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Como me encantei pela obra de Elena Ferrante

9 / junho / 2020

Por Alfredo Nugent Setubal*

Fotografia de Nápolis, de Eduardo Castaldo. Cortesia da editora italiana Edizioni E/O.

Era 2015 e eu cursava o primeiro ano da pós-graduação em escrita criativa quando um professor indicou uma leitura inesperada para a turma: A amiga genial, de Elena Ferrante. Entre Virginia Woolf, Tchekhov e outros clássicos, aquele nome que quase nenhum de nós, naquela época, conhecia causou estranheza. Comprei um exemplar, ainda ressabiado com o título e a capa que pareciam prometer uma daquelas leituras fáceis e pouco memoráveis de verão.

Bem que se aconselha a não julgar um livro pela capa: fui absolutamente sugado pela leitura daquele primeiro volume da tetralogia, por Nápoles, pelo bairro, por Lila e Lenu. Lembro-me, inclusive, de um fato curioso: chegar ao final da história e achar que faltavam páginas no meu exemplar. Era a única explicação sensata para aquele fim inesperado e explosivo em torno de um sapato. Obviamente o livro estava completíssimo, eu é que ainda desconhecia o estilo da escritora italiana.

Para meu desespero, foi preciso aguardar quase um ano até que o segundo volume fosse traduzido e lançado no Brasil. Espera que se repetiu com o terceiro e o quarto, de ansiedade em ansiedade, me fazendo lembrar dos tempos de criança e das séries que eu lia ― Harry Potter, Desventuras em Série ―, um tempo em que o livro terminava e deixava um grande vazio até a chegada do próximo volume. A comparação não é à toa. Se com essas séries juvenis eu descobri o prazer de ler (e depois escrever), com Ferrante e sua tetralogia percebo que, de certo modo, redescobri, agora adulto, o mesmo entusiasmo. O poder de uma boa história.

Creio que a força da tetralogia esteja justamente em seu caráter híbrido: são livros acessíveis, “fáceis” e divertidos, e que, ao mesmo tempo, contêm uma força tamanha ― literária, social e humana. Neste tempo em que a questão das minorias e da desigualdade de gênero está tão em alta nos debates, a narrativa conduzida por Lenu foi reveladora ― para mim, como homem ― das dificuldades, dos conflitos e dos obstáculos enfrentados por meninas e mulheres, seja na Itália do pós-guerra, seja no Brasil do século XXI. Lenu, com sua voz ora tímida, ora contundente, revela suas inseguranças, paixões e angústias, mas também a violência doméstica e sexual, o dilema família/carreira, os meandros de uma meritocracia fajuta que sempre privilegia seus pares masculinos.

Novo livro de Elena Ferrante, “A vida mentirosa dos adultos”

Não que eu fosse alheio à existência desses problemas, é claro, mas a força de Ferrante está justamente em abordar esses temas de maneira natural, usando a voz de suas personagens, sem forçar um discurso ou levantar bandeiras e angariando, assim, a em empatia e compreensão do leitor. Lembro-me de sentir raiva, de ficar incomodado, inconformado, de me perguntar se minha mãe, irmã ou namorada já haviam passado por algo semelhante, de torcer, em vão, que Lila e Lenu conseguissem, de alguma forma, escapar daquele emaranhado de brutalidades e injustiças.

É esse, afinal, o grande dilema do enredo que transpassa os quatro livros: Lila e Lenu ― cada uma ao seu modo ― estão tentando escapar não só do bairro ou de Nápoles, mas também de uma violência sistêmica, entranhada em tudo e todos, dos maridos do bairro aos professores da universidade. Uma violência, às vezes física e escancarada, às vezes latente e nas entrelinhas, da qual as duas eram a ponta mais fraca, tanto pela origem social quanto pelo gênero.

De tão fã da tetralogia, até hoje não tive coragem de mergulhar em outras obras da escritora. Agora, com o lançamento de A vida mentirosa dos adultos, estou ansioso para voltar às ruas de Nápoles e conhecer outras facetas e personagens de Ferrante.

***

A vida mentirosa dos adultos chegou ao intrínsecos, clube do livro da Intrínseca, em junho e às livrarias em setembro. 

Alfredo Nugent Setubal é editor e escritor. É formado em Cinema pela FAAP, onde passou a escrever roteiros e aprofundou seu interesse por fotografia, hobby que mantém até hoje nas horas vagas e viagens. Após a faculdade, cursou a pós-graduação de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz, durante a qual O livro de Líbero começou a ser desenvolvido como projeto de conclusão de curso.

Comentários

6 Respostas para “Como me encantei pela obra de Elena Ferrante

  1. Você falou por mim! A cada final de um livro sentia-me em luto com dificuldade imensa de me desprender da história. Lenu e Lila encarnam as histórias das mulheres com suas angústias, dores, violência de um mundo tomado por pensamentos e práticas muitas vezes absolutamente machistas. A linguagem simples mas de uma riqueza de detalhes fez com que houvesse uma mistura de experiências. A tetralogia ocupa, n minha casa, lugar de destaque e cuidados! Faz parte de mim!

  2. Minha filha me apresentou as obras dessa autora maravilhosa e me deu de presente todos os livros traduzidos no Brasil. Agora, aguardo a chegada deste novo que foi entregue no endereço dela no Rio. Como moro em Resende e ela está aqui comigo trabalhando em home office, só no final da quarentena vou receber o presente. Tô igual criança esperando o presente de Natal.

  3. Amei a tetralogia napolitana. Li 3 vezes para me sentir parte daquele bairro. Corri na livraria e comprei A filha perdida e Um amor incômodo, que achei fraquíssimos. Uma decepção.
    Vamos aguardar a vida dos adultos.

  4. Uma resenha que se aproxima muito do que senti ao ler a tetralogia. E vale se aventurar em outros, enquanto não é lançado o mais novo livro de Ferrante. “Um amor incômodo” é instigante, cheio de meandros de fatos e sentimentos e, claro, incômodo. Muito bom.

  5. Tudo que senti,foi traduzido por este artigo.Tbém me encantei pela tetralogia.Fiquei enrolando ao ler o quarto livro para que não terminasse.Sinto os personagens vivos dentro de mim,em minhas memórias.E acho que ficarão para sempre.

  6. Desde que li Minha amiga genial praticamente fui enfeitiçada por toda a leitura de Elena Ferrante . Me vi andando pelas ruas de Nápoles . Me senti morando naqueles prédios que moravam Lina e Lenu .Devorei cada livro com tanta avidez como nunca nenhum outro livro . Impressionante como a narrativa dessa escritora nos faz entrar no livro e se ver nos lugares e situações .

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