[o HD externo das minhas memórias]

Por Pedro Gabriel

11 / fevereiro / 2014


coluna 17

Desde sempre – não sei exatamente quando – eu tenho o hábito de anotar ideias em cadernos artesanais. Acredito que todo mundo que desenha, escreve ou sente a necessidade de exteriorizar essa imensidão bagunçada – também conhecida como arte – que habita em nós tem esse mesmo costume. Devo ter dezenas, centenas deles. Todos incompletos. Não sei terminar as coisas – meus amores que o digam. Tudo bem… Esses cadernos, esses amores não nasceram para serem completados, mas sim contemplados.

Quando as páginas terminam, quando a história se dá por encerrada, quando a gente não tem mais o que dizer um para o outro, partimos para outra (história ou página?). Esse partir para outra é a coisa mais linda da criação poética. Lembra-me a maiêutica socrática – o parto de ideias! E essa concepção vital me levou automaticamente para o final do meu caderno azul: “Desde pequenos aprendemos a nos despedir. Nascemos de um parto”. No meu caderno verde, eu li: O canto do pássaro é um alarme poético para te levar à janela e poder te ver encantar o mundo com a sua felicidade silenciosa. Abri meu caderno com capa de couro, e estava lá: o artista precisa se sentir desconfortável. Busquei também uma espécie de refúgio nas letras quase ilegíveis do meu caderno sem capa: meu compromisso é com o sumiço. É verdade, às vezes, dá vontade de sumir um tiquinho.

Esses cadernos são a extensão da minha memória. Uma espécie de HD externo de tudo o que sinto ou senti em um determinado momento. Um legítimo notebook (caderno de notas – seriam elas musicais?); com capacidade de armazenamento ilimitada. Sem necessidade de recarregar a bateria. A potência está na força das tuas palavras, dos teus sentimentos, das tuas lembranças.

Aviso importante ao consumidor: essa memória também pode queimar, essa memória também pode ser esquecida em uma mesa de bar, em um banco de uma praça pública ou cair no vão do metrô – naquele espaço chato entre o trem e a plataforma.

Mas, quer saber, é de uma beleza quase filosófica saber que a gente pode esquecer nossa memória em algum lugar para que outra pessoa talvez se lembre da nossa pequena existência.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

8 Respostas para “[o HD externo das minhas memórias]

  1. As vezes não sei me expressar em palavras, mais suas frases descrevem perfeitamente meus pensamentos. Imagino eu, que não sou o único afetado por esses impactantes versos. Sabe quando as coisas não cabem mais dentro de você, e escorre pelos dedos?

  2. Ele parece tão confortável com as palavras que nem parece que não nasceu no Brasil. Talento ímpar.

  3. Amo a facilidade que alguns tem em demonstrar em palavras o que há no peito e/ou mente – alias, tambem tenho meu HD externo em papeis e cadernos –
    Os guardanapos de ‘Antônio’ são fantásticos e transcrevem com uma musicalidade incrível – em poucas palavras – tudo o que almejamos (ou não) ouvir, dizer e sentir… enfim, Parabens Pedro!
    Belíssimo!

    http://naopossofalarentaoescrevo.blogspot.com

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