Entrevistas

Amanda Palmer e a arte de se entregar

8 / abril / 2015

Por João Lourenço*

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Ao pensar em Amanda Palmer, a primeira coisa que vem à cabeça é uma boneca russa. São camadas que não acabam mais: poeta, cantora, compositora, artista visual, performer de rua, pioneira do crowdfunding.

Em 2012, cansada de lidar com reclamações e contratos rígidos e limitadores de gravadoras, ela disponibilizou músicas de sua banda de cabaré punk, The Dresden Dolls, na internet. O lema era (e continua sendo!) o seguinte: “Pague quanto puder, quando quiser!” Em sua palestra nos Ted Talks, Amanda explicou: “Foi uma atitude libertadora. Percebi que quando há uma conexão, as pessoas vão te ajudar! Basta saber como pedir.” Em outra ação, criou a banda Amanda Palmer & The Grand Theft Orchestra e deu o pontapé inicial em uma campanha no Kickstarter, site de financiamento coletivo. O objetivo era arrecadar 100 mil dólares para lançar um CD. No total, ela conseguiu mais de 1 milhão de dólares. Cerca de 25 mil pessoas colaboraram. Além de gravar o álbum, Theater is Evil, ela usou o dinheiro da campanha para cair na estrada em uma turnê que deu a volta ao mundo.

CAPA_AArteDePedir_WEBO mais recente empreendimento de Amanda é o livro de memórias e confissões A arte de pedir. “De certa forma, a palestra que dei nos Ted Talks inspirou o livro. Uma editora viu o vídeo e me procurou no final de 2013, quando estava no fim da minha turnê. Eu nunca tinha escrito nada parecido, não sabia se aceitava o convite. Parecia uma tarefa quase impossível.” Mas ela mudou de ideia após conversar com o marido, o escritor Neil Gaiman. “Ele me deu força para ir em frente. O tempo era curto, tive que escrever tudo em quatro meses.”

link-externoLeia um trecho de A arte de pedir

Amanda conta que A arte de pedir começou como um livro sobre os perrengues que ela passou nas ruas, quando ainda se apresentava como uma estátua viva vestida de noiva. Acabou se transformando em um tratado sobre a condição humana. Na obra, Amanda discute a nova relação entre artista e público, seus próprios medos, e conceitos como desconforto, amizade, feminismo e casamento. O maior trunfo da autora é a confiança e energia que deposita nos fãs e em todos que cruzam seu caminho. Ela defende que o simples ato de pedir cria um momento valioso de conexão entre as pessoas. “Ainda temos problemas para falar sobre dinheiro. Não é um assunto confortável. Às vezes, mal conseguimos pedir ajuda emocional. O ato de pedir, seja qual ajuda for, ainda é visto como algo humilhante. Quando essas barreiras de medo e desconforto caírem, a relação entre arte e público vai mudar drasticamente. Não só isso: a relação entre seres humanos mudará.”

Por telefone, de Nova York, onde estava de passagem, Amanda Palmer conversou com a Intrínseca.

Intrínseca: Primeiro, parabéns pela gravidez. Está nervosa?
Amanda Palmer: Obrigada! Eu vivo cansada, mas acho que isso é normal (risos). Também percebo que estou nervosa e assustada, mas esse tipo de sentimento não é novidade para mim. Afinal, já passei por muita coisa. Talvez o que mais me incomode agora seja a luta para dividir meu tempo entre ser artista, mãe e esposa.

I: A troca de energia entre você e os fãs parece ser vital para o seu trabalho. Porém, alguns críticos costumam dizer que é necessário haver um espaço entre artista e público. O que você acha disso?
AP: Eu não consigo pensar assim, pois não traço linhas divisórias entre a minha vida e a minha arte. Para mim, tudo está interligado. Conheço pessoas como eu, tatuadores que se pintam dos pés à cabeça, artistas que dedicam meses a uma performance de longa duração. Esses são os que vivem a arte ao extremo, mas nem todos conseguem ser assim — o que é normal! Não se trata de uma hierarquia, de quem é “mais artista” ou “menos artista”. Na minha opinião, a beleza da arte é que o artista e o público estão por trás desse tipo de decisão. Ainda mais hoje, nesta era superconectada, cada um escolhe como liberar sua arte e se comunicar com o público. E o público também pode escolher como se conectar com o artista, como ajudá-lo. É um processo bastante democrático, não? (Risos.) A dança entre arte e realidade acontece em uma linha tênue. Há muito mais arte em sua vida do que você imagina. E também há muita realidade na arte. Os maiores artistas são aqueles capazes de nos chocar, de nos tirar de nossas zonas de conforto e nos fazer lembrar que a beleza existe. Arte é uma manifestação da vida. É a criação de algo que não existia antes. Eu não poderia fazer nada disso se não tivesse o apoio e o contato do meu público.

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I: Você não segue tendências, não se preocupa em ser cool e popular, escreve letras emotivas e honestas. O mesmo pode ser percebido no seu livro — é como se sempre seguisse a sua intuição. Pode nos contar um pouco mais sobre o seu processo de escrita?
AP: Essa é uma questão interessante. Cresci ouvindo todos os tipos de música. Pense em Beatles, Beach Boys, ABBA, Madonna, entre outros. Percebi logo cedo que as músicas extremamente poéticas e honestas me instigavam, me faziam pensar em possibilidades. Lembro de ouvir as canções da Tori Amos e me questionar: “Ela acabou de dizer isso? Isso é mesmo possível? É permitido ser assim, honesta e vulnerável?” (Risos.) Esse tipo de reflexão me desafiou bastante, demorei um tempo para me permitir ser honesta. Sabe, não é fácil expor algumas feridas para o público. Não importa que tipo de artista você é e que tipo de arte faz, você paga um preço alto quando escolhe ser honesto. Tentar encaixar a sua arte nas tendências atuais não vai te levar muito longe. Enquanto isso, a honestidade ajuda a construir algo duradouro. Quando você revela medos, problemas e coisas que o envergonham, isso se reflete no público. E quando alguém se identifica com essa dor, acredite, você tem um fã pela vida inteira (risos). Então, eu também decidi ser honesta no livro. Acho que a boa arte é capaz de atingir o coração das pessoas. Se consigo ou não fazer isso, não sei.

I: Recentemente, você defendeu em seu perfil no Facebook que não acredita em “feminismo ruim”. Você poderia explicar melhor essa opinião?
AP: Infelizmente, sinto que as mulheres estão sempre julgando umas às outras. O mesmo tipo de comportamento pode ser observado no feminismo. Quando você cria regras específicas, acaba afastando as pessoas. Acredito que cada um tem que viver de acordo com as próprias vontades. Em um contexto global, as nossas decisões são muito diferentes. Não acho legal quando alguém me diz como devo gastar meu dinheiro, o que devo vestir e se devo ou não fazer cirurgia plástica. Essas e outras decisões cabem a mim e a mais ninguém. E o que percebo é que essas regras autoritárias geralmente acompanham a bandeira do feminismo. Para mim, o feminismo de verdade está na liberdade de escolha. Não devemos nos culpar por nossas decisões, por isso volto a repetir: não há feminismo ruim, ponto! Se você quer ser mãe solteira, viver nas ruas, não ter uma carreira, vá em frente. Essa escolha é sua! A melhor forma de redefinir o feminismo é deixar as mulheres se definirem.

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I: Além de cantora, escritora, futura mãe, você também é casada com o Neil Gaiman. Como ele influencia o seu trabalho?
AP: Na maior parte do tempo, a influência do Neil é indireta. Nós dois nos influenciamos muito apenas por estar um ao lado do outro. Existe também uma influência mais concreta, na qual criticamos e editamos o trabalho um do outro. É mais como um desafio constante. Neil me desafia a não cair na mesmice, me incentiva, diz que não posso ficar preguiçosa. Acho que uma das coisas mais bonitas da nossa relação é que lutamos para não desapontarmos um ao outro. Essa fórmula, de sempre querer surpreender o outro, também está presente em uma boa base de fãs e em uma grande amizade. É extremamente importante ter um público, mesmo que pequeno. Pode ser sua mãe, marido, amigos ou fãs, não importa — você precisa de alguém para te dizer a verdade, sem enrolação. Quem gosta de você não vai te enganar. Os maiores críticos são sempre as pessoas mais próximas. Então, posso dizer que me sinto grata por ter esse tipo de conexão e troca com o Neil. Ele também me apresenta para amigos e pessoas que me ajudam a pensar de forma diferente. No começo da nossa relação, ele me deu um livro da Kathy Acker, uma de suas escritoras favoritas. O trabalho dela mudou totalmente a minha forma de pensar sobre escrita, me inspirou a ser uma pessoa mais forte. Não sei se respondi muito bem a sua pergunta, mas é essa a nossa relação (risos). Acima de tudo, nos influenciamos através do convívio diário, através da arte que compartilhamos.

I: Você trabalha com diversas mídias e plataformas e parece sempre pronta para abraçar novas tecnologias. Como pessoa e artista, do que você mais sente falta do período anterior à era da internet?
AP: Agora que estou prestes a ter um filho, esse é outro tópico interessante. Eu me pego pensando no futuro, em como as crianças de hoje terão dificuldades em entender um mundo pré-smartphone, Google e redes sociais. Ao mesmo tempo que entendo que as coisas eram mais simples e puras antes da internet, aceito os avanços da tecnologia. Senti na pele os benefícios da internet, que considero uma ferramenta de conexão incrível. Arrecadei dinheiro através dela e é por meio da rede que mantenho contato direto com fãs do mundo inteiro. Antes, esse tipo de comunicação seria impossível. Só que nem tudo é um mar de rosas. Assim como qualquer invenção, a internet também apresenta um lado muito perigoso. Acho que vou poder dar uma resposta melhor após o fim da gravidez. Vou aprender muito sobre a internet com meu filho, não tenho dúvida disso. É preciso abraçar a mudança; não quero me transformar em uma pessoa amarga. Só que, ao mesmo tempo, não serei o tipo de mãe que deixa o filho pequeno mexendo num tablet o dia inteiro (risos).

I: Para os artistas que estão começando qual conselho você daria?
AP: É um pouco clichê o que vou dizer, mas algo parecido me foi dito no passado e funcionou. Eu diria que é importante prestar atenção na reação das pessoas. Não importa o que seja, se a sua arte provocar e deixar as pessoas irritadas, incomodadas, acredite: você provavelmente está no caminho certo (risos). Se as pessoas não reagem, não pensam, não discutem o que você está fazendo, então é melhor rever os conceitos. É preciso se arriscar para seguir em frente.


João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFW MAG!, colaborou com a Harper’s Bazaare com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Agora, está em NYC tentando escrever seu primeiro romance.

Comentários

2 Respostas para “Amanda Palmer e a arte de se entregar

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