O romance segue vivo

Por Leticia Wierzchowski

3 / julho / 2014

coluna 16

 

Li esta semana uma matéria no jornal El País na qual se falava da tão anunciada morte do romance. Já tentaram matar o romance com facas, adagas, revólveres e balas de prata. O romance impresso já foi considerado morto com o surgimento dos jornais, do cinema, da televisão, da internet e do livro eletrônico. A cada nova geração, anuncia-se que o romance morrerá. Mas ele segue vivo, forte e impávido (às vezes um pouco alquebrado, é vero, mas nunca esquecido). Ele segue vivo assim como segue viva a esperança. Aliás, isso me lembra uma historinha: certa vez, quando minha irmã caçula era pequena, e estávamos todos reunidos à mesa, eu comecei a listar os nomes que poria nos meus filhos, o dia em que eu os tivesse ─ na época, eu não passava de uma adolescente. E minha irmã, depois de ouvir a minha lista de nomes ─ Flora, Stefan, Alma, nenhum deles jamais usado para a minha pequena prole ─ saiu-me com esta: “Pois eu vou botar o nome da minha filha de Esperança, porque ela é a última que morre”.

Voltando ao romance, esse vivente teimoso e adorável, o anúncio do seu fim iminente volta e meia está por aí. Julio Verne já disse em 1902: “As novelas serão suplantadas pelos jornais.” Em 1950, Norman Mailer falou que qualquer criatura que seguisse escrevendo romances era um tolo. Mais recentemente, o romancista Jonathan Franzen (autor do belíssimo As correções) disse que os americanos já não se interessavam mais por romances. Disse, mas seguiu escrevendo, para a nossa sorte. Philip Roth, outro grande escritor americano, cuja obra eu não me canso de ler, já falou inúmeras vezes que o romance está morrendo. “O livro não pode competir com a tela… Não pode competir com a tela de televisão, e nem com a tela do computador. Isso, nem o Kindle pode mudar. A novela é um aninal moribundo”, sentenciou Roth.

Outras vozes não menos sensatas alardeiam por aí que o romance perdeu a sua importâncias social. Acho mesmo que o romance já não opera as transformações sociais que operava outrora, porque a leitura se liquefez. Um livro já não consegue ser o assunto maior, disputa espaço com dezenas de outras novidades igualmente transformadoras. Mas eu não menosprezo o romance, esse morto-vivo que segue operando cotidianas e pessoais maravilhas imprescindíveis ao ser humano.

O homem não sabe viver sem fabular, sem contar-se, sem inserir-se num contexto narrativo. O homem não sabe viver sem narrar, e a leitura de um livro é um dos caminhos mais geniais de compreensão de uma narrativa jamais inventados. Uma fantástica viagem solitária, a leitura de um romance, e quase impossível de ser reproduzida na sua grandiosa simplicidade. Pois é, o romance anda moribundo há tantos e tantos anos ─ no último século foram vários os arautos! ─ que, me parece, vai ficar para semente, como dizia meu avô.

 

LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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