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Por Leticia Wierzchowski

29 / agosto / 2014

Coluna 23

Uma das coisas que mais me marcou foi, aos dezessete anos, ter que escolher uma carreira para o vestibular – o que eu conhecia do mundo ou de mim mesma àquela altura? As convenções exigiam que uma jovem boa aluna seguisse o curso da vida, entrando numa universidade para inaugurar o seu futuro. Foi um período assustador – e porque eu desenhava bastante bem, acabei ingressando na Arquitetura. Mas, após dois anos de dúvidas, tirei o time de campo. A vida deu muitas voltas, e hoje estou aqui – com vinte livros publicados. Apesar de toda a instabilidade financeira que a vida de escritor envolve, não me arrependo de nada; mas aquele período cheio de incertezas foi assolador, e até hoje sonho com corredores universitários, e eu perdida no meio deles.

Lendo o ótimo O demônio do meio-dia, uma anatomia da depressão, de Andrew Solomon, que passou recentemente por aqui para a Flip, lembrei-me desse tempo da minha vida. Ao longo de mais de quatrocentas páginas, Solomon esmiuça a depressão em todos os seus ângulos – histórico, farmacológico, político e, principalmente, humano. Quem nunca mergulhou num período cinzento coloque o dedinho aqui. Solomon viveu terríveis e incapacitantes crises de depressão, mas saiu delas (na última, estava às voltas com a escritura do livro) para produzir um relato impressionante do que é viver uma depressão – essa doença que existe desde que o homem é homem, mas que ganhou notoriedade nos tempos atuais. As teorias para a multiplicação da depressão são muitas, segundo Solomon. Eu me interessei pelo viés de uma delas: o cérebro humano, no que tange às emoções que produz e administra, não estaria acompanhando o desenvolvimento tecnológico da nossa sociedade. Como assim? Ora, a partir do século XX, os níveis de estresse, por conta das escolhas ilimitadas que temos, aumentou consideravelmente – não fomos feitos para isso, ou ainda não estamos quimica e biologicamente preparados para escolher tanto, o tempo todo.  Até duzentos anos atrás, a maioria dos homens vivia num único lugar, conhecendo esse modo de vida em todas as suas nuances – na sociedade pré-industrial, uma criança dava uma volta na sua aldeia e poderia apontar todas as suas chances de futuro. Ela conheceria o seu caminho e seguiria por ele. Com o casamento, era a mesma coisa: a pessoa passava em revista as suas possibilidades amorosas, escolhendo a que lhe pareceria melhor ou mais conveniente. Hoje nós seguimos conhecendo gente nova pela vida afora, e a maioria das profissões nos são um mistério absoluto: Como se pilota um avião? Como é ser um engenheiro genético? E se eu fosse pra Israel viver num kibutz? Como seria trabalhar na indústria do petróleo no Kuait? Ou quem sabe largo tudo e vou pra Polinésia Francesa abrir uma pousada?

A vida moderna trouxe-nos a transformação constante e uma liberdade assustadora. As escolhas e (as dúvidas) são muitas, e pulam no nosso pescoço diariamente. As causas da depressão também são muitas, e muito pessoais – não existe uma doença cujo contexto importe e informe tanto quanto a depressão. Mas a conjuntura da esfuziante vida moderna pode ser mesmo a cereja do bolo.

LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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