testeA eleição no recife

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Havia muito a eleição no recife não era tão disputada. O tubarão-branco tentava o quinto mandato consecutivo, ainda que a reeleição não fosse aceita pela Constituição vigente no fundo do mar. O problema é que nenhum outro peixe jamais tivera coragem de levantar a inconstitucionalidade do ato, muito menos desafiar o tubarão nas urnas, notadamente por conta de seus 3 mil dentes e da forma truculenta com que costumava conduzir os pleitos, devorando qualquer um que ousasse pensar em registrar candidatura. Mas os tempos eram outros, e o tubarão, envelhecido e só com metade da arcada dentária, convencido pelos analistas políticos de que a abertura democrática era necessária, já não metia tanto medo. A eleição seria decidida mesmo era no voto.

As pesquisas traziam números disputados cabeça a cabeça, método que automaticamente excluía os bacalhaus da amostra, mas ainda assim dentro da margem de erro. Na semana da eleição, o quadro era de empate técnico entre as três candidaturas majoritárias: 1) a do partido governista, conservador, apoiada no lado abissal direito do recife, encabeçada pelo próprio tubarão-branco e cujo vice era o tubarão-cabeça-chata, em escolha estratégica para angariar votos de peixes do nordeste do recife; 2) a do partido comunista, enraizada na extrema esquerda radical do paredão, liderada pela sardinha e tendo como vice outra sardinha, o que em geral confundia os eleitores sobre quem realmente era o cabeça da chapa; e 3) a do partido socialdemocrata, que se reunia em cima do muro de corais e era comandada pela ostra, tendo como vice o golfinho. Essa chapa estranha tinha potencial de angariar votos de peixes e não peixes, ao atirar a rede para tudo quanto era lado.

Registre-se aqui que a quarta candidatura, a do partido verde-musgo, minoritário, havia morrido no nascedouro por equívoco brutal de estratégia política, que veio a se confirmar tarde demais, após a impressão de milhares de santinhos sem noção, com o slogan “Queremos Robalo”, e a perda de apoio quase instantânea por parte dos correligionários, que nadaram para outras candidaturas.

As campanhas estavam nas ruas, ou melhor, nas correntes. Os comícios foram organizados em datas diferentes, para que todos pudessem comparecer, considerando que o que a turma mais queria era acompanhar os shows que cada legenda havia contratado. O partido comunista, mais modesto em seus recursos, apresentou um grupo de pagode formada por manjubinhas, que entrou após o discurso de quinze segundos da sardinha, sempre pressionada de todos os lados a falar pouco. Logo no início do show o quebra-pau foi instalado, por conta de uma falha no repertório, que trazia o clássico “Assassinaram o camarão”, sambão que revoltou os camarões, que avançaram sobre o palanque e retiraram o apoio ao candidato por incitação ao crime. O partido socialdemocrata ficou na dúvida sobre quem contratar e, para não desagradar a ninguém, convidou uma banda de rock pesado e outra de bossa nova. Tal estratégia se mostrou pouco inteligente, porque a turma formada pelos adoradores do metal, composta por tubarões-lixo, moreias e ouriços, não se conformou em ter de assistir a um lambari cantando “O barquinho” e o recebeu sob uma chuva de conchas. Em tempo, diante da confusão, a ostra preferiu não se abrir para o público, declinando do discurso. Já o partido conservador, utilizando-se de recursos da máquina pública, optou por algo também conservador e contratou um coral. A adesão foi baixa nesse comício, mas a presença intimidante do tubarão-branco e seus asseclas tubarões-martelo foi motivo suficiente para que todos aplaudissem efusivamente seu discurso interminável de quatro horas.

O certame foi conturbado, com os três candidatos sofrendo extorsão por parte das traíras, que, organizadas num cardume silencioso e muito eficiente, montaram dossiês e só fecharam a guelra após negociatas que resultaram em promessas de cargos no segundo escalão do futuro governo — seja quem fosse eleito. Desde a “afundação” do recife, as traíras sempre estiveram no poder, atuando de forma baixa por debaixo dos oceanos. Nenhum dos candidatos afirmou aceitar os dossiês após acordo de fazerem uma campanha em águas limpas, apenas no mar das ideias, e recusando-se terminantemente a descer o pleito a níveis abissais.

Missões estrangeiras foram convidadas como observadoras, para garantir a lisura e dar credibilidade ao processo. Chegaram, a uma semana da eleição, peixes de água doce vindos via pororoca: tambaquis, piramutabas, pirarucus, pacus, um boto-cor-de-rosa — representante das minorias piscianas sexualmente reprimidas —, um peixe-boi — representante dos pecuaristas — e mais um monte de cardumes organizados, interessados apenas em fazer turismo em outras águas.

A bandeira de campanha da sardinha comunista era transformar o recife numa simbiose, com todo mundo trabalhando em prol do coletivo. Sua base de apoio era o Movimento dos Sem Movimento (MSM), composto por esponjas e anêmonas, que ameaçavam invadir todos os “latifundos” improdutivos do mar se não recebessem generosos pedaços de recife nos quais pudessem se instalar. Tal bravata não metia medo em ninguém, justamente por sua própria natureza imóvel e pelo fato de todo mundo saber que aquilo era pura retórica.

Já o programa da ostra era privatizar qualquer coisa que aparecesse na frente, vender e fazer caixa. A candidatura estava inflada de recursos de caixa dois oriundos de empresas de petróleo interessadas na privatização dos serviços de exploração, e a intimidade da ostra com uma gigante petrolífera estava na cara. Mas ela negava peremptoriamente.

Por fim, o tubarão-branco acenava com ampliações das instituições, o que abriria novas vagas na mamata do serviço público. Porém, todos sabiam, à guelra pequena, que só quem tinha escama quente e peixada forte conseguia. Todos os setenta tubarões-brancos da família estavam alocados em posições estratégicas, sem o mínimo constrangimento. O Ministério da Pesca, por exemplo, estava a cargo da mãe do tubarão-branco. Um escândalo, considerando que jamais um tubarão-branco fora pescado e isso denotava que a velha, apesar de enorme, era peixe-pequeno no assunto.

A dois dias do dia D, um debate com transmissão para todo o recife aconteceu dentro de um navio naufragado na Segunda Guerra. Os candidatos chegaram ao convés com seus séquitos de puxa-sacos e assessores: o tubarão-branco e suas rêmoras; a sardinha com mais quatro sardinhas de cada lado; e a ostra apoiada no casco de um cágado. As focas da imprensa entrevistavam cada um deles:

— Vou engolir as outras duas candidaturas — afirmou o tubarão-branco.

— Estou acostumada a sofrer pressão de todos os lados — filosofou a sardinha.

— Quero expor meu interior aos eleitores — proferiu a ostra, soltando uma pérola.

A mediação ficou a cargo da garoupa, que, após ter sua foto estampada na nota de 100, largou a humildade de lado e virou uma estrela-do-mar. Passou a exigir cachês exorbitantes para aparecer e dava o mar da graça apenas em eventos da alta sociedade ou daquela “margnitude”. As regras foram combinadas pelas assessorias dos três candidatos, com pedido expresso para que o tubarão-branco não atacasse a honra pessoal nem o próprio pessoal, sob pena de expulsão do plenário, além da concessão de uma hora de direito de resposta a quem sobrevivesse ao ataque. Cada candidato poderia fazer perguntas aos oponentes, e a livre intervenção por parte da plateia era estimulada. As galerias estavam cheias até a borda das mais diversas espécies de animais marinhos. Do lado de fora do navio, os barbados e os tubarões-bigode, capitaneados pela lula, organizaram uma manifestação contra a “ditadura da elite cinza”, em referência aos tubarões, e pregando o voto em branco. O problema foi a confusão gerada na cabeça dos poucos presentes, que não entenderam nada e acharam que o voto em branco significava votar no tubarão-branco, subvertendo toda a lógica do protesto.

O início do debate foi tranquilo, com a exposição dos programas de governo e as naturais trocas de amabilidades, característica desse tipo de confronto. Um marasmo! O que se viu foi um infindável abrir e fechar de guelras por parte da plateia. Os baixíssimos índices levantados pelos programas instantâneos de medição de audiência indicavam que, daquele jeito, o debate daria com os burros n’água, o que poderia desagradar a quem realmente interessava: os patrocinadores. No primeiro intervalo comercial, o peixe-piloto, editor-chefe da emissora organizadora do confronto, foi até a garoupa e ordenou que botasse fogo no debate. A garoupa era famosa, mas pouco inteligente:

— Como vou botar fogo dentro d’água? — perguntou, o que lhe valeu um olhar de peixe morto por parte do peixe-piloto, que não respondeu.

Na volta, a garoupa abriu para as perguntas da plateia. O ouriço pediu a palavra e trouxe à tona um tema espinhoso: a lavagem de dinheiro. Fez um inflamado e breve discurso sobre o tema, sem nenhum nexo naquele contexto, porque não se conhecia, ao menos no fundo do mar, dinheiro que não fosse lavado. Sua pergunta foi cancelada por falta de oportunidade e conveniência.

— É um cabeça-de-bagre mesmo — cochichou o tubarão para a ostra.

— Parece que tomou umas e ostras — devolveu a ostra, no trocadilho mais infame da história das eleições.

Palavra dada à sardinha, que atacou a ostra:

— Trago aqui denúncia gravíssima, feita pela revista Caros Anfíbios, que afirma ser o senhor o verdadeiro dono de um restaurante japonês que arranjou um laranja, o peixe-palhaço, para tocar o negócio. O que o senhor tem a dizer?

O recife tinha alguns restaurantes japoneses clandestinos, estabelecimento proibido pela legislação contrária ao canibalismo via sashimi. A denúncia automaticamente tornava inadmissível que salmões, atuns e cogumelos-do-mar votassem na ostra.

— Calúnia! O peixe-palhaço a que o senhor se refere é apenas um amigo meu, animador de festas infantis. Nego peremptoriamente, porque nunca gostei dos japoneses.

Foi uma afirmação necessária para se safar, mas que também colocava por terra o outrora apoio maciço dos peixes ornamentais à candidatura da ostra.

— Só sendo muito mole para votar nesse aí — comentou a água-viva.

— Está insinuando o quê? — atacou o molusco, virando-se para a água-viva, que se fez de morta.

A ostra contra-atacou a sardinha, gritando:

— E você e o namorado, que foram vistos jantando juntos? Como é que fica?

— Nossa, adorei isso — comentou o boto-cor-de-rosa, que, a propósito, era do signo de aquário.

— Namorado? Eu sou espada — retrucou a sardinha, indignada.

— Espada? Você é uma sardinha — vociferou novamente a ostra, atacando diretamente o candidato, com aplausos efusivos do peixe-espada, que gritou: “Sardinha é a mãe!”

— Exijo direito de resposta — gritou a sardinha, que sabia da péssima reputação do namorado, que vivia dizendo que “caiu na rede é peixe”.

