Os lencinhos da minha avó

Por Leticia Wierzchowski

3 / outubro / 2014

cluna 28

Minha avó Maria era uma mulher discreta e cheia de netos. Lembro dela com seus vestidos floridos, alta e magra, sempre de passagem, indo de visita à casa de alguém. Ela era quieta e, dizem, muito submissa ao marido (como a maioria das mulheres daquele tempo). Fazia de um tudo para o avô – se ele tinha sede e estavam os dois vendo a novela, era ela quem ia até a cozinha atrás do copo de água. Uma noite, porém, e já estavam os dois casados há décadas, o avô verbalizou a sua sede, e a avó Maria lascou: “Vai lá na cozinha e pega a sua água, ora!”. E o avô foi.

Com o passar dos anos, estou ficando parecida com ela, o rosto ganhando um contorno quadrado, a boca larga e fina – uma boca que sorria com discrição. Tinha uma mania, essa minha avó: sempre que lhe parecia ocasião de me dar um presente – natal, aniversário ou qualquer outro momento especial –, ela me trazia uns lencinhos de cambraia, de bordinhas rendadas. Acumulei caixas deles, ao longo dos anos, sem entender o motivo de tantos lenços – seria medo de gripe? Um dia, perguntei à avó: por que tantos lencinhos? E ela, com aquele seu jeito suave, quase distraído, meio de pássaro, me respondeu com doçura: “Sempre é bom a gente ter um lencinho na bolsa, minha filha.” Foi uma explicação que não explicou nada, seguida de um abraço; depois ela partiu para outra visita, pois sempre tinha uma amiga ou um parente a quem levar o seu silencioso conforto.

Hoje, quando a vida me dá uma rasteira, quando a tristeza me invade e a vontade de chorar chega assim feito chuva, sempre penso na minha avó Maria, e na sua discreta lição. E choro por aí, em um canto, molhando de lágrimas as mãos. Quanto aos lencinhos que ganhei naqueles anos, perdi todos eles. A avó também se foi – tristeza maior, claro –, se bem que me visite diariamente nos fugidios reflexos do meu espelho.

LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

VER TODAS AS COLUNAS

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *