O Tempo se encontrou com o Vento na esquina do Tédio

9 / julho / 2015

(ou Quase um conto para crianças)

07.09 - coluna

O Tempo se encontrou com o Vento na esquina do Tédio.

O Tédio era um cara vaidoso, ocioso. Tinha uma esquina só para ele. Era tão dele a esquina que ele se recusava a olhar para o lado ou para cima. Se arrastava para sair, para limpar ou para atravessar a rua. Para fazer qualquer coisa que o deslocasse daquela esquina sua, só sua.

O Tédio percebeu assim que o Tempo dobrou sua esquina que ele era um cara impetuoso, forte e disforme. Por onde passava, transformava tudo ao redor: as flores se despetalavam, os bebês se barbavam, as árvores se talhavam (viravam mesa) e o velho saía jogando futebol.

O Tempo vinha distraído, conversando com o Vento, velho amigo seu, sobre o universo.

O Vento era colorido, serelepe. Por onde passava, descabelava. Deixava tudo assanhado.

O Tédio logo percebeu que o Vento adorava mudar o curso das coisas. Por onde passava, os carros viravam na contramão.

Apavorado com tanto movimento, o Tédio se sentiu ameaçado. Estava tudo tão tranquilo na sua cadeira de balanço,

em sua esquina tão sua,

na sua chatice,

na paisagem tão conhecida.

Na mesa da mesmice.

Se esses dois passassem por perto, seria o caos, o fim.

Sua esquina poderia sumir. Todo mundo sabia que aquela dupla nunca fora, ao Tédio, muito amigável.

Ele, então, resolveu se disfarçar.

Aproveitou o outono e transformou-se em uma árvore inofensiva, cheia de folhas amareladas. Esperou.

— Quanta poeira. Você não passa por aqui? — perguntou o Tempo ao Vento.

Sua voz era confusa, não dava para saber se é ou se já foi.

— Confesso que eu não tinha visto este lugar. E olha que já vi de tudo. — A voz do Vento era de menino traquino, com uns estranhos ecos de trovão.

Sorrindo, o Vento soprou. A poeira foi embora, mas a cadeira de balanço não balançou e a estranha árvore amarelada sequer desfolhou.

O Tempo, experiente,

reconheceu rapidamente

quem se escondia.

O Vento, inteligente,

entendeu, subsequente,

e já sorria.

Juntos, sopraram

e passaram

pela esquina fria.

Cazuzeando, transformaram

o Tédio em melodia.

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