[Uma nota sobre o amor]

Por Pedro Gabriel

11 / março / 2014

coluna_21

Aperte o play que o texto vai começar. Tenho pouco tempo. Inspiro-me no jazz e improviso algumas palavras. Saio para passear para um destino aleatório, as músicas vêm comigo em modo shuffle e dão as mãos aos meus ouvidos. Imagino como seria o amor se este durasse o tempo de uma canção.

0min23s

Os primeiros trinta segundos são cruciais. A gente nunca sabe o que vem pela frente. Se o que nos espera é uma levada de punk, um batidão de funk ou uma sinfonia interminável daquelas do tempo de Beethoven. Ainda andamos desatentos, angustiados. Na sombra desenhada pelo sol o que aparece é um menino assustado que não sabe aonde ir, nem se vai chegar nesse destino aleatório. Mas é inevitável: num esbarro, numa rua sem saída, numa olhada distraída, o amor sempre há de acontecer. Abro um sorriso, a música continua.

1min12s

O primeiro minuto é decisivo. Os instrumentos começam a ganhar espaço e se arranjar na linha melódica. Cada um no seu devido espaço, todos em harmonia. Ah, se as pessoas escutassem mais as flautas, os pianos, os violões. Tenho a mais absoluta certeza de que teríamos menos vilões. Você está comigo? A voz no fone direito me tranquiliza. Pelo timbre parece ser a Nina Simone. Quando menino, eu achava que ela fosse brasileira. Pelo nome, talvez. Na época, não diferenciava inglês de português. Hoje, nada disso importa. A música tem linguagem própria, tem conexão direta com os sentimentos, e sentimentos não têm fronteiras. O amor agora me dá as mãos, o refrão ameaça entrar.

1min53s

Em coro, admito: você é mais bonita que um solo do Jimmy Page, que um verso do Cartola, que a voz da Nina Simone, que um álbum dos Beatles, que os olhos do Chico. Quando a gente se encaixa, o refrão fica tão mais bonito. É a mesma sensação de passear na beira de um lago em algum jardim no mês de maio. Em Paris, talvez. Eu, sol bemol; você, fá sustenido; e a gente se toca no mesmo arranjo. Cá entre nós: até um lá menor fica maior aqui, quando estamos juntos no mesmo acorde. Bom dia! Dormiu bem?

PAUSE

O amor também precisa de silêncios, a gente também precisa de pausas. Breves intervalos. Passamos da metade da canção e o sentimento ainda está inteiro. Intacto feito aquele bom e velho compacto do Chico. Estamos literalmente em Construção. Nenhuma faixa está arranhada. Não há mais aquela ameaça de um sonoro adeus. Já lhe emprestei meu casaco. Já não deixo a toalha molhada sobre a cama. Minha escova é um pouco sua. Olha só: a gente pode dar samba!

2min57s

Agora que o amor finalmente começou, a música parece encontrar seu fim. Ontem saí para passear e o setlist me fez lembrar você. Sempre desconfiei que o amor fosse aquela faixa escondida do nosso álbum predileto. Aquela que chega depois de um longo silêncio: compassos longos, com passos largos, com paciência, em paz, ciente. Ela demora, mas chega. Ele demora, mas chega. É sempre assim: a saudade bate em looping, a gente apanha em shuffle, mas insiste em não desmarcar o botão repeat.

STOP

Se você chegou até aqui, aguarde alguns segundos que o texto vai recomeçar já já.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

23 Respostas para “[Uma nota sobre o amor]

  1. espero que você publique um livro com esses seus textos… eles são inspiradores, eu leio e fico meio (ahhh, antônio <3), parece que você lê meus pensamentos e os transfere para seus guardanapos/computador, saiba que eu realmente AMO seu trabalho ♥

  2. Adoro , sempre uma leitura saudável , e sempre recomendo a quem gosta de poesia . Me encanto com seus trocadilhos e suas analogias .
    Continue escrevendo que faz bem ao corpo e a alma. Parabéns !

  3. aliviante e angustiante ao mesmo tempo, inspirador, lindo como voce consegue colocar todos os sentimentos em palavras, entrando na mente de cada um e se encaixando em suas proprias historias e lembrancas.

  4. Maravilhoso como sempre. Admiro muito seu trabalho, parabéns!!

  5. Parabéns pelo trabalho, mais um belo texto.

  6. Hoje eu não vou começar dizendo: ah, mais que coisa linda! Hoje é, que sensacional. Espero que você faça um livro com os seus textos. Eu já vou começar a guardar o dinheiro para comprar meus exemplares S2

  7. Acordei me alimentando de belas palavras… mais um texto perfeito.
    Não vejo a hora de ter um livro seu contendo textos. Você é sensacional, nada além (ou tudo)! PARABÉNS.

  8. Simplesmente lindo! Me apaixono cada dia mais pelas palavras, pelos sentimentos colocados nela e penso aii esse antônio, ele ouve meu coração!

  9. Poesia, deveria de alguma forma lembrar de imediato o Antonio. Cada texto faz com que muitas pessoas fiquem a flor-da-pele, é como se cada palavra fosse daquele amor, ou para aquela pessoa, ou melhor como se fosse pra ‘ele’, por mim. Isso faz com que cada texto, cada guardanapo se encaixe na vida de cada internauta que acompanha cada boniteza escrita. Eu particularmente, admiro e confesso que já ‘roubei’ muita poesia em guardanapo para o bem querer. Que a poesia continue a prevalecer.

  10. Ai meu coração, Antônio D:
    Gente, você é um absurdo absoluto! <3

  11. simplesmente perfeito esse texto <3
    ameeei !!Parabéns,pelo seu maravilhoso dom,de tocar bem no fundo do coração de seus leitores..sem palavras !

  12. foi lindo essa musica espero poder toca-la em meu coração todos os dias porque amar em rock , jazz, mpb, funk, qualquer ritmo sempre é bom .

  13. Homem,se teu objetivo é fazer as gurias se apaixonarem por você,parabéns,esta conseguindo!hahahaha
    Texto lindo demais,sem palavras!

  14. Nao entendi o final, quando fala que o texto vai começar. Alguém pode me explicar?

  15. Lindo.. simples como o amor deve ser…

  16. Acho que esse é o meu preferido! Me identifico tanto que em algumas passagens me dói!

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