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Extraordinariamente banal

1 / setembro / 2022

O cotidiano também pode ser violento e misterioso 

Em 2019, Liane Moriarty decidiu tirar um ano sabático. A escritora australiana, que costuma publicar um livro a cada dois anos, estava decidida a passar todo o tempo extra ouvindo música e lendo poesia, longe de prazos apertados e cobranças. Não demorou muito para que ela percebesse que tudo o que ela queria fazer era apenas escrever. Foi uma espécie de reencontro consigo mesma: “Isso me deu um novo senso de liberdade. Percebi que o que eu realmente gosto de fazer é escrever, o que é muito bonito”.

A história de Liane Moriarty é extraordinariamente banal, como a de muitos de nós. A autora que hoje já vendeu mais de 20 milhões de livros ao redor do mundo cresceu em Sydney e se apaixonou pela literatura ainda menina. Ela e seus cinco irmãos liam livros de forma voraz e recebiam alguns poucos dólares dos pais para escrever seus próprios romances; o primeiro livro encomendado pelo pai a Liane teve um adiantamento de um dólar. Na idade adulta, ela preferiu se dedicar à publicidade do que à literatura – até que sua irmã Jaclyn publicou o premiado Feeling Sorry For Celia em 2000. Era o incentivo que faltava. Liane se inscreveu num mestrado em escrita criativa e, em 2004, publicou seu primeiro livro, Três Desejos. Tinha então 36 anos. 

Apesar de ainda resistir ao lugar de autora celebridade, é isso o que Liane é hoje. Com Pequenas Grandes Mentiras, se tornou a primeira escritora australiana a alcançar o primeiro lugar na lista de mais vendidos do The New York Times, e os direitos audiovisuais de todos os seus livros já foram adquiridos por grandes produtoras. Mas isso não impede que ela continue sendo, lá no fundo, uma mulher comum. Na quarentena, quando Liane não estava escrevendo, estava assistindo a Survivor ou ouvindo podcasts sobre meditação sem realmente meditar.

Assim como ela, seus personagens também são pessoas comuns. Nós nos identificamos com suas histórias, seus dilemas, seus problemas. Seus romances são, de alguma forma, muito próximos de seus leitores. 

Suas histórias costumam partir de uma premissa capaz de nortear todo o enredo. Em Segredos de família, Liane estava interessada em como os filhos reagiriam se a mãe desaparecesse e o pai fosse o principal suspeito: “Eu estava interessada nesses sentimentos conflituosos, especialmente entre irmãos. O que aconteceria se um pensasse que o pai era o culpado e o outro não?”. A história então vai ganhando vida na mente de Liane como num quebra-cabeças, com a ajuda de um artigo de jornal sobre um casal de idosos que acolhe uma jovem desconhecida e alguns podcasts de true crime.

Apesar do suspense ser um elemento fundamental em seus livros, Liane recusa o título de escritora do gênero. “As pessoas me chamam assim, mas temo que os fãs de thriller não me achem suficientemente misteriosa”. Isso porque o thriller sobre o qual Liane se debruça é outro. Seu esforço é mostrar que o banal também pode ser violento e misterioso. A autora é capaz de criar personagens que mantêm o leitor devorando cada página, e não apenas uma história com uma sequência de cadáveres e reviravoltas; ela explora a intimidade de relacionamentos e detalha inseguranças e angústias de mulheres absolutamente comuns. Seus livros combinam o leve tom cômico com assuntos sombrios, fugindo do ritmo vertiginoso com anedotas familiares ou opiniões profundamente arraigadas de um personagem sobre algo tão trivial quanto um sanduíche favorito.


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