[o HD externo das minhas memórias]

2 minutos

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coluna 17

Desde sempre – não sei exatamente quando – eu tenho o hábito de anotar ideias em cadernos artesanais. Acredito que todo mundo que desenha, escreve ou sente a necessidade de exteriorizar essa imensidão bagunçada – também conhecida como arte – que habita em nós tem esse mesmo costume. Devo ter dezenas, centenas deles. Todos incompletos. Não sei terminar as coisas – meus amores que o digam. Tudo bem… Esses cadernos, esses amores não nasceram para serem completados, mas sim contemplados.

Quando as páginas terminam, quando a história se dá por encerrada, quando a gente não tem mais o que dizer um para o outro, partimos para outra (história ou página?). Esse partir para outra é a coisa mais linda da criação poética. Lembra-me a maiêutica socrática – o parto de ideias! E essa concepção vital me levou automaticamente para o final do meu caderno azul: “Desde pequenos aprendemos a nos despedir. Nascemos de um parto”. No meu caderno verde, eu li: O canto do pássaro é um alarme poético para te levar à janela e poder te ver encantar o mundo com a sua felicidade silenciosa. Abri meu caderno com capa de couro, e estava lá: o artista precisa se sentir desconfortável. Busquei também uma espécie de refúgio nas letras quase ilegíveis do meu caderno sem capa: meu compromisso é com o sumiço. É verdade, às vezes, dá vontade de sumir um tiquinho.

Esses cadernos são a extensão da minha memória. Uma espécie de HD externo de tudo o que sinto ou senti em um determinado momento. Um legítimo notebook (caderno de notas – seriam elas musicais?); com capacidade de armazenamento ilimitada. Sem necessidade de recarregar a bateria. A potência está na força das tuas palavras, dos teus sentimentos, das tuas lembranças.

Aviso importante ao consumidor: essa memória também pode queimar, essa memória também pode ser esquecida em uma mesa de bar, em um banco de uma praça pública ou cair no vão do metrô – naquele espaço chato entre o trem e a plataforma.

Mas, quer saber, é de uma beleza quase filosófica saber que a gente pode esquecer nossa memória em algum lugar para que outra pessoa talvez se lembre da nossa pequena existência.

Respostas de 8

  1. Narrativa repleta de liricidade…

  2. Paulo Matias disse:

    As vezes não sei me expressar em palavras, mais suas frases descrevem perfeitamente meus pensamentos. Imagino eu, que não sou o único afetado por esses impactantes versos. Sabe quando as coisas não cabem mais dentro de você, e escorre pelos dedos?

  3. Ô texto lindo! Ô menino talentoso! <3

  4. Letícia Gratão disse:

    Ele parece tão confortável com as palavras que nem parece que não nasceu no Brasil. Talento ímpar.

  5. QUE ISSO ANTONIO . bravoooooo !!!!

  6. Amo a facilidade que alguns tem em demonstrar em palavras o que há no peito e/ou mente – alias, tambem tenho meu HD externo em papeis e cadernos –
    Os guardanapos de ‘Antônio’ são fantásticos e transcrevem com uma musicalidade incrível – em poucas palavras – tudo o que almejamos (ou não) ouvir, dizer e sentir… enfim, Parabens Pedro!
    Belíssimo!

    http://naopossofalarentaoescrevo.blogspot.com

  7. Não há nada perfeito o bastante para descrevê-lo. És O encanto!

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