[sépia]

Por Pedro Gabriel

6 / maio / 2014

coluna_29

Sentado numa pedra em frente ao mar revolto, observo as ondas imensas que agridem as pequenas rochas do litoral. Não me revolto. O vento corta o meu rosto, bagunça os meus cabelos e trilha novos caminhos para as minhas lágrimas. Não vejo ninguém por perto. Não há ninguém ao longe. Só quem me acompanha é o mar. Só quem me ouve é o mar. Só quem me responde é o mar. Aquele mar infinito que me afasta e me aproxima do meu passado com a mesma facilidade.

Olho para o horizonte. Sempre quis tocar o horizonte. Sempre achei que o mundo fosse melhor por lá: naquela linha quase invisível que parece distante e inalcançável, assim como você. Eu achava que num piscar de olhos, você estaria ali: me esperando de braços abertos e com palavras bonitas. Aquelas mesmas palavras que eu ouvia quando era pequeno. Você dizia que eu seria forte como uma rocha e imponente como o mar. Você repetia que eu seria grande como as ondas e resistente como as pedras.

Estou só. Eu e minhas velhas poesias. Poesias cor sépia que falam de um tempo que não volta mais. Poesias de um tempo vivido e, agora, distante. Poesias entupidas de versos que carregam o peso da soma de tantas e tantas levezas: a leveza da memória, a leveza da lembrança, a leveza da infância que ficou para trás, a leveza da vida que foi para frente, a leveza da saudade saudável.

Estou só. Eu e minhas fotografias antigas. Elas também trazem o cheiro do passado, o cheiro da memória, o cheiro da lembrança, o cheiro da infância que ficou para trás, o cheiro da vida que foi para frente, o cheiro da saudade saudável. Em uma delas, me vejo pequeno, sem lágrimas, vestindo uma roupa esquisita, colorida. Eu parecia um palhaço tentando entreter (entender?) o mundo no espelho do banheiro. Cadê a plateia? Não ouço os aplausos. Naquele tempo tudo parecia uma fotografia antiga. Não sei por que, mas a saudade para mim sempre foi um sentimento em sépia. É como se as cores daquele tempo também tivessem envelhecido com o passar dos anos. É como se o tempo tivesse roubado as cores da minha roupa esquisita. Palhaço!

Lembro que não faz muito tempo, eu ainda corria pelas ruas, rindo por tudo, hahaha, rindo por nada, hahaha. Eu era livre para ser livre. Não tinha muros para me impedir. Não existiam grades para me prender. Não havia mãos para me segurar. Eu fingia ser um avião: meus braços eram minhas asas; meus pés faziam o papel do acelerador e corriam rápido, − muito rápido!, como se quisessem alcançar imediatamente o outro lado do mundo, um amor efêmero, um sorriso curto, um gesto impensado ou simplesmente o futuro. Eu apenas fingia voar. Atenção, Infância, preparar para a aterrissagem. Toda criança sonha em voar. Futuro é quando a gente pousa em nossos medos.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

26 Respostas para “[sépia]

  1. “Toda criança sonha em voar. Futuro é quando a gente pousa em nossos medos.” Minha nossa, Gabriel! Belíssimo texto.
    Já salvei essa sua página nos meus favoritos, adorando ler todos os seus textos. Parabéns!

  2. Que texto lindo!
    Cada post da intrínseca no facebook, aumenta a minha vontade de ler o livro.
    Parabéns pela sensibilidade e a forma poética com as quais escreve, é realmente encantador.

  3. A cada novo texto, me apaixono mais pelo seu trabalho. Sou meio metida à escritora, e textos bons me assustam, me fazem pensar que nunca serei tão boa quanto. Mas não os seus, eles chegam a trazer inspiração. É incrível o modo como me identifico com cada um deles, de uma forma especial. Gostaria de lhe agradecer por tocar o meu coração. Você é meu herói, Pedro. rs

  4. Suas palavras dão sentido a minha vida! Obrigada

  5. Fui teimosa. Não aterrissei. Em vez disso, amerrissei em meio ao mar, com sua imensidão – assustadora! A vida exigiu crescimento. Detesto exigências. Preferi continuar na estação atemporal, que é a infância.
    Acredito que as poesias fazem o mesmo com quem as escreve, como é o seu caso.

  6. Estou apenas apaixonada ! Texto lindo *-*

  7. Além das palavras, creio que o seu maior dom seja a interpretação. Interpretação dos seus pensamentos, sentimentos e principalmente, você Pedro, nos interpreta! Se aproxima de nós leitores como se juntos a você fossemos apenas um, perdido em sentimentos e emoções tão similares, mas ao mesmo tempo tão distintas! Muito obrigada por suas palavras, espero o dia que seus contos tomem as paginas de um livro que guardarei com tanto carinho, como uma extensão de mim! Abraço imenso

  8. Amo. Simplesmente amo cada texto seu. Parabéns!

  9. Terça-feira é dia de suspirar com seus textos. Sempre tão perfeito…. ♥♥♥

  10. Cada dia me encanto mais com sua sensibilidade e sua forma de fazer poesia!mt obrigado por agregar beleza,amor, e arte na literatura brasileira.E raro fazer poesia da vida neste pais hoje em dia

  11. Sou totalmente fã dos seus textos. Um melhor do que o outro. Beijos!!

  12. Como sempre faz brilhar meus olhos ne Antonio ou Pedro foi que senti hoje , kkkk lembro de um comentario nesta foto que ta ai de capa que preto emagrece kk . bjos

  13. Toda terça é dia de encantamento. Belíssimo!!! ♥

  14. Não cansa de escrever perfeições ♥

  15. Meu texto preferido até agora! Simplesmente maravilhoso! Parabéns, Pedro Gabriel, por esse dom de brincar com as palavras e transmitir sua pureza. Você traduz tudo o que sinto. Obrigada! A cada dia me encanto mais pelo seu talento.

  16. As vezes tenho vontade de pedir p vc desenhar oq sinto as vezes.. Vontade de te consultar e pedir p por no papel Oq se passa aqui dentro.
    Qdo me sinto angustiada.. Procuro entrar na tua pagina ou no insta e procurar algo q descreva o meu momento..
    Me pergunto as vezes se vc ama alguem? Oq sera q traz tanta inspiração?! ..me vejo nos teus textos..
    Ai ai Pedro
    Boa noite!

  17. “…como se quisessem alcançar imediatamente o outro lado do mundo, um amor efêmero, um sorriso curto, um gesto impensado ou simplesmente o futuro.” Perfeição

  18. Cara… acabei de me apaixonar por suas palavras… pela sensibilidade de tocar minha alma nesse momento… LINDO!!!!

    “O vento corta o meu rosto, bagunça os meus cabelos e trilha novos caminhos para as minhas lágrimas. Não vejo ninguém por perto. Não há ninguém ao longe. Só quem me acompanha é o mar. Só quem me ouve é o mar. Só quem me responde é o mar.”

  19. Texto maravilhoso, estou apaixonada. Amo tuuuudo.

  20. Cada palavra que leio fico arrepiada! Quanta inspiração! Vc deve ser muito apaixonado, pela vida! Nossa, adoraria conhecê-lo pessoalmente pra sentir um pouco dessa energia que vc consegue nos passar através de palavras tão simples e tão belas!
    Parabéns pelo seu trabalho!
    Vc me encanta!

  21. ‘Eu era livre para ser livre. Não tinha muros para me impedir.’
    Num tempo onde éramos apenas eu e os sonhos.

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