[vou torcer pelo meu avô]

Por Pedro Gabriel

10 / junho / 2014

Foto de Piero de Marquis. Itália, 1970.

Foto de Piero de Marquis

Mesmo nesse clima de indecisão, minha decisão é torcer pelo Brasil. Mas não é por mim que faço isso. É pelo meu avô que já descansou.

17 de julho de 1994, Estados Unidos.

“É tetra! É tetra! É teeeeeeetra!”. Quem não se lembra da voz rasgada do Galvão aos brados após o chute espacial do Baggio? Olha, até hoje não tenho a certeza de que o Neil Armstrong tenha realmente pisado na lua, mas não há dúvida: a Itália foi o primeiro país a mandar uma bola para o espaço. Mamamia!

Todo mundo que se interessa minimamente por futebol tem esse momento marcante na memória (mesmo que a memória, às vezes, conte com a ajuda da tecnologia para ser lembrada: fitas, fotos, vídeos no YouTube, depoimento de jogadores, conversas com os frequentadores mais antigos dos botequins). Minha lembrança nítida daquele dia veio por meio de uma fita VHS (dá um google!) presenteada pelo meu avô assim que cheguei ao Brasil, em 1996. Eu assistia quase todos os dias aos jogos do Brasil. Eu já sabia todos os resultados de cor, o minuto exato de cada gol, quem balançou as redes, quem deu o passe decisivo… Emoção é um jogo que se joga sempre ao vivo.

Minha paixão pelo futebol era tamanha que no jardim do sítio da minha família, eu tinha um gol só para mim. Eram duas traves e um travessão pintados em verde, azul e amarelo, com estrelas brancas e o nome dos meus ídolos na época. Por coincidência: todos eram goleiros. Nunca idolatrei atacantes. Cada baliza simbolizava um goleiro de uma das minhas pátrias: sim, meu coração torce para 3 nações — duas naturais e uma adotada. Taffarel (“vai que é tuuuuua!” — de novo a voz rasgada de Galvão entra em campo), representa meu Brasil;  Marco Pascolo é o nome bordado nas costas da minha Suíça e Thomas N’Khono, o lendário goleiro camaronês é o titular absoluto da minha África. Infelizmente a seleção do Chade nunca conseguiu formar um time competitivo, por isso adorei os leões indomáveis como sendo os meus guerreiros em campo.
Não sei por que, mas eu gostava de ser goleiro. Talvez pelo silêncio. Talvez pela ingratidão de ser o único homem em campo capaz de ser responsável por um jogo sem gols e assim estragar o espetáculo. Talvez pela sua importância desvalorizada. Gosto de quem faz os outros vencerem. Talvez o goleiro tenha essa meta dentro da sua meta: fazer o time brilhar ou, após um frango, fazer atacante adversário reluzir nas manchetes de todos os jornais de domingo.

10 de junho 2014, Rio de Janeiro.

Vinte anos se passaram. O futebol não tem a mesma importância na minha vida. Uso mais o esporte para exercitar a saudade. Reviver o futebol é lembrar do meu falecido avô, é querer ver e ouvir sem parar aquela fita VHS danificada pelo tempo, mas guardada debaixo da minha cama em um baú que um dia será aberto, como se guardam as mais belas lembranças.

Galvão é silêncio, ouço agora a narração do meu avô:

“Vai que é tuuuuuuuuuua, Pedrinho!”

Boa sorte, Brasil, vou torcer por você. Quero um dia ter algum registro (não sei qual será a tecnologia do futuro) que também me faça mostrar ao meu neto o quanto é emocionante preservar o passado com o que ainda temos no presente.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

15 Respostas para “[vou torcer pelo meu avô]

  1. Lindo texto!! Mas confesso que estava esperando um de dia dos namorados..rs

  2. Pedro Gabriel, só te conhecia por Antônio (amo teus guardanapos!). Hoje vim aqui, gostei muito do que li. Parabéns por sua sensibilidade. Beijos pernambucanos:)

  3. Obrigada por compartilhar e me fazer reviver também memórias do meu pai. Hoje o presente é mais real e mais presente pelas memórias que tenho dele!

  4. Acompanho tua coluna, e desde Sépia você não atrasa a entrega do texto semanal, mantendo a distancia de 7 dias entre eles, tecnicamente esta 7 dias atrasado, espero que não tenha acontecido nada de ruim com você.
    Aguardando ansiosamente.

  5. Assim como o Gabriel, eu também acompanho sua coluna todas as terças, é como se eu esperasse por elas só para ver seus belos textos, senti sua falta esses dias, espero que seja algo breve, pois seus texto fazem falta.
    Espero que esteja bem também.
    Um abraço.

  6. Você não publicou mais nada desde do dia 10/06, aconteceu algo ?

  7. Oi, Elisa

    O autor está em período de férias. Vamos repostar os melhores textos toda terça-feira.

    Abs!

  8. Oi, Jessica

    Está tudo bem com o autor. Ele está descansando, de férias!
    Repostaremos os melhores textos toda terça-feira.

    Abs!

  9. Oi, Gabriel

    O autor está apenas de férias!
    Repostaremos os melhores textos.

    Abs!

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