[antes de você abrir os olhos – parte três]

Por Pedro Gabriel

29 / abril / 2014

coluna_28

Não tenho dúvidas que, quando se abriram pela primeira vez, o mundo também abriu um sorriso tímido: daqueles que não se esquecem. Podem reescrever os poemas – todos eles. Podem apagar as estrelas – todas elas. Podem esvaziar a lua cheia, interromper a eternidade e assoprar as quatro estações para outro planeta: onde essas duas luas negras que pairam no seu rosto possam brilhar sozinhas. Não queremos mais céu, nem nuvens. Não precisamos mais de chuva: eu me molho com a água que escorre das suas lágrimas, todas as noites. E o sal que dissolve nossas mais doces lembranças é o mesmo que resolve se enfiar em algum canto alegre dos seus olhos. E ali pude sonhar acordado. E ali pude sorrir e, ao sorrir, não expus apenas trinta e dois dentes. Abri, quase trazendo o sol de um verão que não existe mais, trezentos sóis e um sorriso com o peso da incerteza. O sono foi profundo. O sonho também deve ter sido. Nunca saberemos. A única certeza é que naquela manhã ninguém mais disse bom-dia. E que seus olhos negros brilharam como há muito não brilhavam. E que os poemas, ficaram sem palavras. Só há manchas no papel. E que onde estava escrito saudade, agora há ausência. E que para encontrá-la eu tive que procurar o seu vulto como se fosse um vício: e é.

Olho por você. Oro pelos seus olhos. Mesmo quando a vejo, distante, dobrar alguma esquina qualquer e sumir no horizonte turvo: o horizonte de quem sonha e não tem braços infinitos o suficiente para alcançá-la. E mesmo sem braços eles parecem me tocar. E mesmo sem voz eles parecem me contar histórias: daquelas que parecem não existir. Certa noite, ainda despertos, me contaram sobre um menino que escrevia desesperadamente noite e dia, dia e noite, tentando domar a angústia com a mão torcida e a pena encostada na maciez da folha branca, sem conseguir escrever as últimas palavras: seu nome, talvez. E, de tanto escrever, ficou doente. E a cura era voltar a escrever. As palavras, quando escritas para alguém que não mora nos seus braços, que não vive nos seus sonhos, que aparece vez ou outra na sua realidade, são falsos remédios: placebos. Que curam, sim. Mas exigem o sacrifício em troca. E a receita está escrita: não no papel, não na folha branca: mas na tela invisível que é o amor, e com a tinta invisível que são os amantes. Naquela manhã, a vida precisou se descolorir para que os seus olhos negros pudessem brilhar sozinhos. Naquela manhã, o mundo precisou morrer para que você nascesse em algum canto da minha imaginação confusa. Bem-vinda.

link-externoLeia a primeira parte.
link-externoConfira a segunda parte.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

12 Respostas para “[antes de você abrir os olhos – parte três]

  1. UAU. Estava super curiosa/ansiosa pra ler essa última parte. E noooossa, foi além das minhas expectativas.
    Parabéns, Pedro <3 Maravilhoso.
    ''As palavras, quando escritas para alguém que não mora nos seus braços, que não vive nos seus sonhos, que aparece vez ou outra na sua realidade, são falsos remédios: placebos. Que curam, sim. Mas exigem o sacrifício em troca. E a receita está escrita: não no papel, não na folha branca: mas na tela invisível que é o amor, e com a tinta invisível que são os amantes. Naquela manhã, a vida precisou se descolorir para que os seus olhos negros pudessem brilhar sozinhos. Naquela manhã, o mundo precisou morrer para que você nascesse em algum canto da minha imaginação confusa. Bem-vinda.''

  2. Real, como todos os outros. Lindo, como todos os outros. Parabéns, Pedro Gabriel!! Sou sua fã!

  3. Como faço pra ver as partes um e dois? Pede um cadastro…

  4. to arrepiada que isto Antonio , to pasma precisamos de um livro novo pra ontem preciso dormi com suas palavras todos os dias , quero ler um livro com a historia do Antonio com seus textos . #EumeChamoAntonionovolivro

  5. Antes de mais nada: UAU!
    Lembro-me de ter salvado as duas partes anteriores no Pocket, para ler quando chegasse em casa, no Kobo. Não o fiz, é verdade. A correria não me deixou, ou eu simplesmente esqueci. Dois de muitos links que marco e demoro a ler, mas por obra do destino, talvez, deparei-me com o link nas atualizações do facebook e li ambas, sem espera, mas de coração cheio. Li-as e pude ver que a menina dos seus olhos é a mesma que a minha, uma vez que jamais alguém poderia ter descrito-a tão bem se não a tivesse avistado. Sou, pois, imensamente grato (tal qual o aviador, provavelmente, estaria o aviador se avisado que o principezinho estava de volta) a você: por suas palavras que envolvem, aquecem e arrebatam.

    “Certa noite (…) me contaram sobre um menino que escrevia desesperadamente noite e dia, dia e noite, tentando domar a angústia com a mão torcida e a pena encostada na maciez da folha branca, sem conseguir escrever as últimas palavras: seu nome, talvez. E, de tanto escrever, ficou doente. E a cura era voltar a escrever.”

    Voltarei.
    E a você, meu caro Pedro (ou Gabriel) (ou Antônio, como preferir), peço o seguinte: não pare. Nunca.
    (E venha para a Paraíba, sim?!)

    E como há braços, abraços.
    Caleb Henrique

  6. Puxa… Sem fôlego e sem palavras… kkk
    Além de poeta, ilustrador, boêmio, sonhador, contista, agora, também “leitor de almas”?
    Quando é que sai o livro de contos? 😉

  7. MEU DEUS! Que perfeito…Amei tanto que li os três textos duas vezes ♥ “As palavras, quando escritas para alguém que não mora nos seus braços, que não vive nos seus sonhos, que aparece vez ou outra na sua realidade, são falsos remédios: placebos. Que curam, sim. Mas exigem o sacrifício em troca. E a receita está escrita: não no papel, não na folha branca: mas na tela invisível que é o amor, e com a tinta invisível que são os amantes.” Foi o trecho que vi no instagram que fez eu me apaixonar completamente por esse texto.Palavras maravilhosas,ditas com perfeição e uma doçura inigualável.Só a tenho a dizer parabéns por ser o gênio mais amável que existe.

  8. cadastrei meu email para receber os posts mais nao vi confirmação 🙁

  9. “Certa noite, ainda despertos, me contaram sobre um menino que escrevia desesperadamente noite e dia, dia e noite, tentando domar a angústia com a mão torcida e a pena encostada na maciez da folha branca, sem conseguir escrever as últimas palavras: seu nome, talvez. E, de tanto escrever, ficou doente. E a cura era voltar a escrever…”

    Porque talvez em meio a minha dependência… em meio a minha loucura… em meio ao meu amor maior do mundo… sua palavra é o que eu consigo pensar ser a resposta mais próxima para o que eu mesmo não entendo… e talvez…. talvez seu blog seja a minha terapia semanal… Quem sabe minha cura…

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