Meu papai nem tão Noel

3 minutos

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natal

Já disse muitas vezes que o meu avô polonês foi o primeiro personagem que conheci. Pois o meu pai foi o segundo. Um sujeito engraçado, que gosta de curtir a vida,  feito para tempos onde não existia o politicamente correto e seu exaustivo manual de comportamento. Eu poderia dedicar várias crônicas ao pai e suas histórias, porém temo que ele viria a público, todo composto, negá-las uma a uma.

Vou contar então uma única história do meu velho. Muitos anos atrás, às vésperas de um Natal (festa que ele adora), saímos para comprar uma árvore. Naquele tempo, vendiam-se pinheiros de verdade nas esquinas de Porto Alegre. Ainda não se falava em aquecimento global porém prescindíamos do uso de sacolas plásticas. No banco traseiro do carro, minhas duas irmãs e eu vibrávamos, e o pai guiava cantando músicas natalinas — ele sempre foi muito bomem criar um clima. Chegamos, enfim, na esquina onde estavam à venda os mais bonitos pinheiros. O pai estacionou e deixou-nos no carro (além das sacolas plásticas, vivíamos também sem assaltos). Retornou alguns minutos mais tarde seguido por um prestimoso vendedor que carregava um enorme pinheiro, e a quem cumprimentou com rara seriedade, agradecendo o “presente”. Depois de alguns salamaleques, o tal voltou para sua pequena floresta decepada. E nós seguimos para casa sem entender aquela conversinha estranha.

A mãe recebeu-nos alegremente e pousou seus olhos sobre o enorme pinheiro que vicejava no meio da sala. O pai sorria do seu butim, e a mãe quis saber: “Quanto pagaste por ele?”. A resposta paterna nos desconcertou: “Nada, nadinha”, disse ele, sorrindo meio sem jeito. “Eu disse que era fiscal do Ibama, e ele me deu a árvore correndo. Vai ver não tinha licença. Fiquei com vergonha de desmentir a brincadeira.” A mãe zangou-se: frequentemente, tinha ela de educar as três meninas e o marido pela mesma régua. Vimos o pai capitular perante os justos argumentos maternos, levando o nosso colossal pinheiro de volta para o carro. Meia hora depois, chegou com um pinheiro bem mais mixuruca, que poderia ser filho do anterior. Naquele ano, tivemos que nos contentar com aquela singela árvore. E o pai? Ah, o pai seguiu em frente, ora ouvindo os conselhos da nossa mãe, ora trilhando a vida do seu curioso (e divertido) jeito. Aquele pinheirinho há muito secou: virou lenha, adubo e depois – aqui – recordação. O pai segue fagueiro, enfileirando Natais e boas histórias. Uma parte dele é um senhor mui elegante, a outra ainda é um garotinho indócil que viveu sua segunda infância junto conosco. Curtindo a sua terceira meninice ao lado dos netos, ele agora se contenta em enfeitar a nossa árvore de plástico.

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