Minha saudade parece ser maior do que eu

Por Pedro Gabriel

7 / julho / 2020

Hoje, acordei com SAUDADE em caixa-alta. Sei lá, minha saudade parece ser maior do que eu. E, justamente por não caber mais em mim, fica ali — a meu lado — feito alma. Uma espécie de puxadinho, extensão invisível de memórias e afetos. E, justamente por não caber mais em mim, ela faz morada no espaço que me envolve, toma posse de todo o meu redor. Quero roer essas imagens. Posso? Esse aperto tão perto de mim agora tem nome. E esse nome ora traz angústia, ora traz bonança. 

Toda palavra tem uma história, um peso, uma leveza, uma intenção. Mas, no caso de saudade, eu sinto que ela é uma história que tem uma palavra. Saudade sozinha não pesa nada, não levita tanto, não demonstra intenção alguma. É vazia. Diferente de silêncio — palavra-próxima no dicionário —, saudade precisa ser povoada de pessoas ou lembranças. Divergente de solidão — outra vizinha não muito distante —, saudade exige certa existência alheia. É perfeitamente possível ser sozinho só. É praticamente impossível sentir saudade sem ter nada além de si. Ela carece de outro alguém, de outro algo ou de qualquer outro interlocutor — não necessariamente humano — presente nessa interação. Saudade é o corpo que segura em suas mãos, de um lado, o passado; do outro, o futuro.

A saudade que me chega agora se parece intensamente com meu avô. Já escrevi tanto sobre ele que tenho medo de esgotar todo esse sentimento. Não sei se as lembranças são feito um pneu que se desgasta no tempo. Espero que não. Não quero economizar a imagem que guardo dele. Não quero jamais abandonar a emoção ao recordar de sua pequena cicatriz no nariz. Meus olhos se enchem d’água. Sinto que vou me afogar. Eu nunca me despedi do meu avô.

Lembrar de forma seca não é saudade. É um simples pensamento insensível de momentos passados. O dia que eu pensar no senhor sem me emocionar, você terá morrido de vez. Será sua segunda morte. Mas você ainda está vivo! É preciso tantas outras despedidas para aceitar que alguém realmente se foi. Se ainda tenho seu relógio guardado na gaveta da mesinha de cabeceira, ainda tenho seu tempo comigo. O pneu ainda está em movimento, a SAUDADE não se desgastou…

Podemos ir comprar soldadinhos de chumbo na Feira de Ipanema?

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

3 Respostas para “Minha saudade parece ser maior do que eu

  1. Ah, que texto lindo!!❤ Eu também não consigo me deslembrar do meu avô e também tenho seu relógio guardado na gaveta, entre tantas outras lembranças.

  2. Que texto incrível!!! Cheio de beleza e de sentimento!!! Parabéns!!!

  3. Acompanhar seu trabalho é sempre gratificante. Impossível não se sentir tocada por sua arte.

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