O romancista tem que ignorar todos os pequenos problemas da vida cotidiana para entrar no ritmo do livro que quer ser escrito por ele.
14 de fevereiro de 2013 – quinta-feira
Dedicação total ao romance, que avança num ritmo regular. As cenas do dia seguinte são imaginadas na tarde anterior. Já são 15 mil palavras. Penso terminar a primeira parte até domingo, chegando a 20 mil palavras.
Meu desktop estragou e estou tentando me acostumar ao laptop. Nada, nem os problemas de casa, atrapalham a escrita – sempre nas primeiras horas matinais. A escrita de um romance diminui minha libido.
19 de fevereiro de 2013 – terça-feira
Trabalhando todos os dias no novo romance – apenas ontem não consegui fazer nada. Hoje, numa madrugada de insônia, adiantei a última cena da primeira parte. Agora, às 11 da manhã, concluí o copião do primeiro bloco. Um quarto do livro.
Vou me dedicar à versão impressa, empreendendo uma limpeza geral da coisa. Terei então uma noção do que escrevi. A segunda parte está sendo esboçada na minha cabeça. Começo amanhã.
2 de março de 2013 – sábado
Trabalhei pouco no romance – 500 palavras. Mas achei um possível título para ele: “A mulher que dormiu com o demônio”.
4 de março de 2013 – segunda-feira
Dei meu dia ao romance – com interrupções para as atividades de internet. Fiz 2.500 palavras – a maior colheita até agora. Apesar da presença de muita gente em casa – pedreiros, pintores, marceneiros –, sigo escrevendo.
Um escritor só desiste de um livro depois de morto. E acho que ainda estou vivo. O bom é que escrevo o que não consigo prever, a história se desvelando sozinha.
8 de março de 2013 – sexta-feira
Hoje foi um dos dias que o romance mais rendeu. Fiz três cenas, criando o clima de perseguição aos negros, transpondo para o Brasil a mesma situação vivida pelos judeus na Alemanha. Quando incentivados, deixamos aflorar toda a nossa maldade. Parece esta a fórmula nazista – liberar os demônios interiores da população.
11 de março de 2013 – segunda-feira
Quando estou num processo longo de escrita, tento não pensar muito lá na frente. Tudo que preciso é resolver a próxima cena. Isso torna menos assustadora a tarefa.
13 de março de 2013 – quarta-feira
Fiz a segunda cena da parte dois – 1.300 palavras. Foi difícil, eu adoecido numa manhã de chuva e a cena era muito triste – os nazistas açoitando um negro.
23 de março de 2013 – sábado
Dormi bem. Escrevi 1.300 palavras do romance, retomado hoje. Poderia ter escrito mais, mas o importante é a regularidade, criando espaços vazios entre a produção de uma cena e a de outra. Escrever tudo que sabemos de um livro de uma vez é um risco. Esgota-se rapidamente o reservatório de imaginação.
28 de março de 2013 – quarta-feira
Acordado desde cedo, escrevi duas cenas, quase 3 mil palavras. O romance se alastra em um ritmo bom. Não volto a ele, não releio nada. Agora é chegar ao final quanto antes. Penso que um mês mais e terei a primeira versão. Uma versão muito suja, cheia de lacunas, que me dará muito trabalho ainda. Mas aí o livro já terá um rosto.
Leia a coluna anterior de “Biografia de um livro”: Não parar mais!
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