O biógrafo e suas fontes

Entre nós, biógrafos, é impossível não se apegar a determinadas pessoas.

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Quando soube da morte do showman Luís Carlos Miele, ocorrida no último dia 14, lembrei-me de Julio Maria, biógrafo da cantora Elis Regina. Pela leitura de seu livro, Nada será como antes, é possível perceber como o depoimento que Miele lhe forneceu foi delicioso e rico em informações, já que rendeu diversas passagens na biografia. Há pouco, Julio perdeu outro depoente, o cantor Jair Rodrigues.

Passei pela mesma situação. O livro de Julio foi lançado no início de 2015 e o meu, Os Guinle, em junho. Desde então, ele perdeu duas fontes; eu, três. E confesso que fiquei muito triste com essas perdas. Para escrever sobre a saga da família Guinle, fiz umas 70 entrevistas. O primeiro a falecer foi Henrique Tamm, amigo da minha família. Henrique, aos 90 anos, tinha uma alma jovem, e nossas conversas eram sempre animadas. Ele foi amigo, sócio e testamenteiro de Carlinho Guinle e conhecia bem o clã.

A crítica de teatro Bárbara Heliodora, que era filha de Marcos Carneiro de Mendonça e teve como padrinho de casamento Arnaldo Guinle, me ajudou com informações e foi fundamental para a localização de diversos documentos no Arquivo Nacional. Ao longo da pesquisa nos falamos umas duas ou três vezes ao telefone. Ela nos deixou no início do ano.

Mas, disparado, a melhor prosa foi com o casal Zezinho e Carmen Gueiros. Passei uma tarde agradável com eles. As informações sobre os Guinle surgiam aos borbotões. Infelizmente, Zezinho não chegou a ver o livro pronto.

As fontes têm valores diferentes. Nem todo depoimento traz informações novas e relevantes, da mesma forma como nem todos os entrevistados mostram alguma relação afetiva com o tema estudado. E ainda há as pessoas que podem ajudar e se recusam.

No meu caso, entre os que não quiseram colaborar cito o senador José Serra e o apresentador Jô Soares. O primeiro não quis falar sobre como ele conseguiu, durante seu exílio político no Chile, o passaporte brasileiro. A história envolvia diretamente Otavinho Guinle, filho de Octávio Guinle, proprietário do Copacabana Palace, e eu considerava a informação importante. Depois me dei conta de que Serra estava escrevendo um livro de memórias e que talvez ele não quisesse dividir o tema com outro autor.

Jô Soares mandou dizer que não tinha nada para falar. Mas tinha! Quando ele me entrevistou, mencionou a venda da pedreira vizinha ao Copacabana Palace. Octávio Guinle não teve visão para comprar e desmanchar a tal pedreira e quem a comprou acabou ganhando muito dinheiro.

Não sei se entre os jornalistas é comum desenvolver uma relação afetiva com suas fontes, mas tenho certeza de que entre nós, biógrafos, é impossível não se apegar a determinadas pessoas.

Uma resposta

  1. Legal conhecer esse lado do autor. Por mim, toda biografia teria um apêndice contando como se deram as relações com as fontes. Abraços!

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