— Bonito, hein, sardinha? — gritou um mexilhão que estava nas galerias.

— Me inclua fora dessa! Quero que a sardinha se afogue! — indignou-se o bonito, anticomunista declarado, sentado próximo ao mexilhão e já pronto a meter uma moqueca em sua cara. Os outros presentes tiveram que intervir para conter os ânimos exaltados.

— Aí tem truta — gritou o leão-marinho.

— Truta, o cacete! Vou dar uma piaba na sua orelha — respondeu a truta, após ser incluída nas denúncias e esquecendo que leão-marinho não tem orelha.

— E o que tenho a ver com isso? — quis saber a piaba.

— Estou cansado de viver nessa lama — esbravejou o caranguejo, desiludido, falando com propriedade.

— Falou bonito — aplaudiu o bonito.

— Quero ver ele se safar dessa. Tremendo pepino – comentou a arraia, que era o peixe mais chato do oceano e nunca concordava com nada.

— Hein? — perguntou o pepino-do-mar, que não estava prestando atenção.

— Isso aqui está uma surubada — gritou o beta azul, o peixe mais invocado do recife, sem medo nenhum de que a turma do surubim fizesse pincel dele.

— Silêncio nas galerias! — exclamou a garoupa, perdendo a compostura e tentando subir o nível, atitude reprovada com outro olhar de peixe-morto do peixe-piloto, ciente de que aquele sururu era ótimo para o crescimento do ibope. Mas a garoupa botou fogo, conforme as orientações:

— Direito de resposta dado à sardinha. O que o senhor me diz sobre aquela história do namorado?

— Não tenho nada a dizer sobre isso. Mas tenho aqui fotos que mostram a ostra tirando uma casquinha do siri.

Nesse momento, o siri saiu de lado, para não se comprometer com as fotos tiradas pelas traíras.

Uma imagem vale mais do que mil palavras, e se podia afirmar que a candidatura da ostra naufragaria.

— Hahaha. É como sempre digo: pimenta no pacu dos outros é refresco — era o tubarão-branco, em frase de efeito que provocou silêncio constrangedor nas galerias, ao menos por parte dos pacus, que ainda tiveram de aguentar risinhos maledicentes dos baiacus, dos pirarucus e dos tambacus, que não foram citados por mero detalhe de escolha de prefixo.

O tubarão continuou, baixando o nível de vez:

— Ostra, você não tem envergadura moral para comandar o recife. Sabemos que o candidato é casado com outra ostra e, além dessa agora do siri, tem sido visto constantemente com uma lampreia. Como o senhor explica isso?

A ostra, sabendo que pior do que ser taxado de infiel é ser taxado de sem noção, já que a lampreia era uma verdadeira mocreia, contra-atacou na mesma moeda, mudando o foco das atenções para o tubarão-branco:

— O sujo falando do mal lavado.

— Não sei o que o candidato está insinuando. Sou muito bem casado com uma orca. Mesmo ela sendo uma baleia, não fico por aí nadando de braçada com raparigas.

— Então, como o candidato explica estas fotos? O senhor se reconhece aqui? — era a ostra, chutando o balde e mostrando para as câmeras fotos comprometedoras, obtidas pelas traíras, do tubarão-branco de barbatanas dadas com uma piranha e uma piraputanga. A imagem já valia mais do que um milhão de palavras.

— Ooooohhhhhhhh!!!! — espantaram-se os presentes.

O ibope estava nas alturas.

— Sou branco-gelo! Essa foto é de um tubarão branco-neve — gritou, com a mandíbula proeminente e mostrando quase todos os 1500 dentes que restavam, na desculpa considerada a mais esfarrapada da história do recife, entrando para os anais do folclore político desde então. Tamanha cara de pau foi um choque até para a enguia.

— Já sabendo da possibilidade dessa desculpa fraca, consultei previamente um especialista, o pinguim, e tenho aqui um relatório que prova que branco-gelo e branco-neve é tudo a mesma coisa. Era o senhor, sim. Como explica? — indagou a ostra, encurralando o tubarão, que sabia que teria de dar explicações à baleia assassina quando chegasse em casa.

— Acaba com ele, Ostra! – gritou e aplaudiu o vermelho, comunista desde alevino.

Foi nesse momento limite que o tubarão, sentindo-se acuado, afogado num mar de lama capaz de destruir o pouco que ainda restava de sua péssima reputação, de saco cheio de bancar o bonzinho, já sem qualquer paciência para mais palavrório e presepada, e sentindo, enfim, que a coisa tinha ido por água abaixo, partiu para a truculência: saiu devorando tudo o que tinha à frente, porque aquele negócio de democracia já tinha enchido o saco.

Devorou a sardinha e a garoupa. Comeu o namorado. Descascou a tartaruga. Destroçou a ostra. Aniquilou os siris, os caranguejos e o ouriço. Assassinou o camarão. Enlatou oito sardinhas. Cagou no cágado. Deu um cascudo no pintado. Estrunchou o molusco e palitou os 300 molares com a lagosta. Não poupou nem o filhote. Avançou sobre as galerias e trucidou os pacus, os baiacus, os pirarucus, os tambacus e todos os outros peixes, fossem eles terminados neste ou naquele sufixo. Venceu por aclamação das rêmoras, as únicas poupadas da chacina.

E voltou para seu gabinete, autoconcedendo-se mandato vitalício.

