Por Alfredo Nugent Setubal*
Era 2015 e eu cursava o primeiro ano da pós-graduação em escrita criativa quando um professor indicou uma leitura inesperada para a turma: A amiga genial, de Elena Ferrante. Entre Virginia Woolf, Tchekhov e outros clássicos, aquele nome que quase nenhum de nós, naquela época, conhecia causou estranheza. Comprei um exemplar, ainda ressabiado com o título e a capa que pareciam prometer uma daquelas leituras fáceis e pouco memoráveis de verão.
Bem que se aconselha a não julgar um livro pela capa: fui absolutamente sugado pela leitura daquele primeiro volume da tetralogia, por Nápoles, pelo bairro, por Lila e Lenu. Lembro-me, inclusive, de um fato curioso: chegar ao final da história e achar que faltavam páginas no meu exemplar. Era a única explicação sensata para aquele fim inesperado e explosivo em torno de um sapato. Obviamente o livro estava completíssimo, eu é que ainda desconhecia o estilo da escritora italiana.
Para meu desespero, foi preciso aguardar quase um ano até que o segundo volume fosse traduzido e lançado no Brasil. Espera que se repetiu com o terceiro e o quarto, de ansiedade em ansiedade, me fazendo lembrar dos tempos de criança e das séries que eu lia ― Harry Potter, Desventuras em Série ―, um tempo em que o livro terminava e deixava um grande vazio até a chegada do próximo volume. A comparação não é à toa. Se com essas séries juvenis eu descobri o prazer de ler (e depois escrever), com Ferrante e sua tetralogia percebo que, de certo modo, redescobri, agora adulto, o mesmo entusiasmo. O poder de uma boa história.
Creio que a força da tetralogia esteja justamente em seu caráter híbrido: são livros acessíveis, “fáceis” e divertidos, e que, ao mesmo tempo, contêm uma força tamanha ― literária, social e humana. Neste tempo em que a questão das minorias e da desigualdade de gênero está tão em alta nos debates, a narrativa conduzida por Lenu foi reveladora ― para mim, como homem ― das dificuldades, dos conflitos e dos obstáculos enfrentados por meninas e mulheres, seja na Itália do pós-guerra, seja no Brasil do século XXI. Lenu, com sua voz ora tímida, ora contundente, revela suas inseguranças, paixões e angústias, mas também a violência doméstica e sexual, o dilema família/carreira, os meandros de uma meritocracia fajuta que sempre privilegia seus pares masculinos.
Não que eu fosse alheio à existência desses problemas, é claro, mas a força de Ferrante está justamente em abordar esses temas de maneira natural, usando a voz de suas personagens, sem forçar um discurso ou levantar bandeiras e angariando, assim, a em empatia e compreensão do leitor. Lembro-me de sentir raiva, de ficar incomodado, inconformado, de me perguntar se minha mãe, irmã ou namorada já haviam passado por algo semelhante, de torcer, em vão, que Lila e Lenu conseguissem, de alguma forma, escapar daquele emaranhado de brutalidades e injustiças.
É esse, afinal, o grande dilema do enredo que transpassa os quatro livros: Lila e Lenu ― cada uma ao seu modo ― estão tentando escapar não só do bairro ou de Nápoles, mas também de uma violência sistêmica, entranhada em tudo e todos, dos maridos do bairro aos professores da universidade. Uma violência, às vezes física e escancarada, às vezes latente e nas entrelinhas, da qual as duas eram a ponta mais fraca, tanto pela origem social quanto pelo gênero.
De tão fã da tetralogia, até hoje não tive coragem de mergulhar em outras obras da escritora. Agora, com o lançamento de A vida mentirosa dos adultos, estou ansioso para voltar às ruas de Nápoles e conhecer outras facetas e personagens de Ferrante.
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A vida mentirosa dos adultos chegou ao intrínsecos, clube do livro da Intrínseca, em junho e às livrarias em setembro.
Alfredo Nugent Setubal é editor e escritor. É formado em Cinema pela FAAP, onde passou a escrever roteiros e aprofundou seu interesse por fotografia, hobby que mantém até hoje nas horas vagas e viagens. Após a faculdade, cursou a pós-graduação de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz, durante a qual O livro de Líbero começou a ser desenvolvido como projeto de conclusão de curso.
Você falou por mim! A cada final de um livro sentia-me em luto com dificuldade imensa de me desprender da história. Lenu e Lila encarnam as histórias das mulheres com suas angústias, dores, violência de um mundo tomado por pensamentos e práticas muitas vezes absolutamente machistas. A linguagem simples mas de uma riqueza de detalhes fez com que houvesse uma mistura de experiências. A tetralogia ocupa, n minha casa, lugar de destaque e cuidados! Faz parte de mim!
Minha filha me apresentou as obras dessa autora maravilhosa e me deu de presente todos os livros traduzidos no Brasil. Agora, aguardo a chegada deste novo que foi entregue no endereço dela no Rio. Como moro em Resende e ela está aqui comigo trabalhando em home office, só no final da quarentena vou receber o presente. Tô igual criança esperando o presente de Natal.
Amei a tetralogia napolitana. Li 3 vezes para me sentir parte daquele bairro. Corri na livraria e comprei A filha perdida e Um amor incômodo, que achei fraquíssimos. Uma decepção.
Vamos aguardar a vida dos adultos.
Uma resenha que se aproxima muito do que senti ao ler a tetralogia. E vale se aventurar em outros, enquanto não é lançado o mais novo livro de Ferrante. “Um amor incômodo” é instigante, cheio de meandros de fatos e sentimentos e, claro, incômodo. Muito bom.
Tudo que senti,foi traduzido por este artigo.Tbém me encantei pela tetralogia.Fiquei enrolando ao ler o quarto livro para que não terminasse.Sinto os personagens vivos dentro de mim,em minhas memórias.E acho que ficarão para sempre.
Desde que li Minha amiga genial praticamente fui enfeitiçada por toda a leitura de Elena Ferrante . Me vi andando pelas ruas de Nápoles . Me senti morando naqueles prédios que moravam Lina e Lenu .Devorei cada livro com tanta avidez como nunca nenhum outro livro . Impressionante como a narrativa dessa escritora nos faz entrar no livro e se ver nos lugares e situações .