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Como um pequeno leitor se tornou um escritor?

30 / junho / 2023

*Por Renato Ritto

Então. Eu publiquei um livro, não sei se você ficou sabendo. Chama Marketing do amor, e eu o construí inteiramente em formato de e-mails, cupons fiscais, chat interno de trabalho e coisas assim. Observando a resposta que os leitores de Marketing do amor têm tido, reflito sobre como sou grato por poder ver as reações das pessoas ao que eu escrevo. Ouvir que eu as fiz refletir sobre o luto e também sobre o amor de forma leve e engraçada me deixa muito, muito feliz. É sempre muito gostoso ler elogios sinceros, porque eu nem sabia que conseguia escrever um livro. E receber elogios por uma coisa que eu não tinha certeza se conseguia fazer? Me deixa doido. 

Eu não costumo procurar resenhas do livro pra ler, mas li algumas. Não muitas, também, senão eu surto e entro numa espiral de ansiedade e aí eu decido que preciso muito de uma roupinha nova e acabo inevitavelmente gastando dinheiro ou só voltando pra minha hiperfixação em O fantasma da ópera, o que for menos danoso para a época. Mas leio algumas, as que valem a pena. E através delas percebo que muita gente fica curiosa sobre de onde veio esse formato e até já li algumas especulações — quase todas erradas. Mas não temam, estou aqui pra confessar todos os meus crimes e contar de onde veio a ideia do livro diferentão (que na verdade, como vocês vão ver, é bem velha e nada diferentona):

Era uma vez um jovem Renatinho adolescente que queria ler coisas diferentes e tinha duas irmãs mais velhas que liam romances compulsivamente. Um dia, querendo ler alguma coisa e não sabendo bem o que, Renatinho vai até a prateleira e pega um livro das irmãs.

Eu vou confessar que não lembro bem qual livro da Meg Cabot eu li primeiro. Lembro só que um dos meus preferidos, na época, era Pegando fogo!. E eu também amava e almejava ler os livros mais adultos. E um dia, sem ninguém ver, passei a mão no livro Todo garoto tem, que não era bem pra minha idade, mas li. A leitura proibida, acho, era ainda mais prazerosa, e o formato com entradas curtas de diários de viagem, passagens de avião, e-mails de trabalho, cardápios de restaurantes e cupons fiscais me fascinou. Eu já era obcecado pela Meg Cabot nessa época, e poder ler aquele livro mais adulto me deixou ainda mais fascinado. E o formato era diferente, muito gostoso e rápido de ler. 

Por que estou contando tudo isso? Porque não tenho como explicar de onde veio Marketing do amor sem falar dessa época. Eu amava muito esses livros, eram passatempos rápidos e despretensiosos. Eu também guardo uma admiração pela Sophie Kinsella, que escrevia livros que me faziam gargalhar nessa mesma época em que eu só queria entrar num livro pra relaxar e dar umas risadas com situações absurdas e personagens engraçados.

Interface gráfica do usuário, Site

Descrição gerada automaticamente

Tenho até uma foto com a Sophie Kinsella, olha só! De 2015.

Dando um salto no tempo, agora pro início da pandemia, eu me decepcionei com os romances e livros young adult que estava lendo porque comecei a perceber que… eu cresci. Os conflitos já não eram mais os meus, por mais que por muito tempo eu tenha me identificado com eles. Fiquei me perguntando por que ninguém mais escrevia romances engraçados e despretensiosos sobre a vida adulta sem se levar a sério, como os que eu lia quando era adolescente, só que mais atuais e mantendo a diversão. Eu amo livros densos também, não me leve a mal, mas eu sentia falta de uma literatura mais divertida que fosse só isso: divertida. Pra passar o tempo, dar umas risadas e acabou. O romance de entretenimento em sua essência. E, claro, que fosse gay, porque eu, nessa altura, já tinha passado por diversos processos de descoberta. 

E foi assim que eu comecei a escrever Marketing do amor, pensando nesses romances que eu lia quando era adolescente e amava. A estrutura veio daí, e eu incrementei com coisas mais tecnológicas, porque, convenhamos, nos livros da Meg um dos personagens usa um palmtop, que eu duvido que alguém saiba o que é hoje em dia. E tudo ali tinha um ar, digamos, vintage, que é um jeito fofo de dizer que era velho.

Quando quis testar o formato, publiquei o conto Brilhante, inteiramente escrito em e-mails, que foi um sucesso absoluto e me mostrou que as pessoas tinham interesse nesse tipo de leitura. Apesar disso, eu nunca imaginaria a dificuldade que seria escrever um livro inteiro nesse formato. Às vezes eu sabia a cena que queria narrar, mas ela simplesmente não se encaixava na proposta on-line. Porque existem situações sobre as quais não é próprio postar nas redes sociais, ou a gente só não quer falar sobre mesmo, nem em terapia, que dirá na internet. E como eu faria alguém falar sobre um processo de luto recente nas redes sociais? Como fazer com que as comunicações encaixassem e não ficassem forçadas? E como achar a voz de cada personagem através de mensagens de texto? 

Isso tudo eu fui acertando conforme recebia feedbacks de pessoas muito importantes pra mim e que me davam pistas e dicas do que achavam que não estava funcionando. Eu inclusive contratei um serviço de leitura crítica de uma amiga minha, a Laura Pohl, que analisou meu livro e me deu dicas e sugestões de melhoria na estrutura da trama e que, sinceramente, salvou Marketing do amor. Se esse livro sequer chegou perto de ser impresso, foi por tudo o que a análise dela me fez pensar. Depois de literalmente reescrever Marketing do amor do zero, algumas arestas foram aparadas com minhas amadas editoras de texto da Intrínseca e eu consegui dar um final coerente para o livro. E não ter medo de retrabalhar seu texto e não ter apego extremo ao que você escreve ajuda demais nessa hora.

No fim, o que sobra é gratidão extrema. Felicidade quando vejo meu livro nas prateleiras, quando me abordam para pedir autógrafo, quando eu entro numa livraria e converso com livreiros sobre o meu livro, quando a minha editora me pede pra escrever um textinho sobre o meu processo de escrita. Tudo isso me deixa com um sorrisão e me faz ter ainda mais certeza de que deu certo!

*Renato Ritto já morou em diversas cidades do interior do estado de São Paulo. É formado em Editoração e também cursou Letras, ambos na USP, além de já ter trabalhado como assistente editorial. Ama romances água com açúcar, histórias clichês e seus gatos, Hugo e Neno. De forma independente, publicou os contos Brilhante Um Natal brilhante com Alex e FrankMarketing do amor é seu livro de estreia.


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