Nos braços do polvo.

testeA lista dos descasos, em ordem aleatória

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O museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro (Fonte)

1 – O primeiro comunicado emitido pela Polícia Federal sobre o roubo ao Museu da Chácara do Céu foi destinado aos aeroportos de Rio de Janeiro e São Paulo, ao porto do Rio e à Polícia Federal Rodoviária em Duque de Caxias. Em vez de listar todas as obras levadas pelos criminosos, citou apenas três. O documento não trazia uma descrição minuciosa das obras nem fotos delas.

2 – A perícia técnica feita na Chácara do Céu na noite do crime, em 24 de fevereiro de 2006, colheu impressões digitais em pelo menos dois locais. A conclusão da análise dessas digitais — mesmo que não dessem em nada — jamais foi juntada ao inquérito do roubo, que segue em aberto.

3 – Na noite em que foi atacado, o Museu da Chácara do Céu dispunha de um sistema de vigilância, mas não de um alarme. Em poucos minutos, os criminosos desligaram todas as câmeras instaladas na casa e levaram consigo todas as fitas de VHS que mostravam o vaivém na instituição nos três dias anteriores. Os vigias não puderam reagir. Nos bolsos, tinham apenas apitos.

4 – Ao invadirem a Chácara do Céu, os quatro criminosos fizeram nove reféns: três vigias, o funcionário da bilheteria do museu, dois neozelandeses, duas australianas e um taxista que havia levado as turistas até o local. Os neozelandeses jamais prestaram depoimento, bem como o taxista.

5 – Segundo relato dos reféns, quatro criminosos entraram na mansão de três andares e por lá ficaram por aproximadamente meia hora. A Polícia Federal fez e divulgou o retrato falado de apenas dois.

6 – A primeira delegada responsável pelo caso solicitou que o telefone celular de um dos suspeitos fosse grampeado. A Justiça autorizou, mas, por questões técnicas e por falta de recursos humanos, os áudios não ficaram gravados no sistema de grampos da PF.

7 – O roubo ocorrido em 2006 não foi o primeiro. Em 1989, o museu havia sido invadido por um grupo que acabou sendo preso pouco depois. Entre as obras levadas à época estavam duas que voltariam a ser alvo da cobiça criminosa anos mais tarde: o Matisse e o Dalí. No inquérito da PF sobre o segundo roubo não há qualquer menção a isso.

8 – O ataque à Chácara do Céu ocorreu no fim da tarde de uma sexta-feira, véspera de Carnaval. A diretora do museu havia deixado a instituição mais cedo para evitar o trânsito. Seu superior, o responsável pelo Departamento de Museus, soube do caso, redigiu uma nota para o Jornal Nacional, avisou ao então ministro da Cultura, Gilberto Gil, e passou dias em Porto Alegre. Gil, por sua vez, estava no carnaval baiano. Ao ser acionado, repassou o problema ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que, por sua vez, contatou a Polícia Federal. Naqueles dias, a PF do Rio estava em plantão de Carnaval. Boa parte de seus homens estava alocada no policiamento do Sambódromo.

9 – O Museu da Chácara do Céu nunca teve em seus registros fotos em alta resolução das obras-primas roubadas. Elas também não estavam asseguradas.

10 – A diretora do museu soube do roubo, mas não retornou imediatamente à instituição. No dia seguinte, foi a um churrasco de Carnaval. Ao ser chamada às pressas para dar uma entrevista para o Fantástico, reclamou. Em vídeo, disse que os culpados pelo roubo eram os responsáveis pela segurança pública do Rio de Janeiro. O mal-estar foi geral.

testeTemporada de acidentes

Por Moïra Fowley-Doyle*

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Comecei a escrever Temporada de acidentes em novembro, no mês seguinte àquele em que a história se passa. Terminei o esboço inicial em um mês e meio, numa torrente de palavras, e durante esse tempo fiquei estranhamente cautelosa, talvez por escrever uma história na mesma época do ano em que ela ocorre. Começar foi fácil. Escrevi tanto sobre acidentes que peguei medo de facas afiadas e passei a tomar mais cuidado ao atravessar a rua ou descer escadas. Eu me imaginava torcendo o tornozelo e quebrando ossos.

Sou meio propensa a sofrer acidentes, em parte porque não presto atenção aonde vou e em parte porque gosto de aventuras. Já quebrei cinco ossos desde os dezessete anos, mas não foi por isso que escrevi este livro.

Eu sempre escrevi — diários, poesias, novelas, partes de romances e romances que não deram certo —, mas, exceto a poesia, escrevia basicamente para mim mesma. Um desses romances que não deram certo foi um que escrevi aos dezesseis anos sobre uma garota misteriosa que aparecia de vez em quando na vida da protagonista e armava ratoeiras, pendurava papel mata-moscas e perambulava pela floresta com uma rede de caçar borboleta. No começo de novembro, eu me sentei para contar essa história, mas as primeiras palavras que saíram foram: “É a temporada de acidentes: acontece todos os anos na mesma época.” Então decidi ir em frente com isso, e, conforme avançava, ia usando trechos e elementos do livro que tinha escrito aos dezesseis. Ficou claro que meus ossos quebrados estavam se debatendo no meu inconsciente; isso e meu amor persistente pela ideia da existência de um espírito de luz que cuida de garotas imprudentes. Isso e a vontade de traduzir em livro o surreal e o cênico, a magia e a mixórdia, além de todas as outras aliterações que marcam a adolescência; isso e a vontade de ambientá-lo na Irlanda.

Temporada de acidentes conta a história de Cara, uma adolescente de dezessete anos, e sua família desajustada, que, durante um mês do ano, de uma hora para outra e sem explicação plausível, ficam extremamente propensas a acidentes. Alguns meses de outubro são repletos de cortes, pancadas e machucados, outros têm infortúnios mais sérios, mas nos piores anos o avô, o tio e o pai de Cara morreram. Com o cabelo pintado de roxo, a mãe de Cara acha que a temporada de acidentes é uma maldição de família, mas a filha mais velha, Alice, tem certeza de que tudo não passa de coincidência. No momento, Cara está mais preocupada com o fato de Elsie — uma garota esquisita e sem amigos com quem ela estuda e de quem foi próxima quando criança — aparecer em todas as suas fotografias, mesmo quando não havia a menor possibilidade de ela estar por perto no momento em que foi tirada. Mas, quando Cara vai confrontá-la, não consegue encontrá-la: parece que a garota sumiu. Enquanto os acidentes pioram e o desaparecimento de Elsie se torna cada vez mais preocupante, Cara também tenta controlar sua amizade com a desvairada Bea — que tem ares de bruxa — e seus sentimentos pelo ex-irmão postiço, Sam. Além disso, ela está organizando com os amigos e a irmã uma festa de Halloween caótica bem no último dia da temporada de acidentes numa casa abandonada numa área da cidade mais afastada — e é esse evento que fará os segredos de todo mundo finalmente virem à tona e Cara encontrar as repostas que busca.

Foto autora_facebookA autora Moïra Fowley-Doyle

Eu cresci lendo a magia selvagem e glamorosa de Francesca Lia Block, a magia extraordinariamente comum de David Almond e a magia ocultista de Alice Hoffman, e queria escrever alguma coisa mágico-realista (magicamente realista? Mágico-realística?) que me parecesse tão onírica e selvagem quanto eu era na adolescência — quando às vezes você não consegue dizer o que é real e o que não é, quando tudo é imediato e dramático e quando o amor e a amizade são sentimentos que abraçam o mundo. Eu queria escrever uma história onírica e misteriosa, na qual fantasia e realidade muitas vezes se confundem, e queria que se ambientasse perto da minha casa, porque, se é possível encontrar a magia nas ruas de Los Angeles ou nas praias ventosas do estado do Maine, também dá para encontrá-la numa cidadezinha no condado de Mayo, na Irlanda.

Eu não moro no condado de Mayo — sou de Dublin —, mas passo muito tempo lá com a minha família, numa cidade perto da fronteira com Galway. Um rio atravessa essa cidade, que tem também uma floresta cheia de árvores antigas que estalam, além de um monte de casas abandonadas que servem de inspiração. Comecei com os detalhes na cabeça — ratoeiras e redes de caçar borboleta, um mês de desgraças, um rio atravessando uma cidadezinha, uma casa abandonada — e acrescentei mais elementos conforme avançava na história: uma cabine de segredos em que os segredos são datilografados numa máquina de escrever e pendurados num varal, um amor proibido, um baile de máscaras, cigarros manchados de batom vermelho e muito uísque.

Liguei os detalhes, escrevi a história e tomei cuidado quando atravessava a rua. Um dia, durante os vários meses que passei editando o livro para enviá-lo à minha editora, eu escorreguei (veja você: no palco, no meio de uma performance do The Rocky Horror Picture Show) e quebrei o pulso. Com o braço esquerdo imobilizado, tive que terminar o livro com uma só mão. Escrevi o título no gesso, com uma caneta permanente (para a enorme diversão das enfermeiras da emergência), e me dei conta de uma profunda empatia pelos meus personagens, além de ter descoberto tudo o que é possível carregar numa tipoia.

Atualmente estou escrevendo um livro sobre coisas perdidas, ambientado numa floresta semelhante à de Temporada de acidentes. Estou quase ficando preocupada com o que em breve pode começar a sumir.

Leia um trecho de Temporada de acidentes

Moïra Fowley-Doyle é metade francesa, metade irlandesa e mora Dublin com o marido, duas filhas pequenas e um gato já velhinho. Sua metade francesa gosta de vinho tinto e livros sombrios, daqueles em que todos morrem. Já a metade irlandesa gosta de chá e finais felizes. Temporada de acidentes é seu romance de estreia. Esse artigo foi originalmente publicado aqui. 

testeSemana especial O regresso

Romance de Michael Punke publicado pela Intrínseca, O regresso é uma notável história de obsessão, um livro sobre um homem cuja vida foi ao mesmo tempo salva e condenada pela sede de vingança. A obra também serviu de inspiração para o filme homônimo de Alejandro G. Iñárritu, estrelado por Leonardo DiCaprio.

Em uma semana de conteúdos especiais, vamos divulgar mais curiosidades sobre a lendária história de Hugh Glass:

 

A história de Hugh Glass

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As semelhanças e as diferenças entre o livro e o filme

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O regresso e o Oscar

Fonte: Vai lendo

Fonte: Vai lendo

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testeEu quero uma casa no campo

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Getúlio Vargas na Granja Comary


Um tema que tem monopolizado a cena política e a mídia, entre outros, são as propriedades de veraneio de ex-presidentes, com suas intermináveis reformas. Esse é um assunto pouco explorado pelos historiadores, mas é possível contar a História do Brasil a partir do estudo de casas, sítios, fazendas e outros patrimônios de nossos dirigentes.

Lembro que, em 1979, o general Ernesto Geisel, que presidiu o país entre 1974 e 1979, foi morar em Teresópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Nessa época eu frequentava a cidade e me hospedava em uma casa vizinha à dele. Um belo dia, pouco antes da chegada do novo – e ilustre – morador, tivemos uma surpresa boa: a rua começava a ser asfaltada.

