Diário de Isabela Freitas

Por Isabela Freitas

28 / janeiro / 2015

carta-de-amor

Olha, tem certeza que você não foi clonado? Sei lá. Li no jornal esses dias que os cientistas estavam bem avançados nessa área. Vai saber, pode ter sido você o escolhido, né? Até porque aquele rapaz que encontrei na rua esses dias não era você, não mesmo. Ele estava usando essas roupas “da moda”, sabe, aquelas que você tanto criticava. Usava também uns óculos que cobria todo o rosto e olhava para as pessoas com ar de superioridade, quase não reconheci. O cabelo também estava diferente, parecia ter sido cortado por um cabeleireiro de Hollywood. Estranho.

Fiquei encucada. Aquele cara alto, forte, que parecia se preocupar somente com sua imagem, era você? Não. Tinha que ser a teoria dos clones mesmo. Após anos negando a sua existência e focando em tudo que não remetesse ao passado, me preocupei com o que havia acontecido depois que dissemos adeus.

Abri minha lista de contatos e procurei por alguém que pudesse me dizer a verdade. Você deve estar se perguntando do meu orgulho; bem, ele se foi já há alguns anos. Me deixou livre para fazer minhas próprias escolhas. Acho que amadurecer é isso: parar de se importar com o que vão pensar de você. O que é engraçado, porque você dizia exatamente para que eu parasse com a minha mania de me importar com o que as pessoas achavam de mim, e eu te perguntava como conseguia ser tão maduro mesmo sendo tão novo. E isso tudo tá me dando um nó na cabeça e no estômago, porque o cara que me aconselhava anos atrás, não é – e não pode – ser o mesmo cara que vi na rua há algumas horas.

Ah, tem mais. Não acredito que você não é mais amigo do Pedro. Tá, ele foi a primeira ligação que fiz e você não tem direito de sentir ciúmes, não mais. Estou impressionada. A mãe dele disse que não te vê há mais de três anos e que o Pedro não queria falar comigo. Legal, entrei na lista negra do cara por sua causa. Mas não tem problema porque eu sei que você – o verdadeiro – deve estar trancado em algum laboratório sendo estudado enquanto seu clone anda por aí sem saber nem ao menos fingir ser quem você é, ou era.

Foi aí que liguei pra Ana e ela despejou tudo em cima de mim. Desde que terminamos você não tem sido mais o mesmo. Entrou no boxe, decidiu que queria ficar forte e arruma briga com qualquer pessoa que te olha diferente. Resolveu se revoltar com o divórcio dos pais e usa a dor como justificativa para sua existência. Parece que precisa dela. Largou a faculdade e vive do dinheiro dos pais. Abandonou todos os amigos antigos e se passa do lado deles é como se nunca tivessem existido. Ela disse ainda que você arrumou uma namorada muito da bacana, mas que não a trata bem e já até bateu na pobre coitada. Nessa hora não me aguentei e desliguei o telefone na cara dela. Depois mandarei uma mensagem me desculpando e agradecendo pelas informações. Eu não queria saber mais nada.

Quem é você? No que se tornou? Cadê aquele menino doce que conheci anos atrás? Aquele menino maduro que me dava lições de vida toda vez que fazia cara feia pra alguma coisa? Que me dizia que seu maior sonho era abrir um canil para ajudar os cachorros de rua? Que consolava a mãe toda vez que o pai bebia? Que me criticava toda vez que me chateava com a opinião dos outros? Que usava a primeira roupa que via pela frente e estava sempre com um sorriso no rosto? Desapareceu, evaporou, morreu. Você não existe mais. Quer dizer, pelo menos a pessoa que eu conheci, essa eu tenho certeza que não existe mais. Você ainda existe. Eu só não sei quem é. Não sei por que age dessa maneira, por que mudou tanto e por que resolveu ser o contrário de tudo o que era antes.

Você era perfeito, e foi exatamente por esse motivo que não consegui ficar ao seu lado. Decidi amadurecer para – um dia – te reencontrar. Mas eu não queria que fosse assim, não. Quero dormir e esquecer que esse dia aconteceu, ou então esperar que alguém me diga amanhã que isso tudo é uma brincadeira sua para me reconquistar. Isso era algo que você – o do passado – faria. O do presente? Ele nem me reconheceu na rua. Passou direto. Como se eu não tivesse sido importante durante boa parte da sua vida e como se tudo que ele viveu até hoje tivesse sido apagado da sua mente.

E agora eu não sei no que acreditar. As pessoas realmente mudam ou isso tudo não passou de um sonho ruim? Me belisca.

 

Isabela Freitas é autora de Não se iluda, não e de Não se apega, não, o primeiro livro jovem nacional da Intrínseca. Em 2011, começou seu blog, que já soma mais de 130 milhões de visualizações. Estudante de Direito, pretende cursar Jornalismo um dia. Mora com os pais em Juiz de Fora (MG), onde nasceu.

VER TODAS AS COLUNAS

Comentários

6 Respostas para “Diário de Isabela Freitas

  1. Bebela, você arrasa. Amei o texto,na verdade amo todos os seus textos . Minha Inspiração <3 . Continue sempre assim. Beijo :*

  2. Gente, por que o Pedro não quer falar com você? AI MEU DEUS! Me deu foi agonia ler isso ‘-‘
    Mas enfim, o texto está perfeito, de verdade.

  3. Isa, vc arrasa. Mais um texto maravilhoso e bom pra refletir.. Sua fã :*

  4. Apaixonada por seus textos…
    Depois que acompanhei seu trabalho, mudei totalmente meu conceito sobre seu livro.
    Já li e espero ansiosamente pelo 2,3,4,5 … Livros hahaha.

    Bebelete com orgulho ❤

  5. “Decidi amadurecer para – um dia – te reencontrar.”
    Essa é clássica! O cara era perfeitinho demais, daí largou pra dar uma “amadurecida” com os “imperfeitos” e agora sofre porque, para ele, não existe mais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *