[obrigado, Sofia]

Por Pedro Gabriel

1 / abril / 2014

coluna_24

No meu texto anterior, O menino que tinha medo de poesia, falei um pouco desse meu pavor em declamar um ou mais versos diante uma plateia com uma ou mais pessoas. Na verdade, nem precisa haver plateia para o meu medo aparecer, e a minha voz sumir. Não declamo nem na solidão, de frente para o espelho. Quando me olho, olho para o chão. Não me ouço. Não me aplaudo. Só escrevo. Só, escrevo.

As cortinas abertas da sala 3C apontam para uma linda manhã na cidade do Rio de Janeiro. Estamos no Lycée Molière, início de 1999. Na aula de português, Vânia anuncia que em junho teremos a Semana das Artes e que ela quer expor alguma manifestação artística dos seus alunos. A turma, eufórica, começa a matutar ideias. Alguns querem apresentar uma peça de teatro. Outros preferem cantar uma música ao vivo. Tem gente que não quer fazer nada ─ sempre tem! Nitidamente tímido, eu escolhi escrever um poema. Recém-chegado de Cabo Verde, coloquei no papel algumas linhas iniciadas com as letras que formam o nome do arquipélago onde passei cinco anos da minha infância.

Cidade no meio do oceano e do continente

Africano…

Belas mulatas deitadas na areia da praia

Oceano Atlântico banha o seu litoral  cheio de corais

V ——————————————-

E——————————————–

R ——————————————

D —————————————

Eu sinto que te verei outra vez*

Anos depois fui saber que a essa estética se dá o nome de poema acróstico. Eita, nome feio! Se eu soubesse seu nome antes, jamais teria escrito nada nesse estilo.

Voltando à sala 3C:

Num lapso achei que era só para escrever e nada mais. Quando a professora veio com a ideia de que eu precisava declamar para a plateia formada basicamente por professores e pais de alunos, eu quis sumir. Voltar para as ilhas africanas, escutar uma morna na voz de Cesaria Evora, correr na areia da praia de Tarrafal ─ que eu sempre chamava de Taffarel por causa do goleiro da seleção brasileira. Por sorte, Sofia aceitou recitar no meu lugar e tudo voltou ao normal. Voltei a enxergar a linda manhã carioca.

Em junho, a plateia aplaudiu meu poema e eu aplaudi Sofia o resto da vida por ela ter sido a minha coragem durante esses nove versos.

As cortinas se fecham. Onde está este poema completo? – eu pergunto. Sofia completa em silêncio: talvez em algum lugar da infância.

*coloquei os versos que lembrei de cabeça. Tenho que procurar em alguma gaveta o poema completo

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

6 Respostas para “[obrigado, Sofia]

  1. Você agradece à Sofia e eu te agradeço pelas tão belas palavras!!

  2. queremos ler o poema completo …. deve ser lindo adorei os versos

  3. Sou mineira e sua fã, acompanho seu insta ,adorooooo,amodoro.

  4. Você escreve deliciosamente bem.
    A gratidão é minha por temperar essa quinta sem gosto.

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