O mesmo fenômeno, ou seja, o investimento do dinheiro público para favorecer o bem-estar de políticos, aconteceu com seu sucessor (não custa lembrar que todo tipo de benfeitoria, como asfaltamento, colocação de antenas de telefonia, saneamento etc., agregam valor aos imóveis locais). O general João Baptista Figueiredo (1979-1985) era proprietário de um sítio em Nogueira, também na Região Serrana. Figueiredo e a esposa, antes da posse, reformaram o sítio. O casal, que convivia em chalés separados na propriedade, inspecionava pessoalmente as obras da reforma.

Já Getúlio Vargas, bem mais modesto, nunca foi dono de qualquer propriedade secundária. Enquanto morou no Rio de Janeiro, especialmente durante sua primeira passagem pela Presidência (de 1930 e 1945), ia sempre ao palácio Rio Negro, residência oficial de verão do governo brasileiro, em Petrópolis, também na Região Serrana. Apesar de ser um frequentador assíduo do palácio, Vargas usaria muito mais o dinheiro do erário para ajudar o desenvolvimento de Teresópolis, conforme conto no livro Os Guinle. O mais curioso dessa história tem a ver com outra casa de campo na mesma localidade.

Na década de 1930, o milionário Carlos Guinle adquiriu muitas terras em Teresópolis, onde construiu sua sofisticada Granja Comary. Sempre que conseguia, tirava Getúlio de Petrópolis e o levava para lá. Em seu diário pessoal, Vargas fez alguns registros sobre suas visitas à granja, que se tornaria mais tarde sede de treinos da Seleção brasileira. A ligação entre as duas cidades era feita por um caminho de terra, até que Getúlio fez a gentileza de mandar construir a estrada Petrópolis-Teresópolis, inaugurada em 1937. A obra beneficiaria de forma inquestionável o município e, em particular, os negócios de Carlos Guinle.

testeO amor segundo Buenos Aires

 

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Com largas avenidas, cafés em estilo europeu e bairros charmosamente decadentes, Buenos Aires é o lugar perfeito para histórias de amor inesquecíveis. A capital argentina é cenário e, ao mesmo tempo, personagem do primeiro romance de Fernando Scheller, repórter do jornal O Estado de S. Paulo que já passou pelas redações de Gazeta do Povo, TV Globo e Deutsche Welle, na Alemanha.

Em O amor segundo Buenos Aires, Scheller oferece a cada personagem a chance de narrar suas escolhas e percepções sobre diferentes formas de amor, como entre pai e filho, um homem e uma mulher, dois homens e também entre amigos.

O novo romance nacional da Intrínseca chega às livrarias em 15 de abril, mas os leitores já poderão conhecer a prosa de Fernando Scheller aqui no blog. A partir da próxima quinta-feira, dia 17, o jornalista passa a colaborar semanalmente com colunas ficcionais sobre relacionamento e textos que exploram os bastidores do livro, como as músicas que o inspiraram e os motivos que o fizeram se apaixonar por uma das mais atraentes capitais da América Latina.

 

Aproveite e leia um trecho do romance:

 

testeAmar não é acertar

O mundo anda com uma mania de perfeição que venho achando muito rasa. Penso nisso toda hora. Não estou falando de política — Deus me livre trazer este assunto à baila por aqui. Estou falando de relacionamentos. Mães e filhos, namorados, cônjuges, amigos, relações familiares em geral.

Parece que tudo precisa ser perfeito. Assim como sentir tristeza hoje em dia virou uma espécie de doença, errar também virou sinal de desamor.

É claro que acertar é bom. Todos queremos ser os melhores pais do mundo, os melhores companheiros, os melhores amigos, amantes e irmãos. Os mais engraçados, leves, sinceros, sexys e justos. Mas toda relação — baseada no amor ou na amizade — está sujeita a escorregões e tombos. Porque a constância, a presença cotidiana, os anos, as transformações e as turbulências pelas quais cada um de nós passa ao longo desta vida, tudo isso exige uma série constante de ajustes. E ajustar aperta, pinica, dói às vezes. Ajusta-se o que está errado, o que mudou de tamanho mas ainda serve, vale a pena.

Mães erram com seus filhos toda hora. Mesmo tentando fazer o melhor, erramos. Erramos cotidiana e constantemente, erramos cheias de amor. Casais são injustos uns com os outros todos os dias. Sadios são aqueles que conseguem, depois de um perrengue qualquer, respirar fundo e começar de novo, zerando as mágoas e as minúsculas injustiças cotidianas.

Hoje, as contas se acumulam nos relacionamentos. E aí, quando a fatura está no vermelho, é hora de tocar adiante. Troca-se o par, contas zeradas, e o jogo começa outra vez da casa 1 do tabuleiro. As relações familiares, nesse ponto, suportam mais os dissabores — ninguém pode trocar de mãe, pai e irmão a cada quatro anos. De um modo ou de outro, as famílias se aturam, já que não tem jeito mesmo. Mas quantas vezes a gente vai dormir se sentindo péssimo — afinal, no calor do afeto, erramos com alguém? Só erra quem tenta. E tentar é amar. Hoje em dia, todo erro é visto como defeito. Discordo disso. Enquanto tentamos, estamos presentes. Enquanto estamos presentes, é sinal de que existe o amor.

Afinal, amar não é acertar. Amar é tentar.

E, ao errar, tenta-se de novo.

Sempre.

testeUm mergulho com Joakim Zander

Por João Lourenço*

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Primeiro romance do sueco Joakim Zander, O nadador é um thriller de espionagem surpreendente e, como nas melhores obras do gênero, cheio de intrigas e suspense, perseguições e tiroteios. Aqui, vale o velho clichê aplicado aos livros que magnetizam a atenção do leitor: é impossível parar de ler.

Tudo começa no início de 1980, em Damasco, na Síria. Um agente americano, depois de uma operação malsucedida, precisa abandonar a filha recém-nascida para manter um disfarce. Enquanto isso, em uma ilha remota no oeste da Suécia, uma menina, Klara Walldeen, cresce sem pai. Agora, trinta anos depois, ela descobre um segredo que foi ocultado à custa de muitas vidas.

nadadorgrandeDepois desse início explosivo, Zander apresenta Mahmoud Shammosh, um estudante de doutorado. na Suécia, George Lööw, um jovem lobista, e, claro, o nadador, um agente aposentado que busca esquecer os erros de um passado turbulento. Juntos, eles precisam encontrar e desvendar esse segredo e, para se salvarem, terão que remexer em suas memórias e revelar quem realmente são.

A história, ambientada em vários países, percorre cantos remotos da Suécia, passa por Estados Unidos e Bélgica, e chega ao Afeganistão devastado pelos conflitos recentes. “Queria escrever algo sobre as relações entre o mundo ocidental e o Oriente Médio. As memórias da minha adolescência na Síria e em Israel ainda estavam muito frescas. E, por ter trabalhado no Parlamento Europeu, também estava interessado em desvendar até onde as pessoas vão em busca do poder”, explica o autor.

Nascido em Estocolmo, Zander cresceu em Söderköping, pequena cidade na costa leste da Suécia. Quando tinha 15 anos, seu pai conseguiu um emprego na ONU e a família se mudou para Damasco e, depois, para Israel. Memórias desse período no Oriente Médio inspiraram O nadador, assim como os dez anos em que o autor trabalhou no Parlamento Europeu. “Sempre quis ser escritor, esse era meu sonho de criança, mas não tive coragem de ir atrás, então acabei virando advogado. E também demorou um tempo até eu encontrar uma história que pudesse chamar de minha.”

A complexa trama de O nadador é contada por meio de inúmeros pontos de vista, além de viajar no tempo, alternando acontecimentos passados e presentes. Zander mostra que domina muito bem seu ofício: escreve com fluidez e sabedoria, saltando entre os vários narradores sem perder o ritmo da história e construindo personagens verossímeis que vivem o conflito de ter que encarar seus segredos para, enfim, livrarem-se dos fantasmas do passado.

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Joakim Zander (Foto: Viktor Fremling)

Tendo como inspiração J.D. Salinger, Faulkner e John le Carré (“Quando se trata de romances de espionagem e suspense, não há ninguém melhor do que Carré”, ressalta o autor), Zander diz que também é admirador de Stieg Larsson: “Ele abriu as portas para muitos autores escandinavos. As pessoas começaram a prestar atenção na literatura daqui graças a nomes como ele.” O autor conta que começou a escrever O nadador depois de ler Sobre a escrita, de Stephen King: “Ele me fez perceber que eu não tinha disciplina para ser um escritor. Então, fiz uma promessa de escrever pelo menos mil palavras por dia. A maior parte do livro foi escrita de madrugada. Não queria que interferisse no meu trabalho nem na minha vida familiar.”

Desde criança, Zander foi incentivado pelos pais a buscar uma carreira artística. “Aos 18 anos eu tinha certeza de que seria um escritor de sucesso, mas não era obstinado o bastante. Acho que se eu pudesse dar um conselho para alguém que está começando, seria esse: ‘Criatividade é bom, mas disciplina é melhor ainda’.”

Após o sucesso do romance, Zander abandonou o trabalho como advogado no Parlamento Europeu. Atualmente, vive na Suécia com a mulher e as duas filhas. O nadador já foi vendido para 28 países e teve os direitos de adaptação para o cinema ou minissérie para TV adquiridos.

 

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

testeO outro lado

Direita X Esquerda

Imagem: Mundo Estranho (fonte)

Você compartilha nos seus grupos de WhatsApp uma série de piadas, imagens e vídeos “políticos”, montados com o único intuito de denegrir “o outro lado”, sem se importar com o fato de que naquele grupo há pessoas que pensam diferente e podem ficar indomodadas. Em seguida, revolta-se quando alguém do mesmo grupo compartilha algo que vai contra suas convicções. Então, procura novos vídeos e posta. E recebe novas imagens e piadas, num ciclo infinito construído por ideias como “eu sei mais”, “seu pautado”, “ignorante”, “não é possível que alguém tão inteligente não enxergue o óbvio”. Ignora que aquele grupo havia sido criado pelo interesse mútuo pelo trabalho, pela faculdade, por um esporte ou para relembrar velhos amigos de escola.

Você transforma seu perfil no Facebook e sua conta no Twitter num verdadeiro tanque de guerra para atacar o outro lado, como se houvesse mesmo dois exércitos incomunicáveis. “Ou está do meu lado, ou está do outro.” E, com artilharia pesada, ajuda a disseminar a ideia de que não há meio-termo.

