[Você, essa beleza inesperada]

Por Pedro Gabriel

27 / maio / 2014

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Quando saio sem destino e presto atenção no mundo, ele parece maior. O mundo, não o destino. Esses dias, eu andei por São Paulo e tive a sensação de caminhar no meio de livros gigantes. Livros divinamente enfileirados, imponentes. É impressionante! É como se eu, daqui da calçada, tivesse sido engolido por aquelas lombadas de concreto. Me senti um personagem fugitivo, recém escapado de uma dessas histórias cotidianas e que agora se esconde sem rumo no meio dos carros, no meio do caos, no meio dos e-mails, no meio de outros tantos personagens.

Todos esses livros ainda estão em construção. Tenho certeza. A estrutura está montada, construída, edificada. Mas sinto que os personagens ainda não estão à vontade, transitam pra lá e pra cá como se procurassem a melhor história para se encaixar. Nenhuma história parece bonita. As avenidas são os corredores principais dessa biblioteca sem fim. Ali estão os personagens que encontramos nas leituras. Ali estão os dramas, as damas, as tramas, os traumas, essas coisas que viram histórias. Algumas serão impressas, outras serão erguidas, outras serão simplesmente memorizadas. Guardadas em nós como se guarda uma voz após pedir silêncio.

Nossos braços pequenos não conseguiriam abraçar esses livros imensos. Nossas mãos pequenas seriam incapazes de virar uma página sequer. Deve ser difícil virar a página, né?. Ô, se é… Mas acredito que seja mais difícil não ter página para virar. Sorte nossa que temos imaginação. O nome das ruas separa as categorias: Literatura Brasileira, Literatura Estrangeira, Arte, Viagem, Gastronomia, Poesia. Poesia? O que é isso? Uma casinha rebelde e colorida no meio de tanta modernidade. Sempre à margem. Olha lá, seu Drummond na portaria, abrindo as portas da poesia moderna. Bom dia, Carlos! Tudo bem? 

Seu silêncio me conforta.

Cada metro andado é como se cada centímetro quadrado fosse o início de uma nova palavra, de uma nova trama… De um novo trauma? Quem é o autor? Seria romance? Terá final feliz? Quando será publicado? Aliás, erguido! Cada página, um andar. Cada capítulo, um apartamento. Cada morador, um enredo. Procuro nas placas, nos letreiros algum nome, alguma indicação, uma sinopse… Não há assinatura, o autor é sempre desconhecido. Só vejo o nome dos prédios: Edifício Guardanapo´s (nome fictício, obviamente). É difícil acreditar que estão escondendo a Poesia. Quem organizou essa bagunça? Na correria, tropeço. Ops, pula, é Autoajuda! Quanto preconceito, menino! Onde foi parar a Arte? Onde está a Literatura Brasileira? Na rua de trás? Como assim? Por que não ficam em destaque, na avenida principal? Aos olhos do mundo… Por quê?

Paro no número 526, sei lá, gostei do jardim. Ainda tem flores. Achei raro. Quais histórias nunca escritas ele ainda guarda nessas paredes imensas? Lourenço, do apartamento 201, tem a cara de Faulkner. Roberta, do 703, seria perfeita para acompanhar Cervantes. Nicolaï, da cobertura, se encaixaria perfeitamente na trilogia de Murakami. E você, essa beleza inesperada que dobra a esquina bem na hora que eu me ajoelho para desdobrar as meias, seria o verso mais bonito de qualquer poema russo.

Preciso respirar.

Nosso romance poderia estar do outro lado da calçada, na prateleira das apostas para 2015. Ou, logo ali, na próxima esquina, junto com os romances consagrados pelo tempo. Espero você se interessar pela leitura. Aviso logo: o começo é sempre um pouco denso, confuso. Mas seus olhos, os mais belos leitores desse mundo, saberão como ninguém conduzir a nossa história.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

19 Respostas para “[Você, essa beleza inesperada]

  1. Faz tempo que eu não lia com tanto gosto! Muito obrigada!

  2. Nossa, faz tempo que não leio um texto assim. lindo, fluido como água e acaba tão rápido. =/
    Toda terça, virou rotina, chega em casa e passar aqui antes de banho, jantar, etc.

  3. OMG!!!! perfeito, faz muito tempo que não leio algo tão belo, em uma linguagem tão simples .

  4. São paulo é um lugar meio nervoso… maravilha você poetizar esses tantos dramas, tramas, cenas. Que a tua alma filtra e verte em poesia. parabéns poeta!!

  5. Perfeito…. Ele me encanta a cada terça mais…. Ja faz parte da minha rotina na terça passar por aqui…

  6. EITAAAAAA!
    Esse final!!!!!! Ótimo texto, Pedro <3

  7. Perfeito! Ler o que você escreve é bom demais! Parabéns

  8. Bem melhor do que o outro texto teu que eu li… E o outro já era muuuuuito bom…

  9. perfeito!!!!
    dá gosto de ler
    parabéns hein

  10. Bom, sinceramente, eu gostei muito desse texto, acho que você tem uma criatividade muito interessante. Esse final me deixou com uma vontade enorme de ler outro romance. Adoraria ler um outro romance escrito por você, esse finalzinho tem cara daqueles livro de romances realísticos, sem varinhas de condão ou carruagens que voltam a ser abóboras depois da meia noite. Aquele romance que você se envolve cem por cento na história, que não importa quantas vezes já tenha lido, lerá mais mil vezes. Bom, Pedro Gabriel, queria dizer que amo seus guardanapos, e por isso comprei “Eu me chamo Antônio”, já pensou em escrever outro romance? Bom, porque eu adoraria ler outro romance escrito por você.

  11. Um dos melhores textos que eu li ultimamente…
    MARAVILHOSO!

  12. Desses textos inegavelmente ágeis e guardanapeanos, onde as poucas palavras sempre se calam em pensamentos de encanto. São dessas inspirações rebeldes que poderiam ficar perdidas, se não fosse essa linda mania de as anotar destes papeis de calar a boca. rs.

  13. Estou afirmando ser impossível não se prender nesse texto do PG, é imensamente mágico, verdadeiro, na verdade, revela verdades que não tem segredo nenhum! Vou ler muito mais textos do PG!

  14. Perfeito, como sempre. Tem gente que escreve e gente que faz sentir. Você faz os dois e ainda provoca aquela sensação de quando acabamos um livro. Ração pr’alma… Aplausos são pouco

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