As histórias

Por Leticia Wierzchowski

18 / novembro / 2013

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Sempre me perguntam de onde eu tiro as ideias para os meus livros. As ideias vêm da vida. A vida está cheia de tudo. Ah, se você soubesse daquela carta que sua mãe sempre guardou na última gaveta do roupeiro… Se você seguisse a trajetória de vida daquele bebê abandonado dentro de uma caixa de sapatos no último inverno… Os enredos desta nossa vida são imbatíveis. E os personagens? Os personagens, uai, somos nós.

É desta faina que são feitas as histórias. Dessa coisa que da vida se evola e que brilha, brilha. Que vira história contada de pai pra filho. E entra no imaginário da família. Então, que ser escritor é sair espiando a vida, mexendo com ela, deixando-se levar. Calha que sempre gostei dessas histórias que voleiam por aí. Desde menina. Eu ia lá e pedia pro meu avô polonês vô, conta uma história de antes? Antes era a Polônia, aquele outro mundo do qual ele falava. E o avô contava enrolando as palavras, pois que nunca soube se dar com o português. Eu ainda peço, de quando em quando, por histórias. Se bem que as melhores não venham solicitadas, mas flanando. Como outro dia, em que encontrei uma prima na praia e ela me disse, Estou meio perdida por aí. Vim com a minha avó, mas é que ela sumiu com o namorado. Na verdade, são amantes. (A avó da minha prima tem 69 anos, só pra constar.) Amantes?, indaguei. Era uma longa história, que lhes conto brevemente no próximo parágrafo.

Uma moça chilena tem seu noivo chileno. Antes do casório, ela sente umas dúvidas quanto aquele amor. Um amor para o altar, até com enxoval feito. Mas a moça pede um tempo e segue para a Europa com a finalidade de visitar sua irmã que lá vive. É então que conhece outro galã. Eles se apaixonam e, zupt, decidem casar. A prova derradeira daquele amor é que o enxoval feito para o noivo chileno segue válido — ambos os dois rapazes tem nome começado pela mesma letra. Pois, a moça se casa e vem para o Brasil com seu amor que era brasileiro. Vivem felizes e têm seus filhos. Tudo perfeito. Muitíssimos anos depois, o esposo brasileiro vem a falecer. É a vida, e eles viveram juntos durante muito tempo. Ela fica sozinha. Os filhos já estão crescidos, casados. Até que, um dia, toca o telefone e, das fímbrias do passado, surge aquela voz falando espanhol. Lembram do chileno preterido há quarenta anos? Não é que ele conseguiu o telefone da sua eterna paixão? O homem agora está casado, tem filhos e netos, mas pega um avião para rever sua ex aqui no Brasil, e estas viagens viram rotina. Imagino que sua esposa nem sonhe, mas sequer sei detalhes… Sei somente que ambos andam bem felizes e muito passeiam pelo Brasil. Às vezes, calha da senhora dar uma carona pra sua neta. E a neta tem uma prima que escreve.

Leticia Wierzchowski é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna quinzenal aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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