[o florista do meu bairro]

Por Pedro Gabriel

18 / fevereiro / 2014

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Numa praça escondida, na exata distância entre a porta da minha casa e o balcão do meu bar, um pequeno oásis parece brotar no meio do concreto. Não é miragem. Não vejo camelos. Só camélias. E margaridas. E tulipas. E orquídeas. Vejo também alguns pombos abusados – eles não voam mais, esses danados!; só rastejam, disputam a calçada com os pedestres, dando vida a um pequeno festival rasteiro de asas e pés e patas e mãos. Passo tantas vezes por ali que até hoje não sei se sou eu quem passa por ali ou se é ali que passa por mim.

Vejo um homem sentado no fundo de uma casinha de madeira rodeada de plantas. Não sei seu nome – talvez ele se chame Antônio. Nunca vi seu rosto por inteiro – talvez ele seja só essa metade. A belíssima samambaia se confunde com a sua franja. Belíssima? Sim, a tecnologia permite encontrar novas belezas. Cá entre nós: que samambaia não fica bonita no Instagram?

Na saída do metrô, as pessoas olham para as suas telas e falam com tanta gente ao mesmo tempo que parece que falam sozinhas o tempo todo. Algumas comentam na fanpage de um menino que faz poesias em guardanapos, outras se lamentam por terem apenas 20% de bateria disponível. Ah, como eu queria lhes dizer que quem acaba é a bateria, não elas. Uma coisa é certa: ninguém olha para as flores. Afinal, estamos em 2014. Quem perderia tempo olhando para uma simples rosa? Rosa não tem pixel, não tem botão de curtir, comentar ou compartilhar. Rosa parece só existir em datas comemorativas ou acompanhada de um pedido de perdão. (Me perdoa?)

Confesso que eu também não prestava muita atenção nas flores até então. Mas, um dia, o florista (Antônio?) plantou um pequeno cartaz no vaso maior do seu oásis. Minha miopia, acrescida da ausência de óculos, me obrigou a chegar bem perto dos dizeres. E eles diziam: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Assinado: Carl Jung. Virou rotina. O florista do meu bairro agora planta filosofias. Num dia, colhe Kant; noutro, semeia Schopenhauer. Às vezes, brota uma alma psicanalítica e ele transcreve Lacan: “Todo amor é recíproco, mesmo quando não é correspondido.”

Um dia, eu também quero plantar meus versos em algum lugar concreto e, depois de um tempo, colher uma dúzia de palavras bonitas. No momento, em cada muda, uma nova poesia espera silenciosamente a estação certa para germinar e florescer.

Se eu fosse florista, todos os meus inimigos seriam Baudelaire.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

12 Respostas para “[o florista do meu bairro]

  1. Admirar as flores, ouvir os pássaros, sentir o vento leve da manhã …. parece dificil, mas é possível. Gosto muito dos seus textos…acredito que como autor você semeia palavras e nós, leitores, colhemos poesia.

  2. Seus versos já têm lugar concreto em nossa emoção, Pedro. Descoberta recente, seu trabalho me inspira, leva-me a compartilhar, a tentar encontrar em mim algo tão importante quanto a palavra e o traço são para você. Acredito na educação pelo exemplo e, dizendo isso, considero-me responsável por ensinar minha filha a observar a vida e a beleza nos detalhes do caminho, pois nosso prêmio estará lá e não no final do caminho. Obrigada por me incentivar.

  3. “Algumas comentam na fanpage de um menino que faz poesias em guardanapos…”. Bem, essa sou eu.

  4. Não sei quantas vezes vou conseguir ler! Suas palavras são tão lindas quanto as flores, os amores. Descreveu exatamente como me sinto quando me vejo apreciando as coisas simples enquanto todos fixam os olhos na parafernália. Continue assim e escrevo minha tese de mestrado sobre você e sua poesia! :’)
    ♥ ♥ ♥

  5. Ter sensibilidade para perceber e dar atenção às “pequenas coisas” da vida é simplesmente lindo… Ter habilidade para expressar em palavras os sentimentos despertados é então maravilhoso. Parabéns.

  6. Eu Me Chamo Antônio falando de Psicanálise agora? Morri mil vezes com cada palavra desse texto…com cada letra… ♥ Obrigada Pedro

  7. As coisas simples da vida que passam despercebidas quando vc se insere no mundo virtual.

  8. Pedro! Parabéns =) Tudo que você escreve é cercado de simplicidade e tem sempre um toque singelo! Não é pra qualquer um essa comunicação tão fácil. Espero que um dia você realmente faça seu jardim de versos. Beijos e Boa Sorte

  9. Tecnologia nenhuma vai me fazer perder a sensibilidade do olhar para as maravilhas da natureza! Adorei o texto!! 😉

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