Você rotula o outro lado com uma cor e grita, em letras garrafais: “SEU VERDE!” O do outro lado retruca: “LARANJA!” A partir daí, indignado, você se ocupa em tentar provar que a cor laranja é mais digna do que a verde, sem se dar conta de que tanto o verde quanto o laranja têm amarelo. Certamente haverá coisas em comum entre suas opiniões, mas o objetivo não é tentar enxergar o que há de comum e pensar racionalmente no porquê das diferenças. O objetivo é demolir a opinião do outro lado. Pisar, esmagar, esfolar e ir embora com o peito estufado.

Você quer convencer o outro lado. Precisa convencer o outro lado. Tem necessidade de ser o último a dar opinião. Mas não prestou atenção na opinião que veio de lá. É incapaz de se imaginar no lugar do outro, para tentar enxergar o que ela enxerga. Ou, pelo menos, tentar compreender o porquê de ela enxergar daquele jeito. Ela pode até ter dito algo que lhe faria sentido, caso a ideia não tivesse parado num escudo que você criou ao seu redor. E então passa o dia ressentido, sem observar o mal que aquilo lhe faz. Sábio Shakespeare: “Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que outra pessoa morra.”

O que você não percebeu ainda é que o outro lado é, no fim das contas, o mesmo lado que o seu. Mesmo mundo, mesmo país, muitas vezes a mesma cidade. Cada atitude acolá vai sempre refletir aqui, e vice-versa. Mais cedo ou mais tarde. Cada vez que compartilha, grita, esperneia, tenta convencer o outro lado, um grão de pólvora é colocado no barril, que tem sido enchido diariamente por você e pelo seu “inimigo” — vizinho, parente, colega de trabalho, aquele gente boa da turma do primeiro grau, o melhor amigo da faculdade. Mas você já bloqueou a maioria de seus novos inimigos, muitos de seus inimigos o bloquearam e você nem ficou sabendo. Pessoas com quem, agora, você não consegue sentar para tomar um chope sem pensar “esse aí é um corrupto, safado, burro, ladrão e mal-intencionado”.

Só que aquele barril de pólvora já está cheio até a tampa. Você e seu inimigo enfiaram o pavio. A caixa de fósforos vazia está na sua mão e o palito, na dele. Os dois estão se encarando e o próximo passo é acenderem juntos esse pavio. Porém, a explosão do barril não fará distinção entre um lado e outro. Os estilhaços atingirão você, seus amigos, seus familiares, seu filho. Provavelmente você vai passar a culpar integralmente o inimigo pelo estado a que as coisas chegaram, e vice-versa. Seu filho, para quem você é um espelho, vai repetir esse comportamento. Porque o filho do seu inimigo tem de ser também inimigo dele, claro!

É esse o mundo que você deseja para ele? Um mundo dividido entre dois lados que se odeiam? Saiba que é sua boa parte da culpa pela doença da intolerância e do ódio que assola sua vida e suas relações. Porque você não tem executado, diariamente, o filtro de Sócrates. Um segundo antes de compartilhar, comentar, curtir ou falar, você não tem se perguntado: “O que vou dizer é absolutamente VERDADE? Tenho plena certeza disso?”; “O que vou compartilhar é algo BOM? Não vou ferir ninguém?”; “O que vou comentar é algo ÚTIL e não apenas para arrotar minhas ‘verdades’?”

Recuo, ponderação e análises desprovidas do espírito de confronto são armas que muitas vezes desarmam o “inimigo”. Na verdade, você pode não estar percebendo, mas ele NÃO é seu inimigo. O que não significa que você não deva se expressar. É apenas o exercício diário da expressão gentil, tolerante, calma e parcimoniosa. Sair de seu próprio mundo para observar o mesmo fato por outro ângulo. Não retrucar antes de absorver. Ainda há tempo e dignidade em ser o primeiro a dar o passo para trás, pois, como bem disse o extraordinário Mahatma Gandhi: “Olho por olho, e o mundo acabará cego.”

testeRoubo de arte também é coisa para jovem

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“Le jardin du Luxembourg”, 1905, Henri Matisse.

Uma das informações que mais me chocaram desde que comecei a trabalhar em A arte do descaso apareceu num livro de arte francês, desses muito bem acabados. Publicado em 2009, Le musée invisible: les chefs-d’oeuvres volé traz uma contabilidade assustadora das obras de arte roubadas por aí. São pelo menos 551 Picassos, 43 Van Goghs, 174 Rembrandts, 209 Renoirs, um Vermeer, um Caravaggio, um Cézanne e um El Greco. Isso citando apenas alguns dos pintores mais famosos. O livro crava: o museu mais completo do mundo seria o das obras de arte desaparecidas. Imagine a beleza que nossos olhos não alcançam…

Enganam-se aqueles que pensam que roubo de arte é um crime fora de moda. Eles estão em plena ascensão. Segundo dados oficiais dos Carabinieri, a força policial mais bem preparada do mundo para defender o patrimônio histórico e cultural, só na Itália são feitos, todos os anos, mais de 20 mil registros desse tipo de crime. No mundo, são cerca de 50 mil.

A taxa de subnotificação de roubos de arte ainda é altíssima porque, em geral, as pessoas não acreditam que a polícia será capaz de desvendar um caso e reencontrar o que foi roubado. Sempre há homicídios em aberto esperando solução. Quem se preocuparia com uma “simples pintura” diante disso?

Faço aqui um convite. Navegue pela galeria de imagens a seguir e pense no prazer de ver essas obras — todas elas desaparecidas — expostas por aí.

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“La nativité avec saint François et saint Laurent”, Caravaggio, 1609 Roubado em 17 de outubro de 1969 de um convento franciscano em Palermo, na Itália.