fundo, com ou sem entusiasmo involuntário, todo brasileiro! ;))

  4. Um ótimo texto. Mas -se o Pedro Gabriel me permite a audácia- , acredito que você deveria escrever mais crônicas. Suas poesias são ótimas, dizem muito com poucas palavras. Contudo, as crônicas dão detalhes que por vezes ficam apáticos nos poemas.

  5. oie Antonio também não sou fã de carnaval mais fantasio me todos os dias para acorda neste mundo . muito bom o texto ameiii

  6. Adoreiii, carnaval costumo me sentir meio perdida também, todos os anos tenho mil ideias para curtir,mas no final acabo em casa ,assistindo filmes e comendo pipoca ,rsrsrs

  7. Seus textos são pura terapia, aqui eu me encontro e me perco 